Nos distritos de Castelo Branco e da Guarda os sorvetes vendidos nos depósitos dos pequenos carros em inox, reconhecidos ao longe pelo chapéu-de-sol, são sinónimo de verão, de concentração de pessoas e de uma tradição que nenhuma inovação conseguiu ultrapassar. Eis os gelados Ski, que começaram a ser fabricados na cozinha da avó de Delmira Cardona, no centro da Covilhã, e, passados 74 anos, sempre na família, tornaram-se uma marca identitária da região e uma presença incontornável nas festas e romarias.
João Fazenda, 73 anos, que na década de 1980, depois de regressar de Angola, comprou o negócio da família da mulher, já experimentou outros sabores e passou há alguns anos a vender 15 aromas em cuvetes para a restauração, mas o que mais lhe pedem é “o das festas”.
É nos 15 carrinhos a circular por toda a região que é servido, com a espátula a raspar o depósito conservado em gelo e sal e depois a preencher, com mão mais ou menos generosa, o cone de baunilha, o gelado mais emblemático da Beira Interior, de baunilha e morango.
Não é só para a família que o produz que existe uma ligação afetiva. Susana Ferreira, de 49 anos, começou este ano a trabalhar na empresa familiar e os gelados Ski lembram-lhe “a infância e momentos felizes”, comenta, enquanto controla a batedeira, onde já não se está horas a dar à manivela, e introduz os preparados na máquina de onde 20 minutos depois retira o gelado para acondicionar.
Também sai com os carros e é nas festas que percebe que “os gelados Ski são uma marca que se confunde com a região, porque não se compara a nenhum outro e aviva as boas memórias das pessoas”, refere a funcionária, que por vezes, em duas ou três horas, vende um pote de 20 litros, o equivalente a mais ou menos 200 gelados, na versão simples e dupla.
Nas filas que se formam junto ao carrinho ambulante, nota a emoção dos emigrantes que fazem questão de comer o gelado da terra, mas também a afluência de pessoas de todas as faixas etárias e de quem se desloca a determinada romaria com o fito de comer o gelado “que toda a gente conhece”.
A vida de Delmira Cardona, 72 anos, professora aposentada, é indissociável dos gelados da antiga Cardona e Cardona, a que na década de 80 deram o nome Ski, pela proximidade à serra da Estrela.
A unidade de produção, depois de várias localizações instalada no Dominguizo, concelho da Covilhã, está aberta entre março e outubro e Delmira sempre ajudou na parte administrativa e no contacto com os clientes.
O segredo do sucesso, considera a proprietária, é nunca terem mexido numa receita que resulta e é apreciada. Já experimentaram trocar a cor amarelada da baunilha pelo branco, e as reclamações para voltar ao original não tardaram, conta, sentada no escritório e a tentar que a mão esquerda, que um AVC tornou preguiçosa, lhe obedeça.
João e Delmira chegaram a expandir o negócio, mas é nas festividades da Beira Interior que a presença dos gelados Ski é presença incontornável e, ao longo dos anos, não se registaram quebras na procura, garantem.
Por todo o lado há marcas de renome com maior diversidade e projeção, mas não retiram espaço ao sorvete da região.
“Várias gerações estão habituadas a este paladar. Essas marcas há em todo o lado, e este só aparece em certos locais”, analisa João Fazenda, que afirma nunca ter vendido um gelado nos icónicos carrinhos, mas não tem mãos a medir para os transportar.
“Em agosto é sempre a andar. As três viaturas de transporte dos carrinhos nem chegam a arrefecer o motor”, sublinha o proprietário, que não consegue dar resposta a todas as solicitações.
Além das feiras e romarias, nos últimos anos têm sido procurados também para outro tipo de eventos e casamentos. Delmira Cardona acabou de desligar o telefone e lamenta mais um pedido para uma cerimónia a que dificilmente vai conseguir atender, por todos os carros terem destino definido.
“Hoje, quanto mais antigo, mais moderno”, enfatiza João Fazenda, para explicar a procura crescente de um gelado com uma fórmula em que há 74 anos “não se mexe”.
Inicialmente dos pais e tios de Delmira, a marca sempre esteve na família e os proprietários, com sete netos e três filhos, Pedro já envolvido no negócio, gostavam que assim continue e os gelados Ski continuem a estar presentes nos verões dos beirões.