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Sam Smith e o doce sabor a liberdade

Este artigo tem mais de 1 ano

O concerto do artista inglês no NOS Alive foi um hino à liberdade onde couberam todas as emoções. Os Queens of the Stone Age festejaram em comunhão com o público. O festival regressa para o ano.

Sam Smith foi o cabeça de cartaz do último dia do NOS Alive
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Sam Smith foi o cabeça de cartaz do último dia do NOS Alive

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Sam Smith foi o cabeça de cartaz do último dia do NOS Alive

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Vestido com um camisa branca e um elaborado corpete dourado, Sam Smith percorreu o palco, onde uma estátua de uma mulher reclinada servia de plataforma para a banda, cantando os primeiros versos de “Stay With Me”. O tema, um dos mais conhecidos do artista inglês, serviu para abrir o apetite para um concerto excecional onde couberam todas as emoções. Smith escolheu um alinhamento pouco habitual, que começou com canções mais lentas e terminou numa espécie de êxtase infernal, com uma sequência disco, uma homenagem a Madonna e uma viagem ao inferno com “Unholy”. No Passeio Marítimo de Algés, Smith foi anjo, demónio e Nossa Senhora. Foi modelo de alta costura e fã de futebol feminino. Foi ele próprio, e convidou todos a serem-no também. “Este espetáculo é sobre liberdade”, declarou logo no início do concerto. “Por favor, Lisboa, divirtam-se. Tirem as vossas camisolas e soltem-se.” O artista levou as suas próprias palavras à letra.

O concerto de cerca de hora e meia, que seguiu o alinhamento da atuação no Mad Cool Festival, em Madrid, onde Smith atuou esta sexta-feira, foi um desfile de temas pop de diferentes nuances. Depois de uma série de canções bem dispostas,  seguiu-se uma sequência de baladas e temas mais emotivos, como “Lay Me Down”, que Smith cantou com uma das back vocalists que o acompanharam este sábado, “uma das melhores vozes e uma das melhores pessoas” que conhece. “Há dois anos estava a fazer o meu álbum Gloria. Foi um tempo muito difícil e não podíamos fazer isto”, confessou Smith, que entretanto tinha mudado de roupa e vestido uma camisa branca com folhos e depois um elegante vestido roxo. “Prometi a mim mesmo que se pudesse voltar a fazer isto, ia cantar, dançar e festejar, porque não sou nada sem estes músicos e sem vocês”, acrescentou, dirigindo-se à multidão que se reuniu junto ao palco principal.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A partir de “Lay Me Down”, encaixada a meio do concerto, Smith deixou as baladas para trás e entrou na fase mais disco e mexida da atuação, mostrando realmente de que material é feito. Esquecendo o vestido cor de rosa com umas enormes mangas que tinha vestido, Smith envergou um bomber também rosa, que depois tirou revelando uma t-shirt da seleção feminina de futebol com o seu nome escrito nas costas. O artista dançou como até então não tinha feito ao som de “I Feel Love”, entrando cheio de fôlego na parte seguinte da atuação: de maneira inesperada, Smith apareceu em palco coberto por um véu e com uma coroa, para interpretar a belíssima “Gloria”. De um momento para o outro, o véu desapareceu, revelando um Sam Smith de tanga e mamilos cobertos com adesivo negro. Enquanto cantava uma versão de “Human Nature”, de Madonna, os bailarinos vestiram-lhe um segundo corpete, desta vez preto com pormenores em prateado.

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O último figurino incluiu um chapéu alto com cornos vermelhos e um tridente. Smith, que tinha subido aos céus na primeira parte da atuação, desceu ao inferno mais profundo, adotando um ar diabólico para “Unholy”, um dos temas mais conhecidos do seu último álbum, Gloria, originalmente interpretado com Kim Petras, que surgiu nos ecrãs. Smith dançou acompanhado por um grupo de bailarinos até desaparecer do palco. E com um estrondo, o concerto terminou. Se os fãs no recinto estavam à espera do habitual encore, o desejo rapidamente se desfez com a entrada em palco da equipa técnica, que começou rapidamente a desmontar o cenário.

Foi um fim abrupto para um espetáculo que teve tantos momentos emotivos e de contacto com o público, mas encenado para que Smith abandonasse o palco da maneira mais dramática possível — desaparecendo subitamente nas sombras, como um diabo que descende aos infernos após fazer das suas.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Deslandes, Tinoco e King Princess: um início de dia no feminino

Coube a Carolina Deslandes e Bárbara Tinoco abrir o palco principal no último dia do NOS Alive. As duas artistas mostrarem-se felizes por pisarem o maior palco do festival e por serem “duas mulheres portuguesas” a fazerem-no. Ao contrário do que aconteceu à mesma hora nos dias anteriores, o recinto estava bastante composto, com uma multidão atenta e conhecedora da discografia das duas cantoras e compositoras.

Vestidas com camisolas a condizer e um cenário cor de rosa com unicórnios, Deslandes e Tinoco, acompanhadas por uma banda constituída de propósito para o projeto, interpretaram alguns dos seus temas mais conhecidos, como “Avião de Papel” (Deslandes), “Sei Lá” (Tinoco) e o dueto “Coisas no Silêncio”. O concerto ficou marcado por vários momentos de carácter mais pessoal, em que as duas artistas partilharam histórias e episódios das suas vidas e carreiras. Tinoco admitiu ter aprendido muito com Deslandes sobre o mundo da música, enquanto Deslandes disse aceitar “todos os convites” de Tinoco, a sua artista favorita.

Enquanto Carolina Deslandes e Bárbara Tinoco tocavam no Palco NOS, na outra ponta do recinto Mikaela Mullaney Straus, mais conhecida por King Princess, subia ao Palco Heineken. A multi-instrumentista e cantora nova-iorquina, nova coqueluche da pop alternativa, veio apresentar o seu segundo álbum, Hold On Baby, com algumas canções enérgicas, e outras mais absortas, que atraíram um mar de gente à procura de novos artistas pelo Passeio Marítimo de Algés. Mesmo não tendo brilhado, conseguiu destacar-se e revelou-se um trunfo a ter em conta.

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Machine Gun Kelly: um tiro ao lado

Foi de guitarra em riste, em frente a uma imagem do Sol numa enorme estrutura de escadas, que Machine Gun Kelly apareceu em palco para se apresentar pela primeira vez em Portugal, qual astro-rei a massajar o próprio ego. O músico norte-americano de 33 anos tornou-se conhecido enquanto rapper, mas desde 2020, quando lançou o álbum Tickets to My Downfall, que se tem virado para as guitarras e para uma sonoridade mais pop punk, à luz do imaginário de bandas como os Blink-182 ou Sum 41, que marcaram o final dos anos 90 e o início dos 2000.

No alinhamento, Machine Gun Kelly fundiu esse som com temas assentes em beats modernos de rap, originando uma mescla pouco inspirada que não tem muito de original — o historial de fusões entre rap e rock já viu (muito) melhores exemplos ao longo dos anos. Porém, ainda que tenha um estilo genérico, ao vivo o artista cumpre aquilo a que se propõe fazer, com uma performance banal mas segura.

Com alguns fãs entusiasmados nas filas da frente, Machine Gun Kelly interpretou canções sobre “escapar aos problemas” ou “estar perdido na juventude”, abordando também as críticas sobre a sua persona, e agradecendo o carinho (bastante morno, diga-se) do público português. “Fizeram-me sentir como se tivesse estado cá dez vezes antes”, exclamou. Ainda que não tenha conseguido abrir propriamente o moshpit como pretendia, foi cantar junto da plateia, fez uso do flow ultra rápido que lhe deu o nome artístico e usou um copo de vinho para tocar guitarra, artifícios tal qual os efeitos de pirotecnia no palco, que acabam por reforçar a superficialidade do seu projeto artístico. Feitas as contas, não sobra muito a esta metralhadora tão eficaz quanto dispensável.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A voz doce de Angel Olsen num final de tarde no Passeio Marítimo de Algés e a energia interminável de Tash Sultana

Não foi há muito tempo que Angel Olsen passou por Portugal. A artista norte-americana deu dois concertos no Capitólio, em Lisboa, em setembro. Na altura, o Observador escreveu, após o primeiro concerto, a 26 de setembro, que a atuação “confirmou o que desconfiávamos: Angel Olsen está numa fase em que não consegue errar, nada a para, tudo é motivo para criar, com a confiança dos que sabem que têm um dom”. Indício de que a criatividade de Olsen continua a não dar tréguas, foi o facto de, à semelhança do que aconteceu no Capitólio, ter apresentado temas novos, um deles composto no próprio dia do concerto no NOS Alive, sábado. Chamava-se “Give It Up” e encaixou como uma luva no meio de um set que, como a própria o descreveu, incluiu “canções calmas e algumas canções barulhentas”. “Lidem com isso!”, exclamou.

A hora e o local do concerto (20h10, no Palco Heineken) foram bem escolhidos, mas é sempre melhor ver Olsen num espaço fechado, mais acolhedor. Apenas por isso a atuação não teve o impacto que poderia ter tido. Olsen esteve bem, sorridente e contente por estar em Portugal, que adora (“Quem é que não adora?”). A sua voz doce embalou, talvez demais para um ambiente que pede emoções ao rubro. Mas não deixou de ser um agradável fim de tarde no Passeio Marítimo de Algés, com uma artista que ainda tem muito para dar.

Angel Olsen foi rendida pela australiana Tash Sultana no Palco Heineken. O barulho era ensurdecedor (os fãs gritavam, assobiavam e aplaudiam), de tal forma que apenas com muita dificuldade se conseguiu ouvir os primeiros acordes de “Mystik”, tema que Sultana escolheu para abrir o concerto no Alive. A canção, que acumulou mais de um mil milhão de streams em todo o mundo, foi apenas um aperitivo para o que se seguiu — imparável, Sultava foi saltando de instrumento em instrumento (guitarras, baixo, teclados, saxofone, flauta), recriando as sonoridades singulares que lhe são características e que misturam diferentes géneros. Artista completa, Sultana não é apenas multi-instrumentalista — é uma cantora de excelência.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Com a energia que lhe é característica, a artista transformou o Palco Heineken, a rebentar pelas costuras, numa pista de dança, que só começou a perder o fôlego quando, no palco principal, se começou a ouvir Sam Smith.

Uma festa em comunhão com os Queens of the Stone Age

A par de Sam Smith, os Queens of the Stone Age de Josh Homme e companhia eram os grandes cabeças de cartaz da noite. Podem não ser uma banda tão transversal quanto os Red Hot Chili Peppers, que atuaram no primeiro dia deste NOS Alive, mas são um autêntico grupo de culto, para todos os fãs de guitarradas e de um rock ‘n’ roll portentoso e dançável, que não chega à categoria de pesados, nem se torna demasiado leve para cair no rótulo da pop.

“No One Knows” foi o tema escolhido para a banda entrar de rompante em palco, perante uma ovação. Eram muitos os interessados num serão de riffs, que foram abanando os corpos e trauteando os refrões ou linhas de guitarra ao longo de uma hora de espetáculo. Ao vivo, os Queens of the Stone Age não inventam — nem precisam. Nesta fase da carreira, não têm nada a provar e o objetivo passa por criar um ambiente de celebração e comunhão com a plateia.

“Agora vamos dançar, sacanas”, atirou Josh Homme, apelando sempre a uma performance envolvente. “Não quero saber do resto do mundo, quero saber que estamos juntos como se fôssemos uma cobra gigante à beira da água, uma massa enorme de pessoas a amarem-se”, comentou este autêntico guru do rock, mantendo sempre uma pose confiante, pautada pela elegância.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O som no Passeio Marítimo de Algés estava impecável e “Make It Wit Chu” foi um dos temas mais acarinhados pelo público. No final, aparentemente receberam a indicação de que só tinham direito a mais uma canção, o que não terá agradado a Josh Homme e aos músicos que o acompanham. “Vamos tocar mais duas, que se lixe essa merda. Atravessámos o grande oceano para estarmos aqui convosco, ninguém nos vai dizer o que fazer.”

Daí seguiu-se uma estrondosa “Go with the Flow” e uma “A Song for the Dead” que teve direito a moshpit na frente. Mesmo que o apogeu da banda já pertença ao passado, os Queens of the Stone Age continuam a reclamar um lugar de glória cada vez que sobem ao palco, com a sua música grandiosa que pede arenas cheias de milhares de fãs. Tudo certo no Passeio Marítimo de Algés.

Cerca de uma hora depois, um fenómeno televisivo provocou uma autêntica enchente no Fado Café Stage. Os Jesus Quisto, banda satírica da novela da RTP “Pôr do Sol”, estrearam-se no NOS Alive perante uma multidão que excedia (em muito) a capacidade deste pequeno palco. Os sortudos que chegaram cedo conseguiram espremer-se para o interior da sala, para vibrar com as canções ecológicas e politicamente conscientes deste grupo — desde a fase hardcore punk até à sonoridade contemporânea em que abordam a música tradicional portuguesa.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Houve crowdsurf e muitas palavras de ordem, numa profunda (e constante) interação entre público e banda. Do lado de fora, centenas de pessoas não arredaram pé, mesmo que o som no exterior fosse de qualidade reduzida e a componente visual inexistente. Os Jesus Quisto continuam a dar cartas por esse país fora e a partir de 3 de agosto vamos poder reencontrá-los no ecrã, quando estreia nos cinemas o filme “Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó”.

Ao fim da noite, o público dividiu-se sobretudo entre os dois maiores palcos. Muitos ficaram pelo palco NOS para assistir à performance dos Rüfüs Du Sol, trio australiano de instrumentistas que opera no campo alternativo da música eletrónica. O registo foi sempre dançável, ainda que não seja de todo pesado. Muitos outros preferiram dirigir-se ao Heineken para verem Branko, o DJ e produtor lisboeta que fez uma atuação composta pelos grandes temas que produziu nos últimos anos. Um dos momentos mais importantes foi quando chamou ao palco BIAB, diretamente do Rio de Janeiro, para interpretar “Pedra do Sal” e o tema que os uniu, “Nuvem”. Como sempre, a festa fez-se de forma calorosa e a celebrar a cultura urbana local.

O NOS Alive regressa para o ano, nos dias 11, 12 e 13 de julho. Não foi ainda confirmado qualquer nome do cartaz, mas já se sabe o local em que vai decorrer: o habitual Passeio Marítimo de Algés.

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