Um ano depois, o Festival Cuca Monga está de volta ao bairro lisboeta a que o coletivo chama casa, Alvalade. Vai acontecer esta quarta-feira, 4 de outubro, véspera de feriado, na Rua do Centro Cultural, onde a editora manteve um estúdio durante vários anos, e, mesmo ao lado, na Rua Acácio de Paiva. Desta vez os concertos não acontecem na Vila Afifense, a morada atual do coletivo e editora, mas vão dividir-se por quatro salas: Poolside, Appleton, Kübe e Adagietto.

Capitão Fausto, Benjamim, Samuel Úria, Hércules, Miguel Marôco, Gorjão, Salto, Jasmim, A Sul & Francisco Pontes, Tomás Wallenstein (a solo), Femme Falafel e Rebeca Csalog são os artistas que compõem o cartaz, sendo que a programação arranca às 16h30 com uma performance de Cuca ao Piano e só termina por volta da meia-noite.

“No ano passado, fizemos o festival na nossa nova sala de ensaios, que é a nova sede da editora e de Capitão Fausto, e quisemos fazer lá o festival para celebrar uma nova casa. E pareceu-nos bem, este ano, celebrar a casa onde muitas destas bandas começaram, onde muitos álbuns foram feitos, e é uma rua que para nós tem um grande significado e depois da pandemia vimo-nos afastados dela, por isso é uma espécie de abraço nostálgico ao fazermos aqui”, explica Domingos Coimbra, baixista dos Capitão Fausto e membro essencial da Cuca Monga, ao Observador. “Como desta vez queríamos ter mais artistas, acabámos por conseguir mais palcos e coisas a acontecer ao mesmo tempo. A ideia agradou-nos muito.”

O objetivo é que todos os anos possam organizar o festival algures em Alvalade, mas também “alargar o espetro” em relação aos artistas convidados, algo que já fizeram nesta segunda edição, com músicos que não pertencem à Cuca Monga, mas que são “amigos” ou com quem partilham algum tipo de “afinidade”. Sejam mais “pop ou alternativos”, todos coexistem no mesmo “nicho”. “São artistas que admiramos, com os quais se calhar já partilhámos palco, e alargámos um bocadinho o leque. Se tudo correr bem, gostávamos de continuar a alargá-lo e fazer mais coisas.”

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Também houve um par de lançamentos especiais em torno do festival. Por exemplo, Miguel Marôco apresentou mais um tema do seu futuro disco, a editar em breve pela Cuca Monga, intitulado A Sorte. Já Jasmim lançou uma canção com Bia Maria, Campo/Cidade.

“Pareceu-nos bem aliar à ideia do festival alguns lançamentos que culminariam aqui com um concerto. E acho que é este tipo de sinergias que acabam por tornar esta ideia apelativa, de fazer um festival, de ter espaço para artistas que estão a começar, e criar um ambiente comum ligado à música portuguesa.”

Os planos editoriais da Cuca Monga, claro, não se ficam por aqui. Luís Severo terá um novo álbum até ao final do ano, Cedo ou Tarde, enquanto os Capitão Fausto e os Ganso têm discos preparados para 2024. Também haverá novos singles ou projetos de Rapaz Ego, A Sul, Gorjão e Zarco. “Acho que é a segunda fornada pós-Covid, que vem com muita força. Estou a pressenti-lo. Houve uns anos de ajuste, de todos os lados, e agora as coisas estão a acontecer e em grande quantidade — e qualidade, espero eu.”

Embora gostem de produzir eventos, e de inevitavelmente já terem tido de desempenhar esse papel de alguma forma ao longo de 10 anos de carreira, Domingos Coimbra não o vê como um “grande caminho futuro”. “O que continuamos a querer é fazer álbuns, mas a ideia deste festival em Alvalade é algo com o qual gostávamos todos de nos conseguir comprometer. Resta saber se conseguimos fazer com que, ano após ano, isto aconteça. Eu gostava muito!”

Ainda que nenhum dos Capitão Fausto tenha nascido ou passado a infância em Alvalade, tornou-se o bairro que os acolheu e a que chamam casa. “Nem sempre se escolhem essas coisas. Aconteceu em 2014, através de um amigo com quem também fundámos a Cuca Monga, transformarmos um antigo escritório de contabilidade num estúdio, e desse feliz acontecimento saíram de lá dezenas de álbuns, e artistas que passaram por lá… Por exemplo, o Samuel Úria não gravou lá, mas organizámos lá concertos que fizemos com ele; os próprios Salto juntaram-se lá com o Conjunto Cuca Monga; Hércules foi das últimas bandas a gravar lá coisas e estão também a tocar aqui no festival; a quantidade de bandas que por lá passaram é enorme. Alvalade está um bocadinho no centro disto e é importante reconhecer os espaços que nos deram tanto.”

A “mística” que se criou em torno do bairro lisboeta, marcante para o punk rock português nos anos 80 e 90 e que os Capitão Fausto homenagearam com o tema Alvalade Chama por Mim, do álbum Capitão Fausto Têm os Dias Contados (2016), é por ser um sítio ao qual têm ficado associadas tantas memórias.

“Já não consigo olhar para o caminho que faço do Metro para o antigo estúdio da mesma forma. Nunca mais vai ser a mesma rua e vêm-me todas as memórias que tenho dela. Foi através deste espaço, das músicas que se fizeram, dos amigos que se conheceram, que toda esta zona ganhou uma mística. Quando passamos aqui a vida e vimos trabalhar à noite, de manhã e de madrugada, acabamos a conhecer as curvas, os cantos, os restaurantes… E continua a fazer muito parte das nossas vidas, agora no novo estúdio onde estamos. E eu, um romântico convicto, gosto destes abraços nostálgicos e acho que é muito importante reconhecer os espaços que nos deram muito. Celebrar um bocadinho do passado, mas de olhos postos no futuro, com música portuguesa e pessoas que admiramos.”