O Paço Episcopal do Porto foi o local escolhido esta quinta-feira por Américo Aguiar para reagir à nomeação como o novo bispo de Setúbal, que toma posse a 26 de outubro. E a escolha do local teve um significado: “No verão de 1975 esta casa viveu este mesmo acontecimento, quando o senhor D.Manuel Martins foi nomeado bispo de Setúbal”, recorda o também futuro cardeal e ainda bispo auxiliar de Lisboa.
As semelhanças com o percurso do primeiro bispo de Setúbal são, aliás, várias e enumeradas por Américo Aguiar: ambos nasceram em Leça do Balio, no concelho de Matosinhos, foram sacerdotes no Porto e ambos responsáveis pela Irmandade dos Clérigos. “Dom Manuel Martins ganhou o nome de ‘bispo vermelho’. E agora o Santo Padre escolheu um bispo que não podia ser mais vermelho — um cardeal”, reforça, referindo que quer levar a Setúbal “a sensibilidade às causas de D.Manuel Martins” e “o afeto e o carinho de D.António Francisco”. E, por isso, terá também como prioridade na nova função as causas sociais e o contacto com “todos, todos, todos”.
Vou ao encontro destes irmãos e irmãs, de todos, todos, todos aqueles que habitam, que trabalham, que criam emprego, que visitam, que passam por este território da Península de Setúbal para fazer caminho com eles. Não tenho programa nem levo apontamentos para fazer o que quer que seja — era o que faltava — e o que vou fazer é aquilo que o Papa nos pede: ouvir, falar, partilhar, refletir e depois pedirmos ao Espírito Santo que nos diga qual é o caminho. É isso que quero fazer com todos”, acrescentou, em declarações aos jornalistas na manhã desta quinta-feira.
O novo bispo de Setúbal vai ainda conhecer melhor o território para fazer o caminho numa diocese que estava sem bispo há quase dois anos, depois da nomeação de José Ornelas como bispo de Leiria-Fátima. “Vou ouvir os jovens, os sacerdotes, as autoridades…ouvir todas as pessoas. Não sou o salvador da pátria, não sou Messias, não sou nada disso, mas sou um fazedor. Toda a gente que precisar de ajuda – empresas, pesca, agricultura, universidade, das mais diversas realidades – podem contar comigo para tudo aquilo que for necessário. Estou de mangas arregaçadas com toda a disponibilidade”, garante.
Depois de alguma especulação sobre o futuro de Américo Aguiar na sequência da nomeação cardinalícia (chegou a falar-se da possibilidade de ser o próximo patriarca de Lisboa ou de ir para Roma ocupar um cargo de relevo na Cúria Romana), o Papa Francisco desfez as dúvidas e nomeou-o para bispo de Setúbal. Questionado sobre se gostaria da hipótese de ir para Roma, o novo bispo de Setúbal admitiu que ao longo das semanas foi pensando em vários cenários sobre o seu futuro, mas que está pronto e de “coração cheio” para a nova missão.
“Durante semanas vivi vários cenários. Vou, não vou, como é que vai ser, como é que não vai ser…humanamente tinha curiosidade, mas sou escoteiro e, portanto, tenho sempre a mochila com o mínimo e fiquei à espera que o Papa me dissesse aquilo que entendia”, explicou, acrescentando que entendeu “na totalidade e na profundidade o sentido quanto a esta missão”.
O importante é que cada um de nós assuma a missão que lhe é entregue e ao longo destes 21 anos de padre já apanhei com várias. Esta é mais uma que acolho. Se tinha gosto de ir para Roma, para um gabinete, para um Dicastério? Digo-vos que às vezes, ao pensar, tinha, mas depois pensava melhor e nem por isso. Em razão do meu estilo, do meu perfil de fazedor…não sei como é que seria, não faço ideia e não é questão que se coloque. Quando passei a saber [da nomeação como bispo de Setúbal) fiquei de coração cheio, pleno e total para aquilo que é nova missão”, destacou.
Américo Aguiar garante que JMJ “correu bem e deu lucro”
Américo Aguiar foi também o principal rosto da organização da Jornada Mundial da Juventude, que se realizou este ano em Lisboa. O novo bispo de Setúbal revelou ainda esta quinta-feira que as contas do evento deverão ser apresentadas nas próxima semanas, entre outubro e novembro, mas acredita que a JMJ “correu bem e deu lucro”.
“A Jornada Mundial da Juventude, desta vez, não correu mal, nem deu prejuízo. Portanto, parece-me que correu bem e deu lucro”, disse, assegurando que o lucro da JMJ será todo aplicado em projetos em prol dos jovens, nomeadamente de Lisboa e Loures dado terem sido os municípios que mais investiram no evento. “Não ficará um cêntimo para a Igreja Portuguesa, nem um cêntimo”, garantiu.
A expectativa de Américo Aguiar é apresentar as contas da JMJ dentro de algumas semanas, nomeadamente entre os meses de outubro e novembro: “Estamos quase, penso que mais algumas semanas a fechar os dossiês de pagamentos de alimentação, dos transportes e de outras coisas para vos poder dizer, porque tenho o compromisso com Portugal e com os portugueses de mostrar tudo”, sublinhou.
Sobre as críticas à demora da apresentação das contas, Américo Aguiar revelou que a logística dos pagamentos não é fácil, acrescentando que estão em causa “aproximadamente quase 2.000 operadores de restauração que enviaram as suas faturas, sendo preciso verificar um a um, certificar os IBAN, os números de contribuintes e os protocolos”.
“Tolerância zero” na igreja e na sociedade para abusos sexuais
Na nova missão em Setúbal, uma das prioridades que Américo Aguiar quer levar é o tema dos abusos sexuais na Igreja Católica. O novo bispo refere que “a tolerância é mesmo e tem que ser mesmo zero” tanto para a Igreja como para toda a sociedade e reforça a necessidade de continuar a investir na prevenção destas situações e “tratar as que existem do passado e aquelas que, infelizmente, surjam”.
Para Américo Aguiar, continuam a acontecer “demasiados casos de abusos sexuais” em Portugal, o que significa que ainda não se fez tudo para a tolerância zero: “Ainda há corações e mentes que, porventura, por doença ou por maldade, continuam a não se converter”. A Igreja, diz, fez o seu trabalho “mais ou menos de boa vontade e de sorriso aberto” com sofrimento e dificuldades. Mas, acrescenta, o sofrimento e as dificuldades que a Igreja Católica vive não se comparam com o sofrimento de uma vítima que seja.
E, portanto, nada de confundir cenários. Nós temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que os e as corajosas que tiveram a heroicidade de abrir o seu coração e partilhar esses momentos negros das suas vidas se sintam acolhidas, protegidas, amadas, cuidadas e acompanhadas”, frisou.
Assumindo que o caminho “continua a fazer-se”, referiu que o lugar da vítima em 2019 “não é exatamente o lugar da vítima hoje”. Dado que, ressalvou, o lugar da vítima hoje é de “prioridade e de importância total”.