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O alfabeto coreografado por Ohad Naharin

Este artigo tem mais de 1 ano

Com “MOMO”, o coreógrafo israelita regressa aos palcos portugueses, no Porto e em Lisboa, com a primeira criação em três anos. Olhamos em retrospetiva sobre três décadas criativas.

Para o desenho de "MOMO", o criador — que gosta de combinar diferentes abordagens coreográficas — utiliza dois elencos. Ao longo de três meses, trabalhou primeiro com um e passou depois para o seguinte, sem que nenhum dos bailarinos visse o que estava a ser dançado de ambos os lados
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Para o desenho de "MOMO", o criador — que gosta de combinar diferentes abordagens coreográficas — utiliza dois elencos. Ao longo de três meses, trabalhou primeiro com um e passou depois para o seguinte, sem que nenhum dos bailarinos visse o que estava a ser dançado de ambos os lados

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Para o desenho de "MOMO", o criador — que gosta de combinar diferentes abordagens coreográficas — utiliza dois elencos. Ao longo de três meses, trabalhou primeiro com um e passou depois para o seguinte, sem que nenhum dos bailarinos visse o que estava a ser dançado de ambos os lados

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Desde 2018 que uma criação de Ohad Naharin e a Batsheva Dance Company não passam pelos palcos portugueses. Três anos depois de “2019” – e de terem apresentado por cá “Venezuela” –, o renomeado coreógrafo traz a Portugal “MOMO”, uma nova criação que se estreia esta semana, dias 7 e 8 de julho, no Teatro Rivoli, no Porto. Segue depois para Lisboa, onde terá três apresentações no Centro Cultural de Belém, a 13 e 14 de julho. No espírito de outros trabalhos de Naharin, esta nova criação integra-se num processo coreográfico contínuo, com uma atmosfera difícil de descrever, que vive do contraste entre as ideias de caos e serenidade. Faz tudo parte de um código, explica em entrevista ao Observador, que compõe uma linguagem que não se rompe facilmente e que joga na intensidade do movimento com a musicalidade que lhe define a ambiência.

Tal como o próprio descreve, “MOMO” junta duas partes separadas de criação, unidas num só palco. São duas almas: “Uma com longas raízes para as profundezas da terra – uma alma que personifica arquétipos e mitos de masculinidade crua e endurecida –, e a outra em constante procura de um ADN individual e distinto. Uma move-se dentro do seu próprio campo de força autónomo e independente e a outra é uma constelação de elementos que giram em torno do mesmo núcleo – afastando-se e aproximando-se, alternadamente, abrindo espaço para a ternura e catarse necessárias”, lê-se na sinopse. O seu próprio título reflete uma certa ideia “cómica e bizarra que parece dividir-se em repetição, MO-MO”, sugere. Em japonês, “mo” significa “também” e, posteriormente, foi revelado que os bailarinos da companhia explicaram que o nome é ao mesmo tempo um acrónimo para ‘Magic of Missing Out’ – os aspetos desembrulham o mistério, mas o que interessa a Naharin é verdadeiramente o processo de trabalho que levou a sua origem.

Para o seu desenho, o criador — que gosta de combinar diferentes abordagens coreográficas — utiliza dois elencos. Ao longo de três meses, trabalhou primeiro com um e passou depois para o seguinte, sem que nenhum dos bailarinos visse o que estava a ser dançado de ambos os lados. Chegada a altura certa, junta os grupos em palco e tudo se combina. De um lado, um quarteto; do outro, mais sete, com uma distinção marcante no ritmo entre os dois grupos. Ao passo que o primeiro se move de forma lenta e suave, ancorando a batida forte da música, o segundo acompanha o ritmo de forma acelerada. “Interessa-se precisamente jogar com essa dissonância, uma vez que a música se tornou num aspeto fundamental nas minhas peças”, realça.

"Mais do que qualquer tema ou mensagem, falo da narrativa da dança que é uma forma de linguagem. Tem a ver com dinâmica, organização, delicadeza, texturas, ordem, groove, atmosfera"

Com uma banda sonora composta maioritariamente pelo álbum Landfall, da lendária Laurie Anderson e do Kronos Quartet, dá-se uma paixão partilhada de profunda tristeza e beleza, que se desenrola em palco. O abandono torna-se uma procura dedicada por uma fenda e falhas no código de movimento acabam por ser material livre, lúdico e emotivo. Parece existir uma certa forma de caos, onde se produzem imagens que podem ser referenciais para quem vê. Para Ohad Naharin essas interpretações não cabem ao “produto bio”, que é a coreografia.

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“Mais do que qualquer tema ou mensagem, falo da narrativa da dança que é uma forma de linguagem. Tem a ver com dinâmica, organização, delicadeza, texturas, ordem, groove, atmosfera… podia continuar a listar elementos que constituem essa linguagem. A pesquisa que faço está ligada a esses elementos, não tem a ver com sentimentos ou com uma mensagem específica que se pode retirar. É um produto bio, que surge antes de falar da condição humana ou de outros tópicos”, salienta o coreógrafo de 71 anos aos Observador.

Uma linguagem com três décadas

Ohad Naharin foi, muitos antes de coreografar, bailarino na companhia de Martha Graham e dançou também para Maurice Béjart. Foi ainda em Nova Iorque que começou a forjar uma carreira ligado a um movimento intenso, por vezes cómico e bastante inventivo. O seu percurso escalou rapidamente. Quando regressa a Israel foi nomeado diretor da Batsheva Dance Company, que tinha precisamente feito sucesso nos Estados Unidos, ao seguir muita da linguagem desenvolvida por Graham. Rapidamente, o coreógrafo renovou a companhia e a sua abordagem. Abandonou a ideia de repertório e começaram a desenvolver propostas de uma estética inconfundível, através de um modelo peculiar e líquido. Uma “linguagem de movimento” conhecida como “Gaga”, que Ohad Naharin inventou para lidar com uma lesão e que é agora ensinada um pouco por todo o mundo.

Passou a ser conhecido como Mr. Gaga – com direito a um documentário, “Mr. Gaga: A True Story of Love and Dance” (2015), realizado por Tomer Heymann. Entre peças que se tornaram icónicas e que mudaram a forma de olhar para a dança em Israel, Naharin juntou pedagogia com movimento. Na abordagem ao treino, o coreógrafo baniu os habituais espelhos das salas de ensaios e os bailarinos passam a responder a instruções verbais – em diálogo – ao invés de executar combinações específicas de movimento. “O meu objetivo é destacar nos diferentes corpos aquilo que estes têm de melhor, as suas qualidades específicas, daí que todo esse processo tenha que ver com um ampliar de texturas que levam o corpo a outro extremo”, sintetiza.

“A beleza daquilo que fazemos é que é totalmente efémero, desaparece. Não importa se uma criação tem dois anos ou trinta. O nosso objetivo não é compor um arquivo ou um museu”

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A sua linguagem e a entrega da companhia, aclamada mundialmente, constituem um percurso contínuo que não parou desde a década de 1990. Em 2008, Naharin escreveu sobre “Gaga”: “Aprendemos a amar o nosso suor, descobrimos uma paixão pelo movimento e por saber ligá-lo ao esforço; descobrimos tanto o animal que há em nós quanto o poder de nossa imaginação”. Regressamos a “MOMO”, como forma de vislumbrar esse mesmo gesto. A certa altura, o quarteto de bailarinos sobe até os poleiros mais altos, sentando-se acima de seus colegas que passam a vigiar. Em baixo, o segundo grupo trabalha como barras de ballet, numa forma de libertação cómica, onde também parece surgir um comentário crítico do criador sobre a rigidez dos métodos de dança clássica.

Nas muitas criações, tal como em “MOMO”, não deixa de existir esse gesto de crítica face aos cânones de ensino da dança. Mas para Naharin, uma criação sua não tem essa implicância. “A beleza daquilo que fazemos é que é totalmente efémero, desaparece. Não importa se uma criação tem dois anos ou trinta. O nosso objetivo não é compor um arquivo ou um museu”, diz. A sua nova criação é mapeada pelo virtuosismo. O que sucede em palco é como um processo alquímico, em que os espetadores se irão focar – nalguns dos elementos e não no seu todo. Surgirá uma centopeia humana – a fazer lembrar o famoso filme de terror –, naquilo que parece ser uma crítica à própria definição de masculinidade, mas também bailarinos em maillot que parecem deslocados e em profundo questionamento.

Passam-se cinco anos desde que o criador deixou o cargo de diretor da companhia e três desde que trouxe à luz uma nova obra, ainda que continue a ser o coreógrafo principal da estrutura e o seu mentor criativo. “Foi um período de reflexão e de tempo para apurar ideias. Muitas vezes esse processo começa quando vou dormir e começo a visualizar alguns movimentos e mesmo no dia da estreia o processo não termina, pelo contrário. Nesse dia, dá-se o nascimento de algo que é contínuo e que vai sofrer as suas metamorfoses”. Quanto ao “MOMO” poder-se-ia dizer que é um lamento pela perda do individualismo, uma reflexão sobre a interdependência dos corpos ou as hierarquias que, irremediavelmente, posicionam os indivíduos na sociedade – ou simplesmente uma forma de analogia contra a tirania e contra uma estética ditatorial que não deixa de estar presente em muitos contextos das sociedades contemporâneas. Para todos os efeitos, Ohad Naharin prefere o silêncio e dar lugar ao possível encantamento – entre as múltiplas leituras que daí possam surgir. Mas para isso, só vendo em palco.

 
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