Por mais testemunhos que digam que Roger Waters é antissemita, “ele nunca será a primeira pessoa” a admiti-lo. Pelo contrário, dirá ainda que é “a favor de toda a gente”. Foi esta a aposta que o produtor de música Bob Ezrin — que ajudou a criar o álbum The Wall, da banda Pink Floyd — lançou para o ar no documentário The Dark Side of Roger Waters, produzido pela Campaign Against Antissemitismo (CAA), uma associação que se dedica a expor casos de preconceito e discriminação contra judeus. E não foi preciso muito tempo para a vencer.

Menos de uma semana depois da estreia do filme que mostrou depoimentos de pessoas lesadas pelas declarações polémicas do ex-vocalista da banda fundada em 1964 contra a comunidade judaica, Roger Waters emitiu um comunicado a atacar “aqueles que pretendem confundir” a sua posição contra a violência do governo israelita sobre a Palestina “com o antissemitismo”, acrescentando que “prestam um mau serviço a todos”.

Toda a minha vida utilizei a plataforma que a minha carreira me proporcionou para apoiar causas em que acredito. Acredito apaixonadamente nos direitos humanos universais. Sempre trabalhei para tornar o mundo um lugar melhor, mais justo e mais equitativo para todos os meus irmãos e irmãs, em todo o mundo, independentemente da sua etnia, religião ou nacionalidade, desde os povos indígenas ameaçados pela indústria petrolífera dos EUA até às mulheres iranianas que protestam pelos seus direitos”, disse, num comunicado publicado no seu website.

O artista, que deu dois concertos em Lisboa em março, alegou ainda que a associação CAA tem, como “principal objetivo”, “fazer campanhas políticas partidárias contra os críticos do Estado de Israel” e acusou-a de “distorcer e deturpar totalmente” as suas opiniões.

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  • A verdade é que sou frequentemente desbocado e propenso à irreverência. Mas posso dizer, com toda a certeza, que não sou, nem nunca fui, um antissemita — como qualquer pessoa que me conheça realmente testemunhará. Sei que o povo judeu é um grupo diverso, interessante e complicado, tal como o resto da humanidade. Muitos são aliados na luta pela igualdade e pela justiça, em Israel, na Palestina e em todo o mundo”, garantiu.

Em causa, estão as declarações proferidas por Bob Ezrin e Norbert Statchel, seu antigo saxofonista, no documentário que estreou na semana passada no Youtube.

Como descendente de família judaica, Norbert Statchel sentiu na pele as opiniões controversas de Roger Waters. E, durante a sua entrevista para o filme, viajou até 20o2, quando o músico alegadamente gozou com a sua avó falecida.

Tudo começou quando contou a Waters que tinha raízes judaicas e que os seus familiares tinham sobrevivido ao Holocausto, em Minsk, capital da Bielorrússia, e na Polónia.

Aí, o ex-vocalista perguntou se ele tinha familiares do lado paterno. “Não, que eu saiba. Acho que foram todos mortos”, respondeu, sem adivinhar o que viria a seguir.

“Oh, eu posso ajudar-te a conhecer os teus entes perdidos. Posso até introduzir-te à tua falecida avó”, disse Waters, antes de imitar uma “mulher polaca desagradável”. “Pronto, já conheceste a tua avó. Como te sentes agora?”, perguntou, após a sua performance.

Este não foi o único momento em que o saxofonista se sentiu desconfortável perto de Waters. No mesmo ano, teve de assistir a uma cena do artista, num restaurante tipicamente libanês.

Statchel lembra-se perfeitamente de ver chegar diversos pratos vegetarianos à mesa onde ambos estavam sentados com os restantes músicos e elementos da produção.

“Os músicos estavam a queixar-se e o Roger decidiu falar, porque, como o porta-voz, acho eu, tinha de tomar o controlo da situação”, descreveu, sem especificar o que terá dito Roger Waters, que tem agora 80 anos.

O que quer que seja que o cantor e compositor tenha dito resultou. Após o 12.º ou 13.º prato, o empregado de mesa, que “já parecia intimidado com a atitude e com a arrogância” da mesa, trouxe finalmente um de carne.

“O Roger puxou-o com o braço e disse: ‘É isso mesmo. É isso mesmo. Onde está a carne? O que é isto? Isto é comida de judeu! Leve daqui a comida de judeu'”, encarnou o saxofonista.

Segundo Waters, a CAA chegou a contactá-lo, dando um prazo de “sete dias, para responder a várias questões sobre assuntos relativos aos anos 2002 e 2010”. Nomeadamente no que diz respeito ao e-mail que enviou, no último ano referido, a pedir adereços especiais para os seus concertos.

Quem é fã do ex-vocalista dos Pink Floyd, sabe que as suas atuações contam sempre com a presença de um porco insuflável, com vários símbolos desenhados no corpo, que flutua sobre a plateia. Ora, no concerto que fez na Bélgica, em 2013, Waters decidiu acrescentar um desenho na pele do animal: a Estrela de David [símbolo da religião judaica].

Tal gerou muita controvérsia, mas não era a única tatuagem que o artista queria que o animal flutuante tivesse. “Olá, malta. Quem vai fazer o porco?”, perguntou, num e-mail, onde disse ter “imaginado” o adereço com diversos slogans ofensivos à comunidade judaica. Roger Waters sugeriu ainda ter diversas notas de dólares desenhadas, completando com as frases “sigam o dinheiro” e “escumalha”.

É difícil imaginar uma estrela de rock com a n-word a pairtar sobre os seus concertos [palavra ofensiva e discriminatória, frequentemente usada durante a escravatura], mas Waters sempre exigiu que a sua equipa fizesse exatamente isso com a k-word  [expressão igualmente preconceituosa, vinda da palavra Kafir, usada em relação a indianos]. Não só isso, como parece ter passado o tempo a humilhar e a assediar a sua equipa judaica”, chamou a atenção Gideon Falter, chefe-executivo da CAA, citado pelo TheTelegraph.

“Não podemos deixar de ver este filme e perguntarmo-nos que tipo de pessoa usa o seu poder para este efeito. Será Roger Waters um antissemita? Agora, as pessoas podem decidir por elas próprias“, revelou o chefe-executivo da CAA, que realizou o documentário, com base na investigação do j0rnalista John Ware, que fez um programa para a BBC, onde expôs o antissemitismo.