Depois de Paulo Guichard, há um segundo ex-administrador do Banco Privado Português. Trata-se de Fernando Lima, de 53 anos, que foi detido esta manhã no âmbito de um mandado de condução à prisão emitido pelo Juízo Central Criminal de Lisboa.
Ao que o Observador apurou, Fernando Lima foi detido em Setúbal, onde mora, e encontra-se provisoriamente detido no estabelecimento prisional desta cidade. O Observador não tem a informação se será neste estabelecimento prisional onde irá cumprir a pena de seis anos à qual foi condenado.
Fernando Lima foi condenado em maio de 2021 pelo Tribunal Judical da Comarca de Lisboa a uma pena efetiva de seis anos de prisão efetiva pelos crimes de abuso de confiança qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Está em causa a apropriação de cerca de 2,193 milhões de euros de prémios indevidos que a administração liderada por João Rendeiro decidiu auto-atribuir a todos os administradores entre 2003 e 2008.
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou em fevereiro de 2022 os factos e a pena decidida pela primeira instância e o Tribunal Constitucional recusou liminarmente o último recurso de Fernando Lima em julho último, ainda antes das férias judiciais — tendo o acórdão transitado em julgado no dia 8 de setembro.
Rejeitados requerimentos da prescrição e da amnistia da Jornada Mundial da Juventude
Tal como o Observador noticiou, a defesa de Fernando Lima ainda tentou impedir a execução da pena de prisão com dois requerimentos em que alegava a prescrição dos crimes de fraude fiscal qualificada e a solicitava a aplicação da amnistia da Jornada Mundial da Juventude — sendo que Lima tem 53 anos e a amnistia é dirigida apenas aos cidadãos com menos de 30 anos, à data dos factos criminosos imputados.
A advogada Ana Quintino requereu ao tribunal de primeira instância que fosse “reconhecida a inconstitucionalidade” da lei da amnistia, “na parte em que limita o seu âmbito na aplicação a pessoas que tenham até 30 anos à data da prática dos factos, por violação do princípio da igualdade”, lê-se no requerimento já noticiado pelo Observador.
Ora, a juíza Tânia Loureiro Gomes decidiu rejeitar esta quinta-feira todos os argumentos da defesa de Fernando Lima.
Quase 15 anos depois da queda do BPP, dois ex-administradores estão à beira de serem presos
Em primeiro lugar, a magistrada considerou que nenhum princípio constitucional tinha sido violado, pois o legislador não estabeleceu qualquer diferenciação arbitrária, desproporcional ou desequilibrada entre grupos etários de cidadãos. Logo, não sendo a lei da amnistia inconstitucional, o perdão de 1 ano na pena não pode ser aplicado a Fernando Lima, mantendo-se a pena de prisão de seis anos.
Por outro lado, não ocorreu qualquer prescrição dos crimes pelos quais Fernando Lima foi condenado. Isto porque a juíza Tânia Loureiro Gomes considerou que a contagem de prescrição inicia-se no ano de 2008 — tendo em conta o facto de o crime de fraude fiscal qualificada ter tido prática continuada e o último ano em que Fernando Lima não declarou ao Fisco os fundos recebidos ilicitamente.
Logo, e tendo em conta o prazo máximo de prescrição de 18 anos, o crime só prescreveria em 2026.
A defesa entendia que a contagem se devia iniciar em julho 2005, quando o primeiro crime de fraude fiscal qualificada foi consumado, o que faria com que o crime tivesse prescrito a 1 de setembro de 2023, segundo as contas de Ana Quintino. Mas a juíza Tânia Loureiro Gomes não acolheu os seus argumentos.
Há mais um ex-administrador do BPP prestes a ser preso
No caso do chamado processo dos prémios do BPP, há mais dois ex-administradores do BPP que têm penas de prisão efetiva pendentes mas ainda com recursos que irão ser analisados em breve no Supremo Tribunal de Justiça. Tratam-se de Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.
Guichard já está a cumprir pena de prisão superior a quatro anos no Estabelecimento Prisional de Custóias, após ter transitado em julgado a respetiva condenação no caso da falsificação da contabilidade do BPP. E neste caso dos prémios foi igualmente condenado a uma pena de prisão efetiva de 9 anos e seis meses por se ter apropriado de sete milhões de euros.
Salvador Fezas Vital levou a mesma pena de prisão efetiva de 9 anos por se ter apropiado de um valor muito semelhante ao de Guichard.
João Rendeiro foi condenado a uma pena de 10 de anos de prisão por se ter apropriado da maior quantia: cerca de 13,6 milhões de euros. Rendeiro colocou-se em fuga após o trânsito em julgado do processo relacionado com a falsificação da contabilidade onde também foi condenado a uma pena de prisão de 5 anos, tendo morrido em maio de 2022 numa prisão da África do Sul, onde aguardava a decisão da justiça local sobre um pedido de extradição para Portugal.
Fezas Vital foi ainda condenado a uma pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses no chamado caso da queixa do embaixador Júlio Mascarenhas — um cliente do BPP que foi burlado pelos administradores do banco e perdeu 225 mil euros das suas poupanças.
Como o Observador já noticiou, o Supremo Tribunal de Justiça já determinou o trânsito em julgado dessa pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses.
Contudo, como admitiu um recurso para o Constitucional relativo ao pagamento de uma indemnização cível no valor do montante perdido por Júlio Mascarenhas (visto que a parte da pena relativa à indemnização cível ainda não transitou em julgado), a juíza conselheira Helena Moniz, titular dos autos no STJ, ainda não enviou os autos para a Relação de Lisboa com nota de trânsito.
O que é o caso dos prémios do BPP?
O chamado processo dos prémios do BPP diz respeito a um valor total de cerca de 30 milhões de euros que João Rendeiro, Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima decidiram atribuir a si próprios pelos alegados resultados positivos na gestão do BPP no período entre 2005 e 2008.
Tal como Fernando Lima, também os ex-administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital foram condenados pelos crimes de crimes de abuso de confiança qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. O mesmo aconteceu com João Rendeiro, que morreu numa prisão na África do Sul em maio de 2022 , depois de ter estado foragido à justiça portuguesa.
Contudo, as penas de Guichard (que se encontra a cumprir pena de prisão superior a quatro anos na prisão de Custóias devido a outro processo do caso BPP) e de Fezas Vital admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — que em breve irá analisar os pedidos desses dois ex-gestores do caso BPP.
Do valor total, mais de 28 milhões de euros que foram foram retirados do BPP entre 2005 e 2008, distribuiram-se da seguinte forma:
- João Rendeiro — 13,613 milhões de euros
- Salvador Fezas Vital — 7,770 milhões de euros
- Paulo Guichard — 7,703 milhões de euros
- Fernando Lima — 2,193 milhões de euros
Rendeiro e outros ex-administradores do BPP foram acusados neste processo pela procuradora Ana Margarida Santos (então no DIAP Regional de Lisboa e que é agora procuradora delegada da Procuradoria Europeia) dos já referidos crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificada e branqueamento de capitais.
Na prática, os ex-gestores foram acusados por se terem apropriado indevidamente de fundos do próprio banco. Acresce que não os terão alegadamente declarado ao fisco e ainda terão alegadamente realizado operações de branqueamento de capitais.
Após analisar os recursos sobre a condenação dura do Juízo Central Criminal de Lisboa de maio de 2021, a Relação de Lisboa manteve as mesmas penas a 23 de fevereiro de 2022. Isto é, havendo uma ‘dupla conforme’ e uma pena inferior a oito anos de prisão, não foi possível a Fernando Lima recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Lima perdeu a última reclamação no Constitucional ainda antes das férias judiciais e a 8 de setembro os autos ficaram com nota de trânsito em julgado e começaram a baixar para a primeira instância.
Corrigida a informação sobre o estabelecimento prisional onde Fernando Lima está detido após contacto da porta-voz da PSP de Setúbal com o Observador