O cérebro de J possuía a mutação E280A, num gene chamado “presenilina 1”, que é responsável pela forma inicial de Alzheimer. Não foram registados distúrbios cognitivos até aos 67 anos e o homem só começou a sofrer da doença aos 72, duas décadas depois do previsto. A descoberta, publicada na segunda-feira na revista científica Nature Medicine, pode levar a encontrar novos tratamentos para este tipo de demência.

Aos 74 anos, J, como o identificam os cientistas colombianos, alemães e norte-americanos envolvidos neste estudo, morreu de pneumonia, tendo sido a segunda pessoa a possuir um tipo de mutação que permite resistir à doença neurológica. A primeira foi Aliria Rosa Piedrahita de Villegas que morreu em Medellín aos 77 anos de idade, depois de sofrer de Alzheimer três décadas mais tarde do que o esperado.

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Antioquia é uma região da Colômbia que está “geneticamente isolada” por ser composta por portadores do E280A, trazido no século XVIII por um homem oriundo de Espanha, revela o El País. Atualmente, vivem nesta zona (onde está a capital Medellín) cerca de seis mil descendentes, dos quais 1.200 são portadores dessa mutação.

Em 2019, o Centro Médico da Universidade de Hamburgo-Eppendorf percebeu que o cérebro de J possuía a proteína beta amilóide, mas não a proteína tau patente no córtex entorrinal. Ambas são comuns em casos de demência. Na segunda-feira, no estudo divulgado, os investigadores atribuíram esta resistência genética a uma espécie de mutação protetora rara do gene RELN a que chamaram COLBOS. Aliria de Villegas possuía uma outra barreira protetora, uma variante rara chamada Christchurch, no gene da apolipoproteína E, que também está ligada ao Alzheimer.

A reelina, uma proteína que concorre com a apolipoproteína E para se ligar aos mesmos recetores nas células cerebrais, estava patente em J, através de uma mutação no gene. Diego Sepulveda-Falla, do Instituto de Neuropatologia da Universidade de Hamburgo-Eppendorf, explica que o cérebro “nada em apolipoproteína E”. “A reelina está pouco expressa e em células muito específicas, sendo que a nossa descoberta diz-nos que este efeito localizado é suficiente para adiar o aparecimento da doença por várias décadas“, adianta o neuropatologista.

“Em termos de terapia, o que nos diz é que podemos procurar imitar este efeito localizado, aparentemente no córtex entorrinal”, revela.

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Já Inmaculada Cuchillo, do Instituto de Neurociências de Alicante, em Espanha, diz ao El Pais que a mutação COLBOS e a Christchurch têm “efeitos distintos” na acumulação de tau e beta amilóide.

“As proteínas que ambas expressam — reelina e apolipoproteína E — ligam-se ao mesmo recetor celular, o ApoER2, que tem sido amplamente estudado. Isto indica que este recetor e a cascata de sinalização que se inicia após a sua ativação podem ser fundamentais na doença de Alzheimer”, defende.

Francisco Lopera, um dos investigadores deste estudo, aponta para duas vias possíveis de tratamento da doença: o desenvolvimento de moléculas que imitem o efeito destas mutações protetoras e a modificação do ADN através de terapias genéticas introduzidas no cérebro por meio de um vírus.