Entre entrar e sair, passaram apenas 20 minutos. O registo da prisão de Fulton lista as 13 acusações do preso número P011350809 e descreve um homem branco, com 1 metro e 90, 97,5 quilos (quase menos dez face a 2018), cabelo “loiro ou morango”, olhos azuis. E, desta vez, teve direito à “fotografia de detido”, o que faz do 45.º presidente dos Estados Unidos o primeiro Chefe de Estado deste país a ter a famosa mugshot.

Donald Trump entregou-se pelas 19h30 desta quinta-feira (hora local, já sexta-feira em Lisboa) às autoridades do estado da Geórgia no âmbito de um processo criminal em que é acusado de conspiração para tentar alterar os resultados das eleições presidenciais de 2020.

“O que aconteceu aqui foi uma justiça travestida. Não fizemos nada de errado. Não fiz nada de errado e todos sabem disso”, declarou o ex-presidente dos Estados Unidos, de partida, no aeroporto de Atlanta, onde fez uma breve declaração aos jornalistas. “O que estão a fazer é interferência eleitoral”, continuou Donald Trump, numa alusão à campanha presidencial para regressar à Casa Branca em 2024.

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“Não fizemos nada de errado e temos todo o direito, todo o direito, de contestar uma eleição que consideramos desonesta”, declarou, reforçando a tese de fraude nas eleições, aquela que tem vindo a defender desde que perdeu o lugar na Sala Oval para Joe Biden.

Donald Trump viajou esta quinta-feira desde o seu clube de golfe em Bedminster, na Nova Jérsia, para se entregar na prisão do condado de Fulton, em Atlanta. Este é o quarto processo criminal contra Trump e o segundo em que é acusado de tentar subverter os resultados da votação. O ex-presidente viajou de avião e foi sempre acompanhado por um grande cordão de segurança.

Ex-chefe de gabinete de Donald Trump entrega-se numa prisão da Geórgia

À chegada à prisão de Fulton, foi recebido por apoiantes, incluindo Marjorie Taylor-Greene, congressista republicana da Georgia e apoiante fervorosa de Trump, que encorajou toda a gente a tirar a sua própria “fotografia de detido”, tal como ela fez, como forma de protesto. “Para ser solidária com o Presidente Trump, tirei a minha própria mugshot com o logótipo da prisão do Condado de Fulton e mudei a mina fotografia oficial no Twitter. Por isso, encorajo toda a gente a tirar a sua própria mugshot“.

Já era esperado que o atual candidato à nomeação republicana para as presidenciais de 2024 se apresentasse em Fulton esta quinta-feira. O próprio o confirmou com uma publicação na sua rede social Truth Social, em que afirmou que a sua “viagem” não ia ser por ter cometido qualquer homicídio, mas por ter “feito uma chamada perfeita” — uma referência a uma das provas da acusação. Ainda antes de se deslocar até lá, Trump voltou à carga nas redes sociais e lamentou ter de se deslocar até a Atlanta “para ser detido por uma procuradora radical esquerdista, Fani Willis, por um uma CHAMADA DE TELEFONE PERFEITA e ter a audácia de desafiar uma ELEIÇÃO ROUBADA. A EVIDÊNCIA É IRREFUTÁVEL”, afirmou.

Uma acusação como as da Máfia, um julgamento na TV e uma campanha presidencial inédita. A nova acusação a Trump é a mais grave até agora

O processo na prisão de Fulton já se previa ser rápido, uma vez que o antigo Presidente e os seus advogados já negociaram o valor da fiança e as condições para a sua libertação. Na segunda-feira foi revelado que a fiança foi fixada em 200.000 dólares (cerca de 184 mil euros) e que Trump está proibido de contactar e intimidar os arguidos ou testemunhas do processo, inclusive através das redes sociais.

A acusação de Trump pelo grande júri do condado de Fulton resulta de uma investigação de dois anos, iniciada depois de um telefonema de janeiro de 2021 em que o então Presidente norte-americano sugeriu que o secretário de Estado republicano da Geórgia poderia ajudá-lo a “encontrar 11.780 votos” em falta — os necessários para reverter a derrota frente a Joe Biden. “Não é possível eu ter perdido a Geórgia, não é possível”, repetiu Trump ao longo de toda a chamada, de cerca de uma hora, com Brad Raffensperger.

Além de Trump, há 18 outros arguidos no mesmo processo. Entre eles o chefe de gabinete da Casa Branca Mark Meadows, um funcionário do Departamento de Justiça da administração Trump, Jeffrey Clark, e o advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani.

Rudy Giuliani, acusado de liderar os esforços de Trump para obrigar os legisladores na Geórgia e em outros estados a nomear ilegalmente eleitores favoráveis a Trump, foi um dos primeiros a entregar-se às autoridades na Geórgia. Vários antigos advogados do ex-presidente, como Sidney Powell, Jenna Ellis e John Eastman, também já se apresentaram na prisão de Fulton.

Ex-advogado de Trump Rudy Giuliani entrega-se às autoridades da Geórgia

A procuradora distrital responsável por este caso, Fani Willis, já propôs que a leitura das acusações aos arguidos decorra na semana de 5 de setembro e que o caso vá a julgamento em março.

Os quatro processos de Trump

Esta é a quarta investigação judicial que recai sobre Donald Trump e, até agora, a que aparenta ser mais grave, com os procuradores a tentarem provar que o ex-Presidente e os co-conspiradores criaram uma organização entre si com o objetivo de alterar os resultados da eleição de 2020. Há ainda o caso do ataque ao Capitólio, no qual Trump foi formalmente acusado a 1 de agosto; as acusações de desvio de material classificado, que serão julgadas a partir de maio de 2024; e ainda o caso do alegado pagamento de subornos à atriz pornográfica Stormy Daniels, caso que avança para tribunal a partir de março do próximo ano.

O processo na Geórgia é diferente dos restantes. Trump é acusado ao abrigo de um instrumento conhecido por RICO, sigla para Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act (Lei para Organizações Corruptas e Influenciadas por Extorsão), normalmente utilizada para o crime organizado. Esta lei é usada por vários procuradores para acusar grupos por crimes graves — quando em causa estão várias atividades ilegais, em vez de vários pequenos crimes, garantindo uma pena mais pesada.

Ainda antes de comparecer esta quinta-feira em Fulton, Trump fez mudanças na sua equipa de defesa. A CNN avançou, citando fontes anónimas, que o antigo Presidente substituiu o advogado principal, Drew Findling, por Steven Sadow. O principal motivo para a mudança aparenta ter sido o facto de Sadow já ter anteriormente desafiado a lei RICO.

O avanço dos quatro processos pode ser uma dor de cabeça para Trump, candidato às primárias do Partido Republicano. Na quarta-feira decorreu o primeiro debate entre os aspirantes republicanos à Casa Branca, mas o ex-Presidente decidiu não comparecer. Ao invés, publicou minutos antes uma entrevista pré-gravada com o apresentador Tucker Carlson na propriedade de Bedminster. A entrevista, programada para ofuscar o debate, obteve 80,1 milhões de visualizações nas primeiras duas horas.