O capítulo do livro chama-se (numa tradução livre) “As paredes falaram quando mais ninguém podia”. Assinado por três investigadoras, uma delas portuguesa, o texto conta as suas experiências, através de uma etnografia, com assédio sexual e moral numa instituição universitária por onde as três passaram. Embora não refiram nomes, nem sequer o da instituição em causa, é fácil juntar as peças e perceber que se referem ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A própria instituição já reagiu, através de comunicado, e promete abrir uma investigação ao sucedido.

Da mesma forma, um dos docentes que acusam — a quem chamam Professor Estrela — é facilmente reconhecido nos traços do diretor emérito do CES, Boaventura Sousa Santos. O Observador não conseguiu chegar à fala com o professor e questionada a direção do CES sobre esta questão concreta, a resposta foi de que não irão “neste momento comentar aspetos que virão a ser, certamente, objeto de averiguação por parte” da comissão independente.

Em declarações à Sábado, porém, o atual diretor do CES, António Sousa Ribeiro, refere que o artigo “é explícito em relação a situações e nomes”, reconhecendo que o “Star Professor” será Boaventura, assim como Bruno Sena Martins, o “Aprendiz”.  Já o Diário de Notícias conseguiu falar com Boaventura de Sousa Santos, que também diz reconhecer-se na personagem traçada no artigo, mas recusa todas as acusações de que é alvo.

O texto faz parte de um livro coletivo publicado pela Routledge — editora multinacional britânica especializada em livros académicos nas áreas de ciências humanas e sociais — intitulado “Sexual Misconduct in Academia” (Má Conduta Sexual na Academia). O capítulo “The walls spoke when no one else would. Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia”  é assinado por Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom.

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O Observador falou com as investigadoras que, em conjunto, decidiram não falar ou dar quaisquer entrevistas sobre o texto em causa.

Sobre o texto, que entretanto começou a ser partilhado nas redes sociais, o Centro de Estudos Sociais emitiu um comunicado. “Não mencionando nomes, o capítulo faz alegações sobre condutas anti-éticas que, de acordo com as autoras, terão ocorrido no âmbito do CES.” Na verdade, ao longo de todo o texto das três investigadoras nunca é referido o CES.

“Estando o CES comprometido com o tratamento diligente deste tipo de ocorrências, decidiu averiguar a fundamentação das alegações produzidas no capítulo supra-mencionado”, diz ainda no comunicado. Assim, irá constituir “num curto prazo uma comissão independente à qual caberá a identificação de eventuais falhas institucionais e a averiguação da ocorrência das eventuais condutas anti-éticas referidas naquele capítulo”.

A comissão “será composta por dois elementos externos, um dos quais lhe presidirá, e pela Provedora do CES”. Os membros externos a convidar, explica a instituição, terão competências reconhecidas no tratamento de processo análogos.

(Referência a Boaventura Sousa Santos acrescentada às 19h27)

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