O “País não está destinado a qualificações que muitos pensavam ser endemicamente reduzidas, nem à emigração”. Esta é uma das ideias principais de uma análise publicada esta segunda-feira pelo Banco de Portugal e que é assinada pelo próprio governador Mário Centeno. Na primeira vez que o supervisor financeiro publica este documento, Mário Centeno diz também que “começa a ser material” o risco de se ir longe demais no aperto da política monetária por parte do BCE.

Tem quatro páginas o documento que o Banco de Portugal classifica como uma análise do governador ao atual momento da economia. Algumas das ideias já têm vindo a ser defendidas por Mário Centeno nas apresentações do Boletim Económico trimestral do Banco de Portugal, incluindo a ideia de que está em curso uma “revolução silenciosa” no campo das qualificações.

Estamos a acumular e a reter capital humano qualificado. Nos últimos vinte anos, a escolaridade dos nossos jovens passou do último lugar na área do euro para os lugares cimeiros (de 40% dos jovens com pelo menos o ensino secundário para 89%). Mas vamos a meio caminho desta revolução silenciosa, que não podemos abandonar”, escreve Mário Centeno.

Centeno diz que ao “aumento de oferta qualificada o mercado de trabalho respondeu, criando emprego nos setores com melhores remunerações; o emprego privado em setores que pagam salários acima da média cresceu 44% face a 2015 e 29% nos restantes setores”. “A formação dos nossos jovens e a criação de empregos qualificados não é um processo instantâneo; devemos mostrar toda a nossa temperança”, acrescenta o governador do Banco de Portugal.

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De resto, a análise de Mário Centeno vem em linha com a mensagem de otimismo que tem passado desde que assumiu a liderança do Banco de Portugal. “No final do primeiro semestre, a economia portuguesa destacava-se entre as suas congéneres europeias“, diz o governador, destacando as “contas públicas entre as mais equilibradas”, o “endividamento público e privado numa trajetória de redução” e o “sistema financeiro estável e aliado da economia”.

Contudo, ressalva o governador do Banco de Portugal, “enfrentamos uma encruzilhada de políticas para reduzir a inflação e responder ao abrandamento da economia”.

Uma encruzilhada de políticas não é mais do que a necessidade de utilizar a cooperação institucional, como no passado recente da Europa e do país, para garantir uma saída bem-sucedida para os nossos desafios”, escreve o governador.

Mário Centeno destaca, na frente orçamental, “deve preservar-se o equilíbrio para reduzir a dívida num contexto de inflação baixa e taxas de juro mais elevadas”. Em particular, o governador do Banco de Portugal sublinha que “o peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019, mas deve reduzir-se para garantir a sustentabilidade ao longo do ciclo económico”.

70 mil famílias vão gastar mais de 50% do salário com o crédito à habitação

Assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas“, remata Mário Centeno.

A este respeito, Centeno nota que “no final de 2023, cerca de 70 mil famílias poderão vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido. No final 2021, já eram 36 mil famílias, acrescenta o documento.

“O reforço da poupança e a redução do endividamento, bem como os apoios públicos e o papel do setor bancário na prevenção do incumprimento podem mitigar estes riscos”, recomenda o governador do Banco de Portugal

Banco de Portugal vê a economia a crescer ainda mais, 2,7%, e Centeno pede “estabilidade”

“A inflação deverá aproximar-se dos 2%”, já que “na ausência de novos choques e com a materialização da transmissão da política monetária à economia, o objetivo de médio prazo está ao nosso alcance no horizonte próximo”, defendeu o governador do Banco de Portugal.

A análise de Mário Centeno surge antes da reunião da próxima semana do Conselho de Governadores do BCE, que segundo as intervenções dos responsáveis será baseada em dados. “O enquadramento económico (externo) mostra sinais de desaceleração e mesmo com dimensões recessivas. Os indicadores económicos da área do euro divulgados em julho não são animadores, mas o cenário em que evitamos uma recessão está ainda no centro das nossas avaliações”, afirma Mário Centeno.