Na base de “Drácula: O Despertar do Mal”, do norueguês André Ovredal (“O Caçador de Trolls”, “A Autópsia de Jane Doe”) está uma boa ideia para um filme de terror. Mostrar o que sucedeu a bordo do navio Demeter no livro “Drácula”, de Bram Stoker, que transporta da Roménia para Inglaterra o conde Drácula e vários caixotes de terra do seu castelo na Transilvânia, adaptando o capítulo em que Stoker reproduz o diário de bordo escrito pelo comandante do navio, que deu à costa durante uma grande borrasca, sem a tripulação e apenas com aquele morto e atado ao leme, segurando um crucifixo. Do Demeter saltou então um enorme cão, que se meteu pela praia dentro e desapareceu na noite.

[Veja o “trailer” de “Drácula: O Despertar do Mar”:]

Várias das adaptações ao cinema do clássico de terror de Stoker têm sequências passadas no Demeter. No “Nosferatu” de Murnau (1922), a tripulação do navio é dizimada pelo que parece ser a peste trazida pelos ratos que vêm nos caixotes de terra do vampiro, que depois aparece, aterrorizando o imediato, que se atira ao mar, e matando o comandante, que se amarrou ao leme. Controlado pelo monstro, o barco chega ao porto de noite e Nosferatu sai dele, algo ridiculamente, com o seu caixão debaixo do braço. Já no “Drácula” de John Badham (1979), o vampiro interpretado por Frank Langella assume a forma de um enorme lobo numa sequência formidável em que mata os tripulantes durante uma tempestade em alto mar.  

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[Veja uma entrevista com o realizador André Ovredal:]

Em “Drácula: O Despertar do Mal” (cujo título original é o mais apropriado “The Last Voyage of the Demeter”), André Ovredal toma liberdades a mais com o excerto do livro, incluindo na tripulação uma criança, o pequeno Toby, neto do comandante, e metendo na história uma rapariga, que vem em estado cataléptico num dos caixões de terra para servir de reserva de comida a Drácula. E como é preciso seguir as regras “woke”, inventa uma personagem muito implausível para a época: Clemens, um médico inglês negro formado em Cambridge (“Um dos primeiros”, como o próprio esclarece a certa altura”). Para justificar a sua presença na Roménia, o argumento fá-lo ex-médico do Rei Carol I, o que elimina quaisquer vestígios de plausibilidade ainda existentes (e andou Ovredal a dizer em entrevistas que tinha sido “fiel à letra do livro”).

[Veja uma cena do filme:]

O realizador descreveu “Drácula: O Despertar do Mal”, como sendo “basicamente, “Alien-O 8º Passageiro” passado num barco em 1897”. É muita prosápia de André Ovredal querer medir-se com Ridley Scott e alçar a sua fita às alturas de tensão, terror e sufoco claustrofóbico daquele clássico da ficção científica. “Drácula: O Despertar do Mal” é débil em atmosfera opressiva, pobrezinho em suspense, corriqueiro e repetitivo na construção do terror (entre outros clichés, há aquele com barbas do não-abras-a-porta-nem-saias-porque-anda-aí-um-monstro – aviso não obedecido, claro). Nem a presença do vampiro (aparentado com o do “Drácula de Bram Stoker” de Francis Ford Coppola) é bem aproveitada, com excepção da sequência em que ele começa a voar para frustrar a armadilha montada pelos sobreviventes.

E para culminar o seu enorme desvio da rota das páginas de “Drácula”, o filme termina em pleno disparate “alternativo-retroactivo”, com o agora único sobrevivente da última viagem do Demeter (e quem havia de ser ele senão a personagem óbvia?) a jurar perseguir o vampiro até o eliminar. Só falta agora alguém ir reescrever o livro de Bram Stoker para a incluir na história à força e o tornar mais “inclusivo” e “contemporâneo”, já que no que toca ao cinema, a tarefa está feita.