Ainda não. Ainda não. Também ainda não. Mais uma vez, ainda não. Há muito que o mundo do ténis espera por uma espécie de “render da guarda” entre os Três Mosqueteiros que ganharam juntos 64 Grand Slams nas últimas duas décadas e uma nova geração muito talentosa mas que tardou em encontrar entre si um nome que se destacasse entre os demais para assumir esse corte inevitável com a história. Aliás, de 2017 para cá, passados esses tempos em que Andy Murray parecia colocar-se no patamar logo a seguir de Roger Federer, Rafa Nadal e Novak Djokovic, apenas três jogadores fora do circuito dos predestinados ganharam Majors. Dominic Thiem ganhou o US Open de 2020 mas enfrentou depois variadíssimas lesões. Daniil Medvedev venceu o US Open de 2021 mas não conseguiu dar continuidade. Carlos Alcaraz conquistou o US Open de 2022 e à terceira não houve “mas”. Alcaraz era “o tal”. E ia desafiar esse estatuto frente a Djokovic.

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De forma inevitável, esta edição de Roland Garros ficou marcada pelo que aconteceu antes do início, mais concretamente com o anúncio da ausência de Rafa Nadal por não ter recuperado dos problemas físicos que lhe condicionaram toda a época quase desde início. Em 18 anos, o espanhol tinha ganho 14 vezes em Paris – e só esse número dispensava qualquer consideração sobre a importância do maiorquino no torneio. Com isso, e como destacava Àlex Corretja ao Observador, todos os jogadores ganharam um extra de motivação e crença de que era possível desafiar o que antes parecia impossível tendo o esquerdino no quadro e foi assim que Casper Ruud regressou às meias-finais para defrontar um Alexander Zverev que estava a fazer uma exibição de sonho em 2022 contra Nadal antes de contrair uma lesão grave no tornozelo. Antes, havia a final antecipada entre Djokovic e Alcaraz, num duelo pela história mesmo que sem muita história.

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Até aqui, os dois mais cotados ainda em prova (Daniil Medvedev, número 2 do ranking, caiu na ronda inicial com o brasileiro Thiago Seyboth Wild) tinham cruzado apenas uma vez no ATP, no ano passado em Madrid, quando Alcaraz venceu Djokovic em três sets no tie break. Mas havia algo que os unia há algum tempo: a série de triunfos consecutivos em Grand Slams, dos 19 do sérvio aos 12 do espanhol. Nos palcos dos maiores, eles estavam a ser os maiores mas apenas um poderia manter essa série, sendo que o vencedor teria ainda esse bónus da liderança do circuito. Mais: o jogador de 20 anos poderia tornar-se o primeiro a ganhar dois Grand Slams extra deuses desde Andy Murray e Stan Wawrinka caso superasse a meia-final e vencesse a final, o jogador de 36 anos poderia tornar-se o maior de todos os tempos com o 23.º Major (mais um do que Nadal) caso ganhasse os dois encontros. Até nos aplausos na entrada no court era evidente: estava ali uma “final” ou “mais do que um jogo ou do que uma meia-final”, como resumia esta sexta-feira o El País.

Olhando apenas para a época em terra batida de cada um, Alcaraz estava muito à frente: vitória em Buenos Aires contra Cameron Norrie, derrota na final do Rio de Janeiro de novo com Cameron Norrie, vitória em Barcelona frente a Stefanos Tsitsipas, vitória em Madrid diante de Jan-Lennard Struff, saída logo na segunda ronda em Roma com Fabian Marozsan que permitiu até preparar de outra forma Roland Garros. Já Novak Djokovic caiu cedo em Monte Carlo com Lorenzo Musetti, foi também eliminado nos quartos de Banja Luka por Dusan Lajovic e nos quartos de Roma por Holger Rune. Ainda assim, havia um dado que era relevante: com o passar dos encontros em Paris, o sérvio estava melhor. Mais consistente, mais cirúrgico, mais capaz com dados como o facto de não ter nenhum erro direto em cinco decisões ganhas no tie break.

No mínimo, ter-se-á de dizer que foi uma pena. Ao longo de mais de duas horas, Alcaraz e Djokovic mostraram que são de longe os dois melhores tenistas da atualidade com uma exibição fantástica que teve mais de duas horas para realizar apenas dois sets com vitórias repartidas. A seguir, as cãibras traíram o espanhol, que ficou com a perna presa e não mais recuperou em termos físicos, jogando mesmo alguns pontos quase parado no court. O sérvio, que se deslocou ao lado contrário para ver como se encontrava o seu adversário, não tem propriamente culpa mas ganhou de uma forma que gostaria de evitar, garantindo ainda assim a sua sétima final de Roland Garros – e a terceira vitória valerá agora mais um recorde histórico.

Os primeiros sinais deixados pelo espanhol quase que faziam adivinhar o que se passaria durante o primeiro set: algumas bolas longas que não tinham acontecido até aí, os pés presos em pontos importantes, menos domínio nos seus jogos de serviço, uma explosão e potência de jogo que ia sendo dominada pelas variações de Djokovic. Assim, o sérvio necessitava “apenas” de chegar a um break para se colocar na frente também no resultado, algo que aconteceu logo no quarto jogo com o 3-1 contra o vento confirmado de seguida com o 4-1 no seu serviço. No entanto, ainda havia história. Aos poucos, o espanhol foi assentando o seu jogo, as trocas de bola mais longas estavam a ser favoráveis, Djokovic também fez uma dupla falta pelo meio mas Alcaraz perdeu três possibilidades de break no jogo 7 e outra no jogo 9, com o sérvio a fechar com 6-3.

O sérvio conseguiu fazer imperar o único jogo ganho no serviço de Alcaraz mas o espanhol encontrara as suas armas para manter o encontro equilibrado, com o melhor ponto do torneio num winner praticamente de costas que deixou Djokovic a sorrir e aplaudir o gesto antes de o sérvio deixar também o espanhol de gatas numa resposta rápida a um amortie. O encontro entre os dois melhores da atualidade começava a “sacar” os melhores pontos, sendo que o sérvio começava a ter manifestações de desagrado para o camarote onde se encontravam os seus técnicos quase que adivinhando o break que Alcaraz faria no 5-3. Set terminado? Ainda não. E aproveitando um erro numa bola fácil que daria vantagem ao espanhol, Djokovic fez de imediato o contra break, mantendo-se vivo na partida e salvando de seguida três breaks com cinco pontos seguidos antes de falhar ele próprio o break no 11.º jogo e ver o espanhol quebrar o serviço e fazer o 7-5.

O jogo já tinha ultrapassado as duas horas em apenas dois sets mas havia ainda mais uma viragem nesta história que parecia eterna e digna de uma final: na resposta ao serviço de Djokovic que fez o 1-1, Alcaraz sentiu a perna a prender, teve de parar, cedeu o seu jogo de serviço para ser assistido num break fantasma que motivou muitos assobios por parte dos espectadores e passou a partir daí a lutar contra outro adversário que era a sua condição física. No jogo seguinte, ainda foi às vantagens no serviço do sérvio mas perdeu; a servir, as dificuldades foram bem maiores e cedeu o 4-1 com jogo em branco. Mesmo tentando resistir, o espanhol não estava em condições e Djokovic fechou de forma natural o terceiro set em 6-1, sendo que a passagem pelo balneário pouco ou nada melhorou um estado físico que ainda permitiu algumas bolas de grande nível e um break logo a abrir o quarto set mas não evitou uma derrota pesada por 6-1.