Milhares de pessoas receberam esta segunda-feira em euforia a equipa saudita do Al-Nassr, capitaneada pelo português Cristiano Ronaldo, nas ruas de Teerão, capital do Irão, onde o clube vai jogar esta terça-feira.

Os autocarros amarelos que transportavam a equipa saudita até ao hotel onde os jogadores vão ficar foram escoltados pela polícia iraniana, mas os esforços das autoridades foram insuficientes para impedir que a multidão de adeptos invadisse a unidade hoteleira — o que terá levado, inclusivamente, ao cancelamento do primeiro treino do Al-Nassr em território iraniano de acordo com informações divulgadas nas redes sociais

Vídeos divulgados online pelo próprio Al-Nassr mostram uma enorme multidão a rodear e a perseguir os autocarros da equipa pelas estradas. Imagens captadas a partir do interior dos autocarros mostram dezenas de pessoas a empunhar cartazes com fotografias de Cristiano Ronaldo.

Como explica a agência Reuters, esta é a primeira vez desde 2016 que uma equipa saudita visita o Irão. Desde esse ano, os jogos entre equipas sauditas e iranianas têm sido disputados em território neutro, devido às complicadas relações diplomáticas entre os dois países — os cidadãos sauditas estavam impedidos de entrar em território iraniano.

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Contudo, um acordo entre as duas federações de futebol permitiu que os jogos entre as equipas dos dois países pudessem voltar a ser disputados num ou noutro país, de acordo com um anúncio recente da Confederação Asiática de Futebol (AFC na sigla inglesa, o organismo equivalente à UEFA que tutela o futebol na Ásia).

A chegada do Al-Nassr foi, por isso, um acontecimento que motivou grande euforia nas ruas de Teerão — sobretudo devido à presença de Cristiano Ronaldo.

O Al-Nassr encontra-se em território iraniano para jogar, na terça-feira, contra o Persepolis FC, clube com sede em Teerão, para a fase de grupos da Liga dos Campeões da AFC.

À chegada, um grupo de adeptos do Persepolis FC ofereceu a Cristiano Ronaldo um tapete persa artesanal, com uma frase de boas-vindas: “Sr. Cristiano Ronaldo, bem-vindo ao Irão. Um sinal de agradecimento, uma obra de arte original, tecida à mão por artistas iranianos para comemorar a sua presença no Irão, em nome dos fãs do Persepolis.”

Uma enorme multidão, com destaque para muitas crianças e jovens vestindo camisolas do Al-Nassr e da Seleção Portuguesa com o nome e o número de Ronaldo, rodeou o autocarro do clube até à entrada no hotel — e, apesar do forte policiamento da área, um grupo de adeptos conseguiu mesmo invadir o hotel.

Clube iraniano quer dar cartões SIM especiais a Ronaldo para evitar bloqueios de internet

Desde que Cristiano Ronaldo trocou o Manchester United pelo Al-Nassr, em janeiro deste ano, vários futebolistas de clubes europeus têm assinado por clubes sauditas, o que tem dado uma grande visibilidade à liga saudita — que Cristiano Ronaldo até já disse ser muito “competitiva”.

O enorme investimento financeiro da Arábia Saudita no futebol tem, por outro lado, motivado duras críticas. Depois da contratação de Ronaldo pelo Al-Nassr, a Amnistia Internacional acusou o país de sportswashing — ou seja, de estar a usar a promoção do desporto para distrair o mundo das muitas violações dos direitos humanos praticadas no país.

Só desde o início deste ano, a Arábia Saudita já executou mais de 100 pessoas, muitas delas por crimes menores, incluindo tráfico de droga, e também por delitos relacionados com a prática da religião islâmica. Um cidadão foi mesmo condenado à morte por ter escrito críticas à família real saudita no Twitter.

No mesmo sentido, também no Irão a promoção do desporto é razão para abrir exceções à repressão governamental. Segundo a Al Jazeera, o presidente do Persepolis FC pediu à principal operadora de comunicações iraniana, a Irancell, que desse aos jogadores do Al-Nassr cartões de telemóvel especiais, com acesso livre à internet — ao contrário da maioria dos cidadãos iranianos, que enfrentam fortes bloqueios no acesso à internet.

“Falei com o CEO da Irancell e disse-lhe que queremos dar aos jogadores e funcionários [do Al-Nassr] cartões SIM da Irancell com acesso irrestrito à internet, para que o possam usar desde que entram no Irão até ao momento em que saírem”, disse o presidente do clube de Teerão, Reza Darvish.

Em declarações citadas pela Al Jazeera, Darvish disse que há quem queira “manchar” a reputação do Irão, dizendo aos futebolistas para não irem ao Irão já que ali não terão acesso à internet.

Como explica a Al Jazeera, há fortes restrições à internet no Irão, onde milhares de sites estão bloqueados, bem como a maioria das plataformas e redes sociais mais usadas do mundo. Desde setembro do ano passado, depois da morte de Mahsa Amini às mãos da polícia e dos protestos que se seguiram, a internet no Irão sofreu ainda mais bloqueios — uma vez que os protestos estavam a ser convocados através de plataformas digitais.

A possibilidade de Ronaldo e os companheiros de equipa receberem cartões especiais para acederem livremente à internet causou grande tumulto no Irão, com vários cidadãos a mostrarem-se contra a atribuição de mais direitos aos futebolistas do que aos iranianos que vivem no seu próprio país.