Primeiro, um caso. Depois, dois. Depois, vários. O Observador sabe que, na região Centro, nas últimas semanas, o número de professores impedidos de gozar férias no regresso de uma baixa por doença já vai em nove — número que, apesar de não ser alto, é inédito. Na Grande Lisboa, pelo menos dois professores queixaram-se do mesmo ao sindicato da sua região. Nas regiões Norte e Sul não há, até agora, casos denunciados aos sindicatos.
Os sindicatos não arriscam, para já, dizer que a situação se está a generalizar, mas mantêm-se atentos ao que possa estar a acontecer. Explicações? Encontram duas, mas nenhuma delas oficial: podem ser diretores que tomam a decisão por si próprios para colmatar faltas de professores nos seus agrupamentos, ou pode haver uma indicação superior para que as escolas atuem dessa forma, exatamente com o mesmo objetivo.
O Observador contactou o Ministério da Educação, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo. No entanto, a diretiva mais recente que se conhece da DGAE — Direção Geral da Administração Escolar, datada de 2022, indica que os professores devem gozar as férias a que têm direito imediatamente a seguir às baixas que tenham atravessado o mês de agosto.
Férias dos professores têm regras específicas
“As férias dos professores, nos termos do Estatuto da Carreia Docente, não são usadas quando eles querem, têm de ser gozadas entre o final de um ano letivo e o início do ano letivo seguinte”, explica Vítor Godinho ao Observador, que, no Sindicato dos Professores da Região Centro, tem estado a acompanhar os casos que vão surgindo.
Ou seja, tirando situações excecionais, como professores que são chamados para vigiar exames ou corrigi-los, os docentes devem gozar as suas férias maioritariamente no mês de agosto. Acontece, como noutras carreiras, que, se houver baixa por motivo de doença ou uma licença de maternidade, as férias são suspensas. Idealmente, nestes casos, o professor deve gozá-las imediatamente a seguir.
O argumento é simples: nestes casos, a escola já tem (em princípio) um professor contratado para fazer a substituição daquele que ficou doente ou teve um filho. Para a organização interna, é mais fácil que esse mesmo professor se mantenha na escola por mais alguns dias, cobrindo o número de férias que o colega terá por gozar.
“A prática comum era os docentes, no momento em que regressavam, em que ficavam novamente aptos ao exercício de funções, gozarem imediatamente as férias”, explica Vítor Godinho, que acrescenta que esta solução também impedia a acumulação de dias de férias de um ano para o seguinte. “Como o docente já está a ser substituído por motivo de doença, a única coisa que se faz é prolongar o contrato do docente que o está a substituir até ao momento do retorno de férias. Esta era a prática corrente das escolas até ao ano passado”, diz o professor, que também é membro do Conselho Nacional da Fenprof.
Num dos casos, primeiro estava tudo bem, depois já não estava
Quando o ano letivo arrancou, a 12 de setembro, os casos começaram a aparecer. E quando já eram precisas duas mãos para contá-los, o dirigente começou a achar estranho. “Este ano fomos surpreendidos com esta novidade. Nunca tinha acontecido”, refere Vítor Godinho.
“Aquilo de que temos conhecimento, relativamente aos docentes que nos reportaram estas situações, é que os diretores dizem não poder autorizar as férias naquele período. Agora, como são várias direções a fazer isto, suspeitamos que há uma orientação global nesse sentido”, diz o professor, frisando que é uma suspeita por confirmar.
O sindicato, garante Godinho, está a acompanhar cada um destes casos individualmente. Mas uma das histórias deixou-o mais alerta, levando-o a antever que o problema possa estar a generalizar-se. “Temos o caso de um professor a quem inicialmente lhe disseram para estar descansado, mas uma semana antes de terminar a baixa disseram-lhe que tinha de regressar. Estamos desconfiados de que a escola — foi logo no início do ano letivo — procurou substituir o horário da docente em causa e não terá sido autorizada.”
Na capital, o presidente do maior sindicato de professores do país não acredita que, para já, seja um problema espalhado de norte a sul e à sua estrutura sindical chegaram apenas dois casos. “A ideia que tenho é a de que não é um problema generalizado, pelo menos, por enquanto. A lei é muito clara e penso que nenhum diretor se quer meter na situação de ter de pagar férias não gozadas”, diz José Feliciano Costa, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa.
Férias não gozadas dão direito a pagamento extraordinário
Impedir o professor de gozar as férias imediatamente a seguir à baixa não é ilegal e, por isso, não haverá matéria para seguir para tribunal, desde que o docente seja compensado de outra forma. Se não for, aí há violação da lei.
“Não é possível acumular férias, há um máximo de 30 dias que se pode usar ao longo do ano”, detalha Vítor Godinho. Assim, se os dias por gozar ultrapassarem este valor, é preciso encontrar soluções que não violem a lei. A alternativa é pagar ao professor pelos dias de férias não gozados, o que sairá bastante mais caro ao Estado.
Deputados do PS que são professores “deviam ter vergonha na cara”
“Sem gozar os dias de férias que têm, a única coisa a que os professores podem aspirar é receber esses dias. E isso não nos parece correto porque as férias são feitas não para ganhar mais dinheiro, mas para as pessoas descansarem”, argumenta o sindicalista.
Já Feliciano Costa acredita que nenhum diretor, “por conveniência de serviço, se vai meter numa alhada dessas”. Esse argumento pode ser usado para chamar um professor que esteja de férias, mas tem de estar muito bem justificado, explica o dirigente sindical. “O professor não pode recusar-se, mas tem de ser ressarcido, até se já tiver marcado férias e se tiver feito despesas.”
Entre os casos que Vítor Godinho conhece, a sugestão dos diretores tem sido de que as férias sejam gozadas durante os períodos de interrupção letiva, como no Natal ou na Páscoa, embora isso vá contra a diretiva de que as férias se gozam entre o fim de um ano letivo e o início do outro. A solução, acredita o professor da região Centro, passa pela tutela: “A única coisa a fazer seria o próprio ministério, politicamente, decidir continuar a fazer o que sempre fez.”