Boaventura de Sousa Santos foi suspenso do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). A medida, avança a RTP, vai manter-se, pelo menos, enquanto não houver resultados das investigações às alegações de alegados episódios de assédio sexual que têm sido apontadas ao académico nos últimos dias. E surge depois de o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra ter anunciado, também, uma suspensão do investigador e ainda de outro membro do organismo, Bruno Sena Martins.
Um comunicado publicado na página do CLACSO refere que “enquanto decorrem as investigações em curso”, o organismo tomou a decisão de “suspender todas as atividades de Boaventura de Sousa Santos” naquele organismo. “Perante os acontecimentos com relevância que ocorreram no CES, de que tomámos conhecimento nos últimos dias, o CLACSO reafirma a sua postura de tolerância zero e de oposição absoluta do assédio sexual e manifesta a sua solidariedade com todas as pessoas afetadas por esta forma de violência”, acrescenta a mesma nota.
O Conselho Latino-Americano insta, ao mesmo tempo, a que se faça uma “reflexão profunda sobre o assédio sexual nas instituições académicas e de investigação que não são alheias às relações de poder que produzem relações desiguais e geral violência e assédio”. O organismo reafirma, ainda, o “compromisso de promover e contribuir para a criação de um ambiente de trabalho mais igualitário e livre de todas as formas de violência e assédio”.
A posição do CLACSO surge na mesma semana em que vieram a público diversos testemunhos — alguns na primeira pessoa e com as alegadas vítimas a revelarem a sua identidade, outros anónimos — de alegadas vítimas de Boaventura de Sousa Santos. Estão em causa situações de assédio sexual praticados pelo académico de Coimbra.
Ainda este sábado, a deputada estadual brasileira Bella Gonçalves — que já na quarta-feira tinha dado o seu testemunho, anónimo, ao Observador — veio apresentar-se publicamente como uma das alegadas vítimas de Boaventura. E explicou por que motivo só agora, anos depois de terem ocorrido os episódios em que terá sido vítima de assédio, falou publicamente sobre a situação. “O tom geral era que de facto ele era intocável, qualquer denúncia poderia colocar em risco o meu processo de doutorado. Eu não tinha como colocar em risco o meu processo de doutorado estando a receber uma bolsa”, disse à Lusa.
Os vários testemunhos começaram a surgir depois de ter sido publicado um livro que inclui um capítulo que é resultado de um trabalho científico e em que as três autoras, todas investigadoras, contam as suas próprias experiências de assédio sexual. Na obra, não são reveladas as identidades dos visados — é referido um “professor estrela”, o seu “aprendiz” — nem é feita qualquer referência explícita ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Mas os dados apresentados permitiram perceber rapidamente quem estava em causa e em que contexto académico os abusos teriam, alegadamente, ocorrido.
O próprio CES veio anunciar publicamente que iria avançar com uma investigação aos dados apresentados no livro “Sexual Misconduct in Academia” (Conduta Sexual Imprópria na Academia) e, em específico, no capítulo “The walls spoke when no one else would. Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia”, assinado pelas investigadoras Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom. Em comum, as três têm uma passagem pelo Centro de Estudos Sociais e algum tipo de cruzamento com Boaventura no contexto académico.