A edição do US Open, último Grand Slam da temporada de 2022, começou por ser marcada pela ausência de Novak Djokovic por não ter a vacina da Covid-19 (algo que nem os inúmeros pedidos que foram sendo feitos, e que envolveram mesmo a política norte-americana, acabou por inverter). Depois, pela participação de Serena Williams, que fazia um início de despedida dos grandes palcos aos 40 anos com 23 vitórias em Majors da carreira. A seguir, pela luta pelo número 1 do ranking ATP. Que tinha cinco possibilidades, que seria uma batalha interessante de seguir em paralelo com o avançar do torneio, que foi conhecendo alguns contornos mais inesperados. Tanto que, na final, as duas hipóteses eram as menos prováveis.

Alcaraz. O Carlitos que era um “fio de esparguete” e não quer ser o novo Nadal está a ir atrás do sonho em Roland Garros

Comecemos por uma das grandes surpresas, talvez a maior. Depois de ter chegado às meias na Austrália, Stefanos Tsitsipas ficou nos oitavos de Roland Garros e na terceira ronda de Wimbledon mas ninguém poderia imaginar que o grego seria eliminado no primeiro jogo frente ao colombiano Daniel Elahi Gaián que tinha vindo do qualifying. Menos um. Nos oitavos, duas surpresas: Nick Kyrgios ganhou a Daniil Medvedev, Frances Tiafoe surpreendeu Rafa Nadal. À condição, menos dois. Seria mesmo assim, menos dois. E tudo porque Casper Ruud chegou à final depois de ganhar a Matteo Berrettini e a Karen Khachanov, ao passo que Carlos Alcaraz bateu Andrey Rublev e Tiafoe. Agora, tudo passava apenas por eles.

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Como dizia o mítico John McEnroe na transmissão, era o início de um render de guarda. Neste caso, e aqui acrescentamos nós, com protagonistas que não estavam na lista de príncipes herdeiros dos reis Rafa Nadal, Novak Djokovic e Roger Federer. Porque havia Medvedev, Tsitsipas, Zverev, o próprio Thiem que caiu muito depois de ganhar o US Open. A nova era que algum dia terá de aparecer (apenas porque nenhum dos Três Mosqueteiros que ganharam 63 Grand Slams é eterno) ainda procura uma verdadeira linha de sucessão tendo o último Major da temporada como o melhor trampolim para os patamares cimeiros.

De um lado, Casper Ruud. Norueguês, filho de um antigo jogador (Christian Ruud), ídolo de Rafa Nadal e conhecedor de todo o universo do maiorquino por treinar na sua Academia pela falta de campos no país. No meio da nova geração proeminente o jogador de 23 anos foi passando um pouco ao lado dos holofotes da fama até este ano, altura em que teve uma ascensão meteórica após falhar o Open da Austrália: ganhou o Open de Buenos Aires, perdeu a sua primeira final de Masters 1.000 em Miami (com Carlos Alcaraz), venceu o Open de Genebra batendo na decisão o português João Sousa, caiu também na primeira final de Grand Slams em Roland Garros diante de Rafa Nadal, conquistou o Open de Gstaad após uma época de relva discreta, chegou agora a nova decisão de um Major. Discreto, eficaz, sem ponta de exuberância e com sangue frio de escandinavo, encontrava agora em Nova Iorque a oportunidade de uma vida.

Do outro lado, Carlos Alcaraz. Espanhol, filho de um antigo jogador mas mais modesto (Carlos Alcaraz), formado na Equelite JC Ferrero Sport Academy do antigo jogador Juan Carlos Ferrero, para muitos um futuro Rafa Nadal. A chegada aos quartos do último US Open, onde teve de desistir por questões físicas, foi quase o mote para um ano sem paralelo na carreira e na própria história do ténis, tornando-se o mais novo a ganhar o Open do Rio de Janeiro, o Open de Miami (contra Ruud) e o Open de Madrid (frente a Zverev). Ainda foi também aos quartos de Roland Garros, ganhou o Open de Barcelona, mas era nesta final que tinha a rampa para um patamar de excelência, jogando pelo primeiro Grand Slam e pela possibilidade de se tornar o jogador mais novo de sempre a alcançar o topo do ranking mundial ATP.

O encontro não poderia começar de forma mais irregular do que aconteceu nos três primeiros jogos: Ruud começou a servir, deu dois pontos quase de borla, salvou dois breaks mas segurou o 1-0; Alcaraz viu o seu serviço anulado pelo norueguês no arranque, evitou também dois breaks mas fez o 1-1; Ruud voltou a ter dificuldades com a agressividade de jogo do espanhol nas respostas, ainda evitou um primeiro break com uma bola fora sem pensar do adversário mas houve mesmo break. De seguida, foi o norueguês a mostrar que tinha ambições, virando um 30-0 para um 30-40 anulado com um amortie fantástico de Alcaraz que fecharia depois o 3-1. Foi aí que se começou a definir o primeiro set: Ruud ganhou à vontade os seus jogos de serviço pelo risco que Alcaraz também colocava, o espanhol fechou o 6-4 nos seus jogos.

Era uma das finais com a média de idades mais nova das últimas décadas mas o mais novo conseguia ir controlando melhor a partida, fazendo prevalecer a ideia partilhada pelo ex-jogador e agora comentador Àlex Corretja quando falou com Ferrero antes da final: por opção do técnico, para evitar as constantes atenções de que Alcaraz é alvo no hotel, agarrou no jogador cedo e foram para o USTA Billie Jean King National Tennis Center, complexo em Flushing Meadows onde se joga o torneio, tendo tomado lá o pequeno almoço às 9h45. Já Casper Ruud, na melhor e mais resumida análise feita pelo antigo vencedor do torneio e número 1 mundial Mats Wilander, teria de sair da sua zona de conforto e arriscar um pouco mais.

Foi isso que o norueguês tentou fazer, chegando mesmo a fechar o 2-1 em branco no segundo set e tendo tendência para colocar maior pressão nas respostas ao serviço de Alcaraz, que falhava também mais bolas de direita do que é habitual. No entanto, e por mais que Ruud fosse tentando algumas variações de jogo que conseguissem surpreender o espanhol, o jogo estava na sua mão. Se jogasse melhor, ganhava; se não estivesse tão bem, o norueguês aproveitava. Foi assim que teve a hipótese de break que lhe daria o 3-2, foi assim que Ruud conseguiu fazer o break logo a seguir para o 4-2, foi assim que logo a seguir anulou de novo um ponto de break para o 5-2 perante alguma frustração que se apoderava de Alcaraz, foi assim que voltou a quebrar o serviço ao espanhol que perdera muita da variação e da potência de jogo.

O terceiro set viria a tornar-se um autêntico carrossel de fim imprevisível e que ia quebrando de momento em momento a lógica possível que um jogo de ténis pode ter: apesar da vantagem anímica que Ruud trazia, Alcaraz começou com um break confirmado com um amortie cruzado fantástico, confirmou depois a vantagem com um ás que fechou o 2-0, teve mais um ponto para quebrar o serviço de seguida mas não só o norueguês conseguiu segurar esse jogo como ganhou embalo para três vitórias consecutivas que colocavam tudo empatado entre um break no serviço do espanhol. O 12.º jogo que parecia não ter fim foi mais um desafio para Alcaraz, que anulou dois sets points, mostrou coragem e empolgou a maioria do público no Arthur Ashe até um tie break onde fez sete pontos consecutivos para fechar com 7-1.

Depois dos dois tie breaks perdidos com Jannik Sinner nos quartos e outros dois com Frances Tiafoe, Alcaraz ganhava o seu primeiro desempate e disfarçava aquela que era à partida a grande preocupação da equipa do espanhol: a parte física, tendo em conta que foi o jogador que mais horas jogou até à decisão na história do torneio. Física e mentalmente, teve um ou dois abanões mas não caiu. Ainda assim, Ruud percebia que era assim que podia dar de novo a volta, apostando outra vez em bolas que colocassem sob pressão Alcaraz ou que prolongassem os pontos para forçar o erro ou aproveitar alguma pancada mal escolhida. O primeiro jogo ainda teve um 0-30 revertido pelo espanhol, ambos os tenistas foram segurando os seus jogos de serviço mas um smash falhado por uma hesitação de Ruud e o break feito de seguida por Alcaraz fez o 4-2, naquele que foi o passo decisivo para fechar o quarto set e o jogo com 6-4.