Do nada, a política entrou na estrada ao mesmo tempo da parte desportiva. “Que interessante que é ver toda a imprensa internacional a falar do comportamento pouco recomendável de Rubiales mas ninguém a fazer a denúncia do boicote à Vuelta por parte dos independentistas, aquela que negoceiam com o [Pedro] Sánchez. Vivemos numa manipulação total”, escreveu Isabel Díaz Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid, numa frase do Twitter que não demorou a ganhar grandes repercussões. Os vários episódios dos pioneses e pregos na estrada que já tinham sido vistos no Tour tiveram outro capítulo na Vuelta, antes de uma segunda etapa no domingo marcada sobretudo pela chuva que acabou por condicionar a própria classificação final.

“Tem sido caótico. Já furei três vezes, estou a ser atacado há muito tempo por pregos na estrada. Muito obrigado a essa pessoa. Não sei para quê, para nos matar?”, questionou Juan Ayuso (sem ligação à dirigente de Madrid), um dos líderes da UAE Team Emirates com João Almeida. “Houve muita tensão por causa da chuva, por isso é que fomos a pedalar com mais cautelas. Fiquei feliz só por chegar são e salvo. Ao contrário de ontem [sábado], que foi um desastre para a organização, tomaram a decisão certa porque a estrada estava muito escorregadia e parecia um ringue de patinagem”, acrescentou, antes de antever mais problemas na primeira etapa a subir em Andorra: “Vai ser muito complicado porque a previsão é que vá chover e a subida de dois ou três quilómetros é difícil e temos de pensar também nos dias que se seguem”.

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A segunda etapa trouxe as primeiras mudanças: Andreas Kron vence em Montjuïc, Andrea Piccolo veste de vermelho na Vuelta

Depois de um contrarrelógio por equipas a abrir que colocou a DSM como grande surpresa na frente a “dar” mais de 30 segundos à Jumbo-Visma de Primoz Roglic e Jonas Vingegaard, a segunda tirada com chegada a Barcelona teve muitas quedas e alguma polémica à mistura, com alguns dos favoritos a pedirem para que a etapa fosse neutralizada perante os perigos que comportava. A organização acabou por contabilizar assim os tempos que se verificavam a nove quilómetros da meta final, mesmo validando a vitória de Andreas Kron (Lotto) e a subida de Andrea Piccolo (EF Education) à liderança de uma geral sem grandes mexidas e que passava a contar com Nelson Oliveira, da Movistar, em sexto como melhor da “armada” portuguesa.

Uma serenata à chuva que deu surpresa: DSM-Firmenich vence contra-relógio inaugural da Vuelta, Jumbo fica no 11.º lugar

“Definitivamente não foi o meu dia de sorte mas isto também faz parte do ciclismo. Felizmente o trabalho foi bem feito e os nossos líderes passaram o dia sem percalços. Agora dormir de barriga para baixo ou para cima é que vai ser o desafio grande da noite”, comentou no final do dia Rui Oliveira, um dos corredores portugueses da UAE Team Emirates que mais sofreu com as quedas ao longo de uma etapa feita à chuva. Agora, aparecia a primeira tirada com montanha por Andorra, sendo que as previsões do tempo não eram as melhores, o que poderia voltar a gerar um enorme caos no pelotão, apesar de o dia até começar com sol.

As primeiras tentativas de fuga ainda que sem grandes resultados práticos acabou depois por fazer um grupo de 11 corredores mais forte do que se poderia pensar nesta fase da Vuelta: Damiano Caruso e Jasha Sütterlin (Bahrain), Amanuel Ghebreigzabhier (Lidl-Trek), Lennard Kämna (Bora), Jon Barrenetxea (Caja Rural), Eduardo Sepúlveda (Lotto), Pierre Latour (TotalEnergies), Andrea Vendrame (AG2R), Rune Herregodts (Intermarché), Mathis Le Berre (Arkea) e José Manuel Díaz Gallego (Burgos-BH). E se essa descolagem demorou cerca de 40 quilómetros, a criação de um “fosso” foi bem mais rápida, com cinco minutos de avanço a 90 quilómetros do final que deixava o pelotão pelo menos em alerta por Caruso e Kämna.

A Jumbo, ainda “ferida” pela derrota no contrarrelógio por equipas, assumiu de forma natural a cabeça do pelotão para aumentar o ritmo para os 11 da frente, sendo que também a Ineos e a Soudal Quick-Step se juntaram numa aliança entre equipas que tinham muito a perder caso Caruso e Kämna ganhassem mais de quatro minutos logo a abrir a Vuelta. Motivo? Apesar dos 30 segundos a menos para a fuga, a vantagem foi de novo para perto da casa dos cinco minutos dez quilómetros depois. A 70 quilómetros do final, os frutos dessa cooperação já se começavam a fazer sentir, com a vantagem a ficar abaixo dos quatro minutos que acabaria por não baixar no troço seguinte como se pensava, mantendo-se acima dos 3.30 minutos.

Era necessário algo mais para uma etapa que seria sempre a primeira de montanha mas que dificilmente se poderia pensar que tivesse estes traços a obrigar a um esforço extra por parte das principais equipas. Mais à frente já se começavam a ver alguns pingos de chuva, com a diferença entre fuga e pelotão abaixo dos três minutos e com o vento a sentir-se no pico da chegada, de tal forma que havia algumas lonas a voar entre um barulho que chegava via transmissão televisiva que no mínimo assustava. A 36 quilómetros do final, as movimentações começavam mais a sério com a chegada ao início do Coll d’Ordino, com Andrea Vendrame a conseguir ser o primeiro no sprint intermédio à frente de Rune Herregodts e Mathis Le Berre.

Percebendo o cair da diferença com o aumento do ritmo de um pelotão que também teve a DSM a andar na frente, Damiano Caruso, Jasha Sütterlin, Ammanuel Gehbreigzabhier, Lennard Kämna e Jon Barrenetxea foram atrás de José Manuel Díaz e trabalharam para formar um grupo fugitivo dentro dos fugitivos, mas Sepúlveda conseguiu colar em Caruso e Kämna para formar o trio que tentaria a sua sorte na etapa. Lá atrás as movimentações também começavam a suceder-se, com Jay Vine primeiro e Romain Bardet depois (que quando atacou fez a passagem por uma zona com muitas bandeiras de Portugal) a fazerem ataques para colocarem a diferença dentro de 1.30 minutos para manter tudo em aberto em relação à chegada, sendo que Wilco Kelderman saiu para andar na roda do francês enquanto a Soudal Quick-Step tentava “colar”.

Na descida, Sepúlveda, que tinha conseguido ganhar os dez pontos da passagem pela contagem de montanha, acabou por descolar de Caruso e Kämna, numa espécie de separação natural entre os candidatos à geral e um potencial corredor para fugas e somar pontos para a camisola de montanha. Atrás, a diferença ainda era de um minuto, com Gehbreigzabhier ainda a meio caminho com 40 segundos de desvantagem dos líderes, mas a Jumbo e a Emirates voltaram à cabeça do pelotão a preparar aquela que seria a subida decisiva para a vitória na etapa e a conquista da camisola vermelha que iria sempre deixar de ser de Andrea Piccolo. E se à partida o tempo seria curto para a fuga, os instantes iniciais aumentaram a diferença para 1.20 minutos.

Quando todos esperavam o ataque “final” do pelotão para reduzir distâncias, a desvantagem estabilizou no minuto e meio e Kämna e Caruso foram percebendo que tinham condições para ganhar a etapa perante toda a passividade do pelotão, com o alemão a forçar com alguns ataques aquilo que era a condição do italiano, que ao seu ritmo sem ter de ir ao choque se mantinha colado ao corredor da Bora. No pelotão, que já tinha absorvido Sepúlveda, Juan Ayuso aproveitava a boleia de Vine para aumentar o ritmo colocando João Almeida atrás de Remco Evenepoel e Primoz Roglic num grupo que começava a provocar cortes atrás e a diminuir e muito o espaço para os dois fugitivos perante as dificuldades que Kämna e Caruso sentiam.

Quando Caruso tinha sido apanhado e Kämna estava ao virar da curva, Juan Ayuso lançou-se na frente mas o ataque foi logo anulado pela Jumbo, que lançou vários corredores e isolou Sepp Kuss, com a Emirates a ter Marc Soler a colar na roda do norte-americano. Com isso, a distância que João Almeida tinha para a frente acabou por ser reduzida, num grupo onde andavam também Vlasov, Kelderman e Buitrago, entre outros. O último quilómetro chegava já com os dois grupos de novo colados, o que fazia com que as movimentações se pudessem resumir a um ataque nos derradeiros metros pela etapa. Remco Evenepoel tentou sair a 200 metros, Vingegaard respondeu mas o belga conseguiu mesmo ganhar a etapa e a camisola vermelha, com uma chegada atribulada em que bateu numa jornalista após a meta, caiu e abriu a zona do sobrolho.

Contas feitas, o líder da Soudal Quick-Step ganhou a etapa com chegada a Arinsal, em Andorra, com um segundo de vantagem sobre Jonas Vingegaard, Juan Ayuso, Primoz Roglic, Marc Soler, Enric Mas, Lenny Martínez, Cian Ijtdebroeks e João Almeida, que voltou a fazer um top 10 em etapa com a nona posição. Em termos de classificação geral, Remco Evenepoel assumiu a camisola vermelha à frente de Enric Mas (5”), Lenny Martinez (11”), Jonas Vingegaard (31”) e Aleksandr Vlasov (33”). Entre os outros favoritos, Roglic subiu a décimo (33”), seguido de Juan Ayuso (37”), Marc Soler (42”) e João Almeida (42”), agora em 12.º. Entre os outros portugueses, Rúben Guerreiro foi 40.º na etapa e subiu a 39.º da geral (3.12), ao passo que Nelson Oliveira, também da Movistar, foi apenas 69.º e desceu à 63.ª posição da geral (9.53).