Com a confirmação do diploma que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e o Presidente da República obrigado a promulgá-lo, podia esperar-se o fim de um tema que há muito se arrasta. Mas não será assim. Pelo menos há indícios claros de que este diploma, que tem uma gerado maioria parlamentar, possa voltar à discussão, desde logo com o PSD a confirmar a intenção de pedir a sua fiscalização sucessiva.
“Assim que esta lei seja aprovada há um conjunto de deputados do PSD que assumem o compromisso com o povo português de analisar o diploma em causa com vista a formular um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade.” A confirmação dos sociais-democratas de que irão recorrer ao Tribunal Constitucional aconteceu no próprio debate, pela voz de Paula Cardoso, deixando a certeza de que este tema está longe de estar terminado.
A esmagadora maioria do PS que concorda com o diploma, a Iniciativa Liberal, o Bloco de Esquerda e o PAN vangloriaram-se com uma data histórica (“Este dia também cumpre Abril” ou “É o dia de pacificação da sociedade”, disse a socialista Isabel Moreira), enquanto desvalorizavam o drama de ter de confirmar um diploma que obriga o Presidente da República a promulgá-lo: “É o respeito pela primazia e autonomia legislativa do Parlamento que o impõe. Sem nenhum drama, antes com toda a serenidade de quem sabe ser assim que a Constituição manda ser.”
Os pedidos de “respeito” relativamente à decisão da Assembleia da República fizeram eco entre os vários partidos concordantes, com Cotrim Figueiredo, da IL, a recusar a tese de que o diploma é uma “afronta” ao Presidente da República, Rui Tavares, do Livre, a realçar que é apenas uma prova de que as instituições estão a funcionar e Inês Sousa Real, do PAN, a sublinhar que a lei “reúne todas as condições” para avançar.
Por outro lado, a justificação de que o debate sobre a eutanásia foi um dos mais “sérios”, “profundos” e “participados” da democracia portuguesa também serviu para atirar a quem continua a insistir que deve haver um referendo: PSD e Chega.
Marcelo sobre eutanásia: “Como sabem, a promulgação é obrigatória. Jurei a Constituição”
“Dizemos ‘não’ a um referendo. Direitos fundamentais e liberdades individuais não são referendáveis e pertencem a cada um de nós e não dependem da vontade de uma maioria ou de um coletivo sem rosto”, defendeu João Cotrim Figueiredo, ao mesmo tempo que Catarina Martins se atirava ao “oportunismo político” de quem “em nenhum momento anterior deste longo processo legislativo exprimiu a mínima dúvida sobre a obediência da lei à Constituição”, comparando o possível pedido de fiscalização sucessiva do PSD à proposta de referendo à “25.ª hora”.
“Sabem que haverá lei. Sabem que esta lei é querida pela grande maioria do país. O que os move é, portanto, o simples intuito de criar ruído na finalização deste dossiê legislativo”, avisava ainda Catarina Martins, confrontando a ideia de André Ventura. Além de ter chamado um “disparate” e uma “aberração” ao diploma, que nas palavras do presidente do Chega nem tem comparativo no estrangeiro, disse que não era o fim do tema: “Esta lei nunca vai entrar em vigor.”
Se o líder do Chega considera que a “fuga do referendo é uma fuga à democracia”, o PSD reconhece que “o povo português ficou prejudicado [por ter sido] impedido de se pronunciar sobre uma matéria de enorme sensibilidade que não pode ser vista como uma mera questão médica, esquecendo as questões morais e de consciência”. Paula Cardoso voltava assim a defender novamente o referendo, atirando-se aos partidos proponentes que “não têm dúvidas, só certezas” sobre um tema em que o “custo” será “contado em vidas”.
Também o PCP, ainda que menos vocal nas críticas, reiterou o voto contra a eutanásia, por considerar que o que está a ser decidido “é uma opção do Estado e não dos indivíduos” e que “uma sociedade organizada não é uma soma de opções individuais”.