Foi há já quase um ano (a 9 de setembro de 2022) que o governo aprovou, em Conselho de Ministros, a criação da Direção Executiva do SNS (DE-SNS). Daí para cá, a entidade, liderada por Fernando Araújo, tem vindo a assumir cada vez mais poderes — isto apesar de os estatutos (que servem também para definir com clareza as competências da Direção Executiva) ainda não terem sido publicados. A partir de quinta-feira, o rol de competências da DE-SNS aumenta: a entidade passa também a poder designar, por despacho, os membros dos órgãos de gestão de hospitais, institutos de oncologia, unidades locais de saúde e agrupamentos de centros de saúde, ou seja, os gestores do Serviço Nacional de Saúde.

Até hoje, a designação (e exoneração) dos membros dos órgãos de gestão do SNS era feita pelo Governo através dos titulares das pastas das Finanças e Saúde, sob proposta da Direção Executiva do SNS. No entanto, na prática, a DE-SNS já tinha, desde a sua criação, o poder de decisão, uma vez que as propostas feitas ao Ministério da Saúde nunca foram rejeitadas, apurou o Observador.

Direção Executiva já nomeou e reconduziu administrações de grandes hospitais

Foi, por exemplo, a DE-SNS a propor em dezembro de 2022, a nomeação de um novo conselho de Administração para o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (que inclui o Hospital de Santa Maria). Em fevereiro deste ano, tomaria posse como presidente a ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos Ana Paula Martins. O mesmo aconteceu no Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), cujo conselho de administração anterior tinha chegado ao final do mandato. Desde o mês passado, que este hospital, um dos maiores do país, é liderado pelo administrador hospitalar Luís Miguel Gouveia, proposto pela DE-SNS.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já no início deste ano, a DE-SNS propôs a recondução do conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central, que estava em gestão há um ano. Em março, a manutenção da equipa, liderada pela ex-secretária de estado Rosa Valente de Matos, seria confirmada. Aliás, a criação da DE-SNS permitiu à tutela ‘resolver’ muitas das nomeações pendentes a nível hospitalar. Mais um exemplo: no início do mês passado, foi nomeada uma nova equipa de gestão para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, que tinha a administração anterior em gestão (isto é, com o mandato expirado) há mais de um ano.

No que diz respeito aos vencimentos dos gestores hospitalares, estes estão definidos no Estatuto do Gestor Público. Os presidentes dos conselhos de administração e os vogais têm a remuneração indexada à do primeiro-ministro. Assim, e consoante a dimensão do centro hospitalar/hospital em causa, os vencimentos dos presidentes variam entre 55 e os 85% do rendimento mensal do primeiro ministro, que, em 2022, era de 5792 euros brutos. Já a remuneração dos vogais representa 80% do vencimento dos presidentes.

A partir desta quinta-feira, dia 17 de agosto, as nomeação e exonerações de gestores dos estabelecimentos do SNS deixam de passar pelos Ministérios da Saúde e das Finanças, tornando o processo mais célere. “Ao trabalho já realizado nos últimos meses em diferentes nomeações, acresce apenas a formalidade administrativa da elaboração e publicitação do despacho de nomeação, que até aqui competia aos Ministério da Saúde e das Finanças”, sublinha, em resposta ao Observador, o Ministério da Saúde.

Com esta medida, “pretende-se reforçar o papel operacional da DE-SNS no planeamento e gestão estratégica do SNS, tornando o processo de nomeação mais rápido e eficiente, com o entendimento de que existe vantagem em estabelecer uma ligação direta entre a responsabilidade de orientar de forma global o funcionamento do SNS e o poder de nomear os seus conselhos de administração, que não deve estar dependente do Governo em funções”, diz o Ministério, liderado por Manuel Pizarro.

A intenção do governo, de desgovernamentalizar os cargos do SNS, merece os aplausos dos administradores hospitalares. “Era frequente vermos nomeações que pareciam ter um cariz partidário, que que nos deixavam as maiores dúvidas. Pessoas que não tinham um percurso e uma formação específica necessários, sem provas dadas na gestão hospitalar”, lembra o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, expressando o desejo de que, com o poder de nomeação agora concentrado na Direção Executiva, as escolhas de caráter político “terminem e que a DE-SNS tenha maior rigor e exigência nas nomeações”.

Xavier Barreto realça que “mais importante do que quem nomeia, é mais relevante saber quem se nomeia e porquê”, acrescentando que “faz sentido que seja o diretor-executivo do SNS [Fernando Araújo] a nomear os dirigentes do hospitais e dos ACES [agrupamentos dos centros de saúde] do SNS”.

“Trabalho da DE-SNS estaria mais legitimado se existissem estatutos”, dizem administradores hospitalares

No entanto, ao mesmo tempo que o Ministério da Saúde reforça os poderes da DE-SNS — que tem, neste momento, competências de reorganização das urgências pediátricas e obstétricas, de alocação de recursos humanos ou de reorganização da arquitetura das instituições do SNS, com a criação de mais Unidades Locais de Saúde, por exemplo –, os meses passam e os estatutos da entidade continuam por aprovar. Questionado de novo sobre o tema, o Ministério diz agora, ao Observador, que “os estatutos da DE-SNS encontram-se a ser ultimados, sendo este um processo que exige alguma maturação e que implica harmonizar a nova direção operacional no universo de entidades do SNS, em articulação com as áreas governativas competentes”.

Aprovação dos estatutos da Direção Executiva do SNS entrou “na fase final”, garante Ministério da Saúde

Há cerca de um mês, uma fonte oficial do Ministério da Saúde garantia ao Observador que a aprovação, que depende de uma portaria conjunta de três ministérios (Saúde, Finanças e Presidência), só deveria estar concluída dentro de algumas semanas, o que se está, de resto, a verificar. Continuam, assim, por definir aspetos básicos de qualquer entidade: o orçamento, o número de departamentos e de trabalhadores, a organização interna. E, mais relevante para os portugueses, os poderes da Direção Executiva em algumas das funções que lhe foram atribuídas, uma vez que várias dessas funções ainda se encontram, até à aprovação dos estatutos, nas mãos de outras instituições na esfera do SNS, como a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e as Administrações Regionais de Saúde (ARS). É o caso da gestão de recursos humanos nos centros de saúde (cujas necessidades são reportadas pelas ARS ao Ministério da Saúde, que contrata os profissionais) ou gestão dos equipamentos e gestão dos cuidados continuados

“É mau que continuemos nesta situação passados tantos meses. O trabalho da DE-SNS estaria mais legitimado e teria mais força se existissem estatutos, que descrevessem de forma clara as funções“, considera Xavier Barreto. A ausência de estatutos “cria problemas e zonas cinzentas”, diz. “Este atraso não beneficia ninguém. As ARS têm a sua extinção pré-anunciada para o final deste ano, uma vez que grande parte das suas competências passaria para a Direção Executiva. Veremos se esse prazo se cumpre ou não”, sublinha o responsável.