Gert-Jan Oskam ficou tetraplégico em 2011 num acidente de bicicleta que lhe provocou uma lesão incompleta da medula espinhal e o prognóstico era desanimador: nunca mais poderia voltar a andar, o médico que então o operou disse-lhe que o máximo que o seu corpo iria permitir seria coçar o nariz, lembrou em 2020 ao Wings Life World Run.

O holandês não desistiu. Procurou outros tratamentos e agora, graças a uma nova tecnologia do Instituto Politécnica de Lausanne, na Suíça, conseguiu o que parecia impossível há 12 anos: subir escadas e andar mais de 100 metros com auxílio de um andarilho ou muletas. O programa de neurorreabilitação restaurou a ligação entre o cérebro e a zona da medula que tinha sido lesionada. Basicamemente, os implantes eletrónicos que funcionam sem fios, permitem que o seu cérebro dê ordens às pernas e aos pés através de um outro implante na coluna. “Sinto-me como um bebé que está a aprender a andar” disse Oskam à BBC. “Tem sido uma longa jornada mas agora posso ficar de pé e beber uma cerveja com o meu amigo. É um prazer que muitas pessoas não entendem”, sublinhou.

O tratamento começou em 2017, quando Oskam foi dos primeiros humanos a usar um sistema até então testado em ratos, que emitia impulsos elétricos na medula espinal, sincronizando-os com os seus movimentos. Estes animais, que tinham a coluna vertebral partida em dois, conseguiram dar mais de mil passos.

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Na quarta-feira, um grupo de investigadores instalou uma espécie de “ponte digital” entre a medula e o cérebro, permitindo que o holandês “restabelecesse o controlo motor voluntário”, refere Eduardo Martín Moraud, neuroengenheiro do Hospital Universitário de Lausanne.

No ensaio clínico a Oskam, “colocámos dois implantes na parte motora do cérebro, um em cada hemisfério”, revela Andrea Gálvez, uma das autoras do estudo publicado na revista Nature. “Isto permite ler a intenção do movimento, descodificá-la e fazer essa ponte digital para que a estimulação nas pernas seja deliberada”, sublinha.

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Ou seja, os dois implantes no cérebro leem os pensamentos e enviam-nos para um terceiro implante capacitado para estimular eletricamente a medula espinhal. A tecnologia utiliza inteligência artificial para converter pensamentos de movimento em ações, estabelecendo uma ligação direta entre as regiões do cérebro e da medula envolvidas na marcha. Foram necessárias duas cirurgias para implantar o mecanismo, diz o Mirror.

O mecanismo “esbate na fronteira filosófica entre o que é o cérebro e o que é a tecnologia”, disse Andrew Jackson, neurocientista da Universidade de Newcastle, ao New York Times.”Levanta questões interessantes sobre a autonomia e a origem do controlo voluntário”, acrescenta.

O estudo é visto por Moraud como “um sonho” para tratar doentes com Parkinson, lesões na medula e vítimas de AVC.

A neurocirurgiã Jocelyne Bloch, uma das líderes da investigação, admite que Gert-Jan Oskam não conseguia dar um passo quando a conheceu. “No início, aquilo era ficção científica, mas agora é uma realidade”.

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Já o investigador Grégoire Courtine sublinha que é apenas a “infância da tecnologia”, explicando ainda que foi possível fazer “uma reparação digital da coluna vertebral e da função neurológica, que Oskam perdeu durante muitos anos”.