Ensina-nos a sabedoria popular que se uma coisa parece um pato, anda como um pato e grasna como um pato, então é porque provavelmente é um pato. No caso de Marta Temido, o ditado poderia aplicar-se mais ou menos assim: se tem uma sala a rebentar pelas costuras para a receber, uma figura de peso nacional a apoiá-la e uma antecâmara de programa para Lisboa, então é porque provavelmente deve ser, pelo menos, considerada uma forte hipótese para se candidatar à autarquia da capital. Até porque nem a própria desmente que possa vir a sê-lo: só diz que este não é o tempo de falar sobre isso.

Marta Temido até estava, nesta quinta-feira, no Largo do Rato, na sede do PS, para se candidatar a Lisboa — por agora apenas à concelhia do PS, de que já era líder interina, e onde irá a votos sem adversário no dia 7 de julho. Mas se na cabeça de todos estaria o cenário de uma candidatura às autárquicas, em 2025, foi a própria que não se fez rogada e falou sobre o assunto — não para fechar a porta à hipótese, mas antes para deixá-la bem aberta. “Tudo tem o seu tempo, e a seu tempo o PS fará essa escolha”.

Depois, aos jornalistas, foi ainda mais clara sobre a sua própria disponibilidade: “Os militantes devem estar disponíveis para servir o partido. E da mesma forma que estive disponível para este trabalho na concelhia, estarei disponível se o partido precisar de mim“. O tempo era de falar da concelhia, sim, mas os aplausos e o entusiasmo da sala indiciavam que na cabeça dos socialistas ali presentes já se equacionava algo mais — e Temido também se dirigiu a eles sem grandes pudores.

“Vou eventualmente defraudar expectativas, mas nós não estamos aqui a lançar uma candidatura à Câmara. Estamos apenas e só a apresentar a nossa orientação política”, lançou logo de início, para esclarecer de seguida: “Mas deixem-me também dar uma palavra de tranquilidade: se estivéssemos a lançar, estou absolutamente certa que o PS poderia apresentar uma pluralidade de soluções com a qual cidade ficaria bem servida”.

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Ponto que Temido, que muitos no partido consideram ambiciosa, quis marcar, e que foi repetindo: “Este não é um projeto de poder e muito menos um projeto pessoal”.

Por isso mesmo, foi-se dirigindo aos militantes que quer mobilizar: disse-lhes que sente o “apoio” e a “expectativa” de quem a ouvia, que quer fazer mais sessões de participação e também formação com militantes, quer vai fazer reuniões de “proximidade” com população em todas as freguesias. Mas também que vai fazer um grupo de “coordenação permanente” com o PS na Assembleia Municipal e Câmara Municipal e estabelecer agendas de trabalho comuns com os setores de jovens e mulheres de Lisboa, trabalhando “em rede”.

Temido ganha fôlego no PS para concorrer à Câmara de Lisboa

Depois, de novo, os olhos postos em 2025 e num projeto de “reconquista” da cidade que está nas mãos do PSD (como dizia minutos antes Duarte Cordeiro): a concelhia socialista quer definir uma visão de cidade, com o mesmo “pensamento estratégico” que marcou a era de Jorge Sampaio em Lisboa, até 2035 — um caminho que comece nestas autárquicas — e criar um fórum de políticas públicas para criar um programa nesse sentido.

Ainda não há portanto um programa propriamente dito, mas Temido lá foi enunciando um mix de prioridades, da higiene urbana ao estacionamento, das soluções para a “mobilidade caótica” à Habitação, ponto em que atirou: “Os problemas estão aqui e agora, é agora que têm de ser enfrentados e resolvidos, não em 2028 nem 2032”. Objetivo, mais uma vez: “Preparar e mobilizar o PS para 2025”.

“A Marta vai liderar-nos”

O discurso já parecia de candidata, mas a própria apresentação de Temido não tinha ficado nada atrás. A figura maior do PS Lisboa, Duarte Cordeiro (ministro do Ambiente mas aqui no papel de presidente da federação distrital) tinha subido ao púlpito minutos antes para deixar rasgados elogios à ex-ministra da Saúde — e para colá-la diretamente a 2025. Sendo que o próprio é também um dos nomes sempre apontados para a autarquia, embora alguns socialistas duvidem de que queira entrar nessa corrida — e nesse cenário seria provável que Temido entrasse em jogo.

“Não é por acaso que a sede está cheia na apresentação da tua candidatura”, atirou de início Cordeiro: “Representa claramente uma expectativa, uma esperança, uma confiança para o PS em Lisboa”. Daí, partiu para os elogios ao que Temido representa não só para militantes, mas também para “simpatizantes” — fator eleitoral importante — e que testemunhou enquanto colega de Governo: descreveu-a como “lutadora, resiliente”, uma pessoa que “entregou tudo o que tinha para nos ajudar”. “Devo dizer que não viram metade — metade! — da dedicação, esforço, paciência” da então ministra, contou.

“Sou representativo da admiração que todos os socialistas têm por ti, Marta, e disponibilidade que demonstras para ser líder do PS Lisboa“. Depois, um passo mais à frente: este ciclo, “espera” o PS, irá até às autárquicas — “momento em que esperamos que o PS inicie a reconquista da Câmara“.

“A Marta vai-nos liderar no processo de reconquista da Câmara”, disparou, por entre críticas duras à gestão de Carlos Moedas, a quem apontou falta de liderança, vontade ou até sensibilidade para lidar com as pessoas — Lisboa é hoje em muitos aspetos uma cidade “desleixada”, sentenciou.

Agora, o PS quer iniciar a caminhada que, acredita, o levará de novo à liderança da cidade, como nos tempos em que o próprio Cordeiro era vice (com Fernando Medina como presidente).

E se Temido não é pré-candidata, parece:  “Estamos aqui todos porque acreditamos na Marta” para “unir o PS e a partir daqui criar dinâmica e força que nos faça ganhar a CML nas próximas eleições”. Numa altura em que o PS aposta na ex-ministra em várias frentes — fala-se em Temido para uma candidatura a Lisboa há meses, mas o nome também vai circulando como hipótese para Bruxelas — não houve quem tentasse matar o assunto nem dosear o entusiasmo. Pelo contrário.