Deborah Carter e Stephen O’Meara viajaram especialmente de Barcelona, onde vivem, para presenciar na próxima quinta-feira, na ponta leste de Timor-Leste, um eclipse total, fenómeno que, dizem, é uma experiência “espiritual” e mágica.

O casal apresenta-se como ‘umbraphiles’, termo em inglês que literalmente significa “amante da sombra” e que designa os que ‘perseguem eclipses’ pelo mundo: cada um já viu doze, em pontos tão diferentes como o Círculo Ártico, a Zâmbia, ou as Ilhas Cook.

“Vou onde os eclipses aconteçam, seja onde for. O primeiro eclipse total que vi foi em 2011, na Zâmbia. Não tinha ideia do que seria, mas quando aconteceu comecei a chorar. Nunca tinha sentido nada assim”, conta à Lusa Deborah Carter, que aterrou esta segunda-feira em Díli.

“Foi algo espiritual para mim. Só de pensar até fico com arrepios. Naquele dia jurei que iria ver todos os eclipses totais que pudesse. E ao mesmo tempo ter uma oportunidade de visitar um país novo”, explica.

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O eclipse solar híbrido de quinta-feira, o fenómeno mais raro do tipo, será visível numa zona remota da Austrália, no mar, na Papua Nova Guiné e na zona leste de Timor-Leste, a opção que o casal acabou por escolher.

“Quando dissemos aos amigos que vínhamos a Timor-Leste, alguns tiveram que o ir procurar no mapa. Nem sabiam onde era. Por isso também é bom vir aqui, apoiar a economia local, conhecer novas pessoas, novas experiências e sentir o impacto de mais um eclipse total”, reforça Stephen O’Meara.

Ambos dizem que é difícil explicar o sentimento no momento em que se presencia um eclipse total, comparando-o a um momento “bíblico”, a um momento em que se “olha para o olho de Deus” ou se está “em contacto com o todo, com o universo”.

“Só quando se vê é se que é capaz de responder a essa pergunta. Não há nada que se possa ver na vida como isto, com estar no caminho da totalidade. E aqui teremos 1,17 minutos para olhar para o olho de Deus”, refere O’Meara.

“É impossível explicar, a sensação, o impacto. Quando a lua surge, tapa totalmente o sol e podemos olhar para os filamentos do círculo, como se fossem dedos a sair deste círculo negro. Nesse momento breve, sentimo-nos parte do todo. Um círculo negro com asas de luz. É absolutamente belo, a coisa mais bela que se pode experienciar”, acrescenta Carter,

O casal parte quarta-feira para a zona de Com, a leste de Baucau, uma das regiões onde se espera das maiores concentrações de especialistas, curiosos e visitantes de vários pontos do mundo, além de muitos residentes em Timor-Leste.

Dois deles, um astrónomo russo e a sua companheira, que chegaram no domingo, também propositadamente para o fenómeno, partiram esta segunda-feira para a zona, explicando à Lusa que antes de começarem a investigar sobre o eclipse nunca tinha ouvido falar de Timor-Leste.

“Timor-Leste tem que agradecer ao sol e à lua pela promoção. Há muitas pessoas que só por causa do eclipse é que descobriram que Timor-Leste existia”, explicou à Lusa Semyon Zhmailov, 27 anos, astrónomo e que chegou a Díli no domingo.

Zhmailov e a companheira Daria Velikoselskaia, 27 anos e programadora, são apenas dois de vários astrónomos, cientistas, investigadores e curiosos que optaram por Timor-Leste para acompanhar o fenómeno raro, que vai ser igualmente visível numa região remota da Austrália e na Papua Nova Guiné.

“Obviamente viemos para o eclipse, mas também queremos conhecer Timor-Leste e a Indonésia. Estamos numa viagem de um mês. Não sabia sequer que Timor-Leste existia”, recordou.

“E um eclipse deste tipo é um dos eventos mais bonitos que podemos ver no céu. É um momento especial. Por isso quisemos vir”, referiu.

Um evento especial que quase coincide com o aniversário de Daria Velikoselskaia, que faz anos a 19 de abril.

“Por isso é muito bom poder vir também”, refere, explicando que no domingo “havia pessoas com muitos cientistas” e incluindo vários “com camisolas com coisas de astronomia”.

Semyon Zhmailov começou a investigar a questão do eclipse, e a planear a viagem, há dois anos e considerou que seria mais fácil vir até Timor-Leste do que aos países vizinhos.

“Li muito sobre a história de Timor-Leste para nos prepararmos. E vamos também à Indonésia”, explica, pouco tempo antes de embarcar na microlet, o pequeno autocarro, que vai levar o casal à zona de Baucau e Com, no leste do país.

Zhmailov explica que este é um evento raro e que será o primeiro eclipse que vai acompanhar, recordando que desde criança que está interessado no espaço.

“Desde criança que me interessei pelas estrelas e pelo espaço. E por isso tornei-me um astrónomo. Estudei astronomia e sou engenheiro. E agora participo no fabrico de naves espaciais”, referiu, explicando que trabalha desde o desenvolvimento do desenho, à sua construção e, depois à análise dos dados recolhidos.

O maior projeto em que já trabalhou foi um espetrómetro que faz parte do projeto ExoMars, um programa de astrobiologia da Agência Espacial Europeia (AEE), em que a Rússia também participa, e que foi suspenso no ano passado devido à guerra na Ucrânia.

“O equipamento que ajudei a desenvolver é um espetrómetro que vai estar no Rover”, disse. “Vai ser usado para estudar a atmosfera de Marte, a sua composição química, temperatura e outros dados”.

Ao longo das últimas semanas o interesse em torno ao fenómeno aumentou significativamente, com várias iniciativas das autoridades para marcar o momento, incluindo com sessões informativas, mas igualmente para alertar para os riscos para a vista.

Repetidas recomendações para que a população evite olhar para o sol — inclusive com óculos que nas últimas semanas têm sido vendidos para o evento — têm sido partilhadas na media timorense e nas redes sociais.

O Ministério da Educação, Juventude e Desporto anunciou já que as escolas estarão encerradas no dia 20 de abril.