A lei que regula o teletrabalho, e que entrou em vigor em 2022, já está a ter efeitos na negociação coletiva e o número de convenções a regular este regime de trabalho conheceu um “aumento considerável” no ano passado, segundo uma análise do Centro de Relações Laborais (CRL), divulgada esta segunda-feira: de seis em 2021 passou para 27 em 2022. Ainda assim, só em 10 se prevê o pagamento de “subsídio de refeição ou apoios para equipamentos”.

A lei que entrou em vigor em janeiro de 2022 densificou as regras do trabalho à distância, especificamente alargando o universo dos trabalhadores que podem pedir o regime e prevendo o pagamento das “despesas adicionais que, comprovadamente”, o trabalhador suporte, incluindo os acréscimos de custos de energia e da internet. Uma alteração mais recente, mas que só entrou em vigor em maio deste ano — e, portanto, não está espelhada nos números do CRL —, tentou ultrapassar as dificuldades de aplicação dessa lei, passando a prever que os trabalhadores possam ser compensados através de um valor fixo — a solução que estava a ser mais comum —, exceto quando não há acordo entre as partes (aí, pode voltar a ser comparado com período homólogo).

Regulação do teletrabalho só constou em seis convenções coletivas em 2021

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A alteração à lei em 2022 sobre o regime de teletrabalho “influenciou a negociação coletiva do período em referência, ao produzir efeitos, justamente, a partir de 2022″, refere o CRL. Segundo a análise divulgada esta segunda-feira, houve um “aumento considerável” de convenções coletivas a regular o teletrabalho: de seis em 2021 passou para 27 em 2022 (16 acordos de empresa, seis acordos coletivos e quatro contratos coletivos).

Em 14 das 27 convenções estabelece-se “mais do que uma forma de teletrabalho, incluindo o regime misto ou híbrido”. Em apenas 10 prevê-se o pagamento de “subsídio de refeição ou apoios para equipamentos”, de acordo com a apresentação. “Em todo o caso, é digno de nota a pluralidade de soluções convencionais encontradas em 2022, que procuram ajustar os vários aspetos do novo regime à sua realidade organizacional. No mesmo período, verifica-se que o direito à desconexão surge em oito convenções (cinco em 2021)”, lê-se.

Especificamente sobre o pagamento das despesas, regista-se, nalgumas situações, “a preocupação de estabelecer um montante fixo das despesas adicionais realizadas pelo teletrabalhador e o seu pagamento pelo empregador”, enquanto que noutros casos “deve ser o trabalhador a demonstrar o acréscimo de custos resultante do teletrabalho” (acontece no acordo de empresa entre a CP e a ASCEF). E num caso “prevê-se tanto o pagamento das despesas do teletrabalhador, como do trabalhador em regime presencial”, que recebe um subsídio que comparticipa o passe de transportes.

A grande maioria das convenções que se debruçam sobre o teletrabalho “promovem a revisão de convenção anterior”, refere o relatório. Entre as alterações podem estar desde a simples modificação do conceito de teletrabalho, que a lei redefiniu, a mudanças na duração do teletrabalho e dos sistemas a disponibilizar ao trabalhador, os direitos e deveres, a privacidade, a participação coletiva do trabalhador, alargamento das situações em que tem direito à regime, regras sobre reuniões à distância, o controlo da prestação ou deslocações à empresa. “Apesar do incentivo para a regulação coletiva do teletrabalho, muitas convenções remetem esta regulamentação para o regime estabelecido no Código do Trabalho”, indica o CRL.

O tema do teletrabalho é repartido de forma desequilibrada entre setores, pela sua natureza: é mais comum nas atividades financeiras e de seguros (7) e transportes e armazenagem (também 7). Na administração pública, houve 13 convenções coletivas com regulação do teletrabalho, 17,57% do total, sendo que duas delas estabelecem o direito à “pausa digital”.

Segundo Cláudia Madaleno, professora da Faculdade de Direito de Lisboa e uma das autoras do relatório, o aumento das convenções que versam sobre o teletrabalho pode explicar-se pela lei que entrou em vigor em janeiro de 2022, sendo que se prevê que as alterações de 2023 venham a ter reflexo já nos números finais desse ano.

Os dados revelam, ainda, que, em 2022, 54 convenções coletivas versavam sobre o assédio moral, mais duas do que em 2021. E mais oito sobre matérias ligadas à parentalidade, para 86.

Negociação coletiva com aumento salarial recorde em 2022

Segundo dados do Centro de Relações Laborais, os salários na negociação coletiva registaram, em 2022, um aumento de 5,5% em termos nominais, e de 3,9% em termos reais (descontando o efeito da inflação”), que é “também o valor mais alto da série”. Na apresentação do documento, Carlos Alves, presidente do CRL, sublinhou que houve, em 2022, uma “maior divergência entre salários reais e nominais”, fruto da escalada da inflação que ocorreu no último ano.

Estes números estão muito influenciados pela subida do salário mínimo, que em 2022 se fixou em 705 euros. Além disso, foram critérios para a atualização dos salários a inflação, as “condicionantes do mercado” e o crescimento da atividade das empresas. Na prática, 79% dos trabalhadores potencialmente abrangidos pela negociação coletiva usufruíram de aumentos das tabelas salariais.

Em 2022, foram publicados 315 instrumentos de regulamentação coletiva em Portugal continental (505 incluindo ilhas), mais 33 do que em 2021. Destes, 240 foram convenções coletivas (que inclui acordos de empresa, acordos coletivos e contratos coletivos). Foram os acordos coletivos que mais aumentaram (55% para 31), seguido dos contratos coletivos (23%, para 97) e dos acordos de empresa (3%). O número de trabalhadores potencialmente abrangidos pelas convenções coletivas subiu cerca de 40% face a 2021, para um total de 759.058.

O número de novos instrumentos de regulamentação coletiva está ainda ligeiramente abaixo de 2019 (cerca de 20 a menos, se tivermos em conta dados do continente e dos arquipélagos da Madeira e dos Açores). Ainda assim, Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, destaca a “recuperação” ao longo de 2022, depois das fortes quebras na negociação coletiva durante a pandemia.

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Dados mais recentes divulgados pelo Ministério do Trabalho revelam que, entre janeiro e abril deste ano, foram publicados 170 instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, o valor máximo desde 2005. Segundo o Governo, 85% das revisões salariais garantiram uma valorização mínima de 5,1% prevista no acordo de rendimentos e competitividade assinado na concertação social.

Na apresentação desta segunda-feira, Ana Mendes Godinho acrescentou que 55% das medidas do acordo de rendimentos “já estão concretizadas e concluídas”.

Artigo atualizado com mais informação do relatório