O Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, cuja nova presidente é empossada esta sexta-feira, enfrenta “imensos desafios” colocados pela Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, a começar pelos da sua “modernização” e “gestão”, segundo ONGD contactadas pela Lusa.
A nomeação de Ana Paula Fernandes para presidente do Camões é para o diretor executivo da Oikos, João José Fernandes, “coerente com os desafios” da nova Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030) — um documento alinhado com a Agenda 2030 —, mas “também com a necessidade de uma maior profissionalização de toda a máquina da cooperação portuguesa”, afirmou em declarações à Lusa.
Ana Paula Fernandes nomeada para a direção do instituto Camões
“Não basta ter uma estratégia mais ambiciosa, é preciso depois dar ferramentas de gestão” para a sua execução, acrescentou o diretor da Oikos — Cooperação e Desenvolvimento, uma ONGD com presença em Portugal, África, América Central, Cuba e Colômbia.
“Os dois grandes desafios que o Camões tem pela frente têm a ver com a gestão, por um lado, e com a avaliação das políticas e do impacto. Esta estratégia, se não for avaliada e não e não for monitorizada, é um documento bonito, mas não é mais do que isso”, afirmou ainda.
Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, sublinhou também o “grande reforço de responsabilidade” que Ana Paula Fernandes “vai apanhar no seu mandato”, decorrente da implementação da ECP 2030.
“O Camões tem que se modernizar”, sublinha igualmente a presidente da Cáritas.
“Nós ainda submetemos tudo em papel ao Camões, com as páginas todas rubricadas manualmente. Isto tem todos os escolhos, os das dificuldades burocráticas, mas também o da distância a que se põem os projetos e as pessoas”, ilustrou.
Com a ECP 2030, publicada em Diário da República no início de dezembro de 2022, a cooperação portuguesa assume ambições no âmbito da cooperação delegada e da cooperação trilateral, para além da cooperação multilateral e bilateral, que exigem uma maior capacidade a vários níveis da instituição responsável pelo seu desenho e execução.
João José Fernandes aponta uma “fragilidade” que caracteriza “desde sempre” a cooperação portuguesa e que “a nova estratégia tenta resolver, que é o facto de ser muito baseada em projetos, e portanto, de não se caracterizar pela visão de longo prazo”.
“Pela primeira vez, parece querer-se mudar e ter-se uma capacidade de avaliação de resultados e de impacto no longo prazo. Isso exige, obviamente, uma capacidade de coordenação totalmente diferente, uma previsibilidade totalmente diferente e também uma capacidade de execução, de monitorização e de avaliação que nunca existiu”, afirmou o diretor da Oikos.
“A Ana Paula Fernandes é alguém que conhece o lado da implementação das políticas públicas, o lado da sociedade civil e tem uma experiência dentro do setor, quer internacional quer nacional, que, à partida, lhe dará uma perceção necessária à execução dessas tarefas”, acrescentou o diretor da Oikos.
Outro dos “desafios” identificados por João José Fernandes é o da “alocação de recursos”. “Este ano houve uma atribuição de recursos extraordinários [a duplicação do orçamento do Camões, que viu inscritos 40 milhões de euros no OE”023], mas isto tem que ser uma ambição de médio e longo prazo, tem que haver aqui um compromisso firme e respeitado relativamente ao aumento da ajuda pública ao desenvolvimento (APD)”, afirmou.
“Estamos muito longe dos 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB), que é um compromisso assumido a nível internacional desde os anos 70, com o qual Portugal reiteradamente se tem comprometido”, acrescentou..
A ECP 2030 reitera o compromisso de Portugal honrar o acordo assinado com a OCDE de destinar anualmente 0,7% do seu RNB à APD, ainda que de forma “calendarizada”.
De acordo com os últimos dados, relativos a 2021, a APD portuguesa manteve-se muito longe desse objetivo, pelos 0,18% do RNB, ou seja, em pouco mais de 38 milhões euros, deixando o país na 23.ª posição entre os 29 membros do CAD.
“A nova ECP 2030 tem desafios concretos definidos, está alinhada com Agenda 2030, temos o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e outros fundos alinhados com os mesmos prazos, temos que saber tirar o melhor disto”, afirma Rita Valadas, manifestando o empenho da Cáritas em “fazer esse caminho em conjunto”, numa “co-construção efetiva e em parcerias”.