A Igreja Católica em Portugal apresentou esta quarta-feira em Lisboa a nova comissão que foi constituída para receber e encaminhar denúncias de abusos sexuais de menores no contexto eclesiástico. Com o nome “Grupo VITA — Grupo de Acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal”, a equipa é coordenada pela psicóloga Rute Agulhas, que até aqui fazia parte da comissão diocesana de proteção de menores do Patriarcado de Lisboa.

Nas palavras de abertura de uma sessão de apresentação do Grupo VITA, em Lisboa, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, o bispo D. José Ornelas, salientou que esta nova comissão liderada por Rute Agulhas se distingue da comissão independente liderada por Pedro Strecht, que ao longo do último ano realizou um estudo sobre os abusos na Igreja Católica em Portugal: esta nova comissão será “autónoma”, mas “articulada” com a Igreja.

“É um grupo virado para ter uma vertente operativa clara dentro da Igreja”, explicou D. José Ornelas. “Precisa de ter uma face de acolhimento bem autónomo e definido perante as vítimas, perante a sociedade; mas ao mesmo tempo tem de articular-se para dentro da Igreja, de forma eficiente, para que se possa coordenar” com a estrutura eclesiástica, no que toca ao acolhimento das vítimas e também ao trabalho na prevenção e formação.

Reiterando que a Igreja Católica está agora numa “nova fase” no caminho de combate aos abusos de menores, depois de a primeira comissão ter feito um estudo que permitiu conhecer a realidade do problema no país, D. José Ornelas sublinhou que agora é o tempo de a Igreja se voltar para o apoio às vítimas.

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Durante o ano de 2022, a comissão independente liderada por Pedro Strecht realizou um estudo pormenorizado sobre a realidade dos abusos na Igreja em Portugal. O relatório final, apresentado em fevereiro deste ano, estima que tenham existido pelo menos 4.815 vítimas de abusos na Igreja desde a década de 1950 até à atualidade. Agora, a Conferência Episcopal Portuguesa determinou a criação de uma nova comissão para continuar a receber denúncias de abusos e a acompanhar as vítimas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Igreja assume “papel pioneiro” em Portugal no combate aos abusos

Na apresentação do Grupo VITA, a psicóloga Rute Agulhas admitiu a “surpresa” que sentiu quando recebeu o convite para liderar a nova comissão e salientou que a “violência sexual é um problema de saúde pública” que ocorre em vários contextos. “A Igreja é um contexto, de entre outros, onde esta realidade existe”, salientou, para depois acrescentar que considera que “a Igreja assume um papel pioneiro” no que toca ao combate aos abusos sexuais.

Rute Agulhas apresentou também os elementos que vão compor esta nova equipa: a psicóloga Alexandra Anciães (especializada em avaliação e intervenção com vítimas adultas), com a psicóloga Joana Alexandre (investigadora na área da prevenção primária dos abusos sexuais), com o assistente social Jorge Neo Costa (que intervém com crianças e jovens e perigo), com a psiquiatra Márcia Mota (especialista em sexologia clínica) e com o psicólogo Ricardo Barroso (especialista em intervenção com agressores sexuais).

A psicóloga salientou que confia “totalmente” nestes elementos e destacou que, além do grupo executivo, haverá também um grupo consultivo com especialistas em direito civil e canónico — e também haverá lugar ao recurso a “pareceres de outros especialistas” quando necessário. Rute Agulhas destaca, por outro lado, que é necessário envolver as “crianças e jovens”, ouvindo-as, no processo de prevenção e formação.

A responsável pelo novo grupo não tem como objetivo “esvaziar”, sustentou Rute Agulhas, as estruturas já existentes na Igreja Católica. Este grupo, que é “isento” e “autónomo”, vai procurar uma “intervenção sistémica, que visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de abuso sexual” — mas com o grande objetivo de “consolidar respostas especializadas, capacitar e desenvolver recursos”.

Gradualmente, disse a psicóloga, estas funções vão ser “gradualmente assumidas” pelas comissões diocesanas e institutos religiosos da Igreja Católica.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Casos vão ser encaminhados para o Ministério Público

Rute Agulhas explicou também quais vão ser as grandes linhas de ação desta nova comissão. À semelhança do grupo de Pedro Strecht, o Grupo VITA também vai ter contactos que podem ser usados não só por vítimas, mas por outras pessoas que queiram relatar situações de abuso, e até também por abusadores, sacerdotes suspensos e outras pessoas envolvidas em casos de abusos. Os contactos são:

  • 91 509 0000 (apenas disponível a partir do final de maio)
  • geral@grupovita.pt

A psicóloga garantiu que todos os casos serão encaminhados para o Ministério Público e também para os institutos religiosos e comissões diocesanas relevantes. As vítimas, por seu turno, serão encaminhadas para o apoio de que necessitarem — existindo apoio financeiro por parte da CEP caso seja encaminhado para um serviço privado.

Rute Agulhas revelou também que, há apenas três dias, o psiquiatra Daniel Sampaio, membro da anterior comissão independente, informou a nova comissão da possibilidade de ser articulada com o SNS a possibilidade de ser dada prioridade às vítimas de abusos na Igreja no acompanhamento psicológico e psiquiátrico no SNS — mas salientou que a equipa considera que esta não é uma “verdadeira solução”, uma vez que todas as vítimas têm direito a ajuda e que não há vítimas apenas na Igreja.

A solução passará, explicou Rute Agulhas, pela criação de uma bolsa de profissionais, que vão receber formação específica e supervisão, que poderão ajudar as vítimas — ao mesmo tempo que as vítimas poderão ser encaminhadas para profissionais da sua escolha.

Entre as ações da comissão liderada por Rute Agulhas encontra-se também a criação de um “programa de prevenção primária dos abusos sexuais no contexto religioso”, um manual de boas práticas e a criação de um banco de recursos sobre a violência sexual no site www.grupovita.pt.