Cientistas russos que desenvolvem mísseis hipersónicos escreveram uma carta aberta ao Kremlin onde denunciam que a investigação na área pode terminar, se persistir o clima de perseguição, na sequência de detenção de três colegas investigadores, acusados de traição.

Numa carta divulgada nos media russos, os investigadores do Instituto de Mecânica Teórica e Aplicada, da Academia Russa de Ciências, denunciam detenções de três colegas — uma delas desconhecida até então — por acusações de traição, durante os últimos dez meses. “Tememos pelo destino dos nossos companheiros”, escrevem os cientistas, sobre Anatoly Maslov, Alexander Shipliuk e Valery Zvegintsev.

As detenções — que podem resultar em penas de 20 anos de prisão — resultam de ações que estes cientistas classificam como sendo ações “obrigatórias em todo mundo, incluindo na Rússia”, para os investigadores. Tratam-se, dizem, de “apresentações em seminários e conferências internacionais, publicação de artigos em jornais científicos respeitáveis e participação em projetos científicos internacionais”.

O número de acusações judiciais por traição na Rússia tem aumentado, como aponta o The Telegraph. Segundo o jornal britânico, só nos primeiros quatro meses deste ano foram abertos pelo menos 20 casos, o mesmo que em todo o ano de 2022.

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O caso do Instituto de Mecânica ganha particular relevo porque estes cientistas fazem investigação sobre mísseis hipersónicos, que estão a ser usados pelo exército russo na Ucrânia. Esta quarta-feira, a Ucrânia disse ter destruído seis desses mísseis, os Kinzhal.

Na carta, os investigadores dizem ainda não temer apenas pelo futuro dos colegas detidos, mas também pelo seu. “Não sabemos como continuar a trabalhar. Por um lado, o principal indicador da qualidade do nosso trabalho, dentro do quadro as incumbências estatais e dos projetos com financiamento do Estado russo, é o grau com que o nosso trabalho é apresentado à comunidade científica”, dizem. “Por outro, vemos que cada artigo ou relatório pode levar a acusações de alta traição”.

Nesta situação, é simplesmente impossível para o nosso instituto, a única organização académica do país com uma base experimental extensa para investigação na aerodinâmica, trabalhar”, escrevem os cientistas. “As organizações científicas e os seus funcionários precisam de entender claramente, com base na lei, onde está a linha que separa trabalhar para o bem da Pátria da traição.”

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reagiu, dizendo que não pode comentar as detenções dos três cientistas. Segundo o El País, Peskov acrescentou que “esta é uma acusação muito séria” e reforçou a confiança na investigação dos serviços secretos.