“Racista”. Foi assim que António Costa classificou o cartaz, que o retrata com um nariz de porco e dois lápis espetados nos olhos, mostrado por vários professores num protesto no 10 de Junho. A polémica instalou-se de imediato e até foram muitas as vozes críticas da ilustração, mas à direita também surgiram comentários sobre a “hipérbole” de António Costa — recordando-se agora, em comparação, os cartazes e mensagens agressivas de que Pedro Passos Coelho era alvo.
Um dos exemplos mais citados no rescaldo do protesto que irritou Costa é o dia em que Pedro Passos Coelho foi recebido com um coelho embalsamado e ‘enforcado’. Estávamos em fevereiro de 2012 e o então primeiro-ministro dirigia-se ao auditório da Faculdade de Direito de Lisboa para entrar numa conferência organizada pela JSD, mas não sem antes ser recebido por estudantes que traziam o animal — transportado numa estrutura de madeira a simular uma forca — e cartazes onde se liam mensagens como “Não quero emigrar” e “Quero o meu país de volta”.
São imagens como as desse dia que estão agora a circular pelos grupos de WhatsApp de militantes do PSD e do CDS, para recordar que também Passos era, na época da troika, alvo de insultos e caricaturas potencialmente ofensivas. E que foram também publicadas pelo vice-presidente do PSD Miguel Pinto Luz nas suas redes sociais, numa mensagem crítica de Costa, em comparação com a “elegância, segurança e sentido de Estado” de Passos.
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“O direito à indignação e a liberdade de expressão são palavras maiores na construção da democracia. As palavras de ordem, muitas vezes exageradas ou injustas, as imagens, muitas vezes de mau gosto, são hipérboles”, escreveu esta segunda-feira Pinto Luz, frisando que em democracia estes gestos devem ser encarados “com naturalidade e empatia pela situação do outro”.
“António Costa não o percebeu e reagiu duramente contra quem empunhava um cartaz que o retratava e também ele hiperbolizou a situação. Pedro Passos Coelho passou por muito pior mas sempre com a elegância, a segurança e o sentido de Estado de quem coloca o país em primeiro lugar”, atirou o vice do PSD, rematando com a hashtag #liberdadedeexpressao.
O direito à indignação e a liberdade de expressão são valores maiores das democracias. As palavras de ordem e as imagens, por vezes de mau gosto, são hipérboles. António Costa não o percebeu e reagiu duramente contra um cartaz que o retratava e também ele hiperbolizou a… pic.twitter.com/nIxbutQfSo
— Miguel Pinto Luz (@miguelluz) June 12, 2023
Na mesma publicação, Pinto Luz reproduziu várias imagens e cartazes, incluindo outro dos mais recordados, esta segunda-feira, nas redes sociais, que compara Passos Coelho a Adolf Hitler (há imagens que pintam no antigo primeiro-ministro português o bigode de Hitler e cartazes que colocam lado a lado as fotografias de Passos, Hitler, Angela Merkel e Salazar).
Outros exemplos são o cartoon que retratava Passos como um macaco, com a legenda “FMI? Fuck mi”, ou a montagem do antigo primeiro-ministro como se estivesse a tirar a tradicional fotografia à entrada da prisão, segurando um cartaz onde se lê “Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro, 819.300 desempregados”.
Também há montagens que colocam Passos e Paulo Portas, que em 2013 se tornou seu vice primeiro-ministro, como personagens de filmes como o clássico “Goodfellas” (“Tudo bons rapazes”, em português), em que são assim comparados a mafiosos.
Se pelas redes sociais de parte da direita circulam estas comparações, desvalorizando as queixas de Costa, do mesmo lado do espectro político também há quem se tenha mostrado solidário com o primeiro-ministro — ainda que sejam poucos os que consideram o teor dos protestos e dos cartazes racista.
Durante o fim de semana, o democrata-cristão António Lobo de Xavier foi uma das vozes de direita que se insurgiram contra os moldes do protesto, dizendo-se “chocado e revoltado”. “Os professores entraram numa linha de cartazes absolutamente abjetos. Já não sei dizer se são racistas, se são cartazes de ódio — são cartazes de um extremo mau gosto, de uma extrema agressividade, de uma inaceitável agressividade”, condenou.
Também o social-democrata Luís Marques Mendes seguiu a mesma linha no seu programa de comentário na SIC: “Isto é censurável, inaceitável, de muito mau gosto, ofensivo. Isto não se faz”.
Esta não é a primeira vez que António Costa alega ser vítima de racismo. Deixou também essa sugestão durante um debate quinzenal no Parlamento, em 2019, dirigindo-se a Assunção Cristas depois de a então líder do CDS lhe ter perguntando se condenava os “atos de vandalismo” no bairro da Jamaica. “Deve ser seguramente pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno os atos de vandalismo em Portugal”, disparou então o primeiro-ministro, que não teve resposta da líder do CDS a não ser que sentia “vergonha alheia” por aquela interpretação.
Autor do cartaz de Costa é professor em Évora e pertence à Fenprof
Pedro Brito, o professor que fez esta ilustração (entre outras que costumam retratar figuras políticas) e é da Fenprof, veio entretanto rejeitar motivações “racistas” e exigir um pedido de desculpas ao primeiro-ministro.
