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Entre as escolas que proíbem smartphones nos recreios, as regras variam consoante o nível de ensino. Há mais tolerância com alunos do secundário

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Entre as escolas que proíbem smartphones nos recreios, as regras variam consoante o nível de ensino. Há mais tolerância com alunos do secundário

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Os miúdos estão ok? Cada vez mais escolas banem os telemóveis a pensar na saúde dos alunos (e não há revolta nem de pais nem de filhos)

Ministro não quer banir telemóveis com base em achismos e Conselho de Escolas já está a trabalhar num parecer. De norte a sul, cada vez mais comunidades educativas concordam em erradicar smartphones.

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Senhor ministro, temos um problema. Podem não ter sido estas as palavras exatas com que João Costa foi alertado — não consta que estivesse no Centro Espacial John F. Kennedy, nem que os pais e professores estivessem a bordo de uma Apollo a caminho da Lua —, mas fossem quais fossem as palavras escolhidas, as preocupações chegaram ao Ministério da Educação, numa altura em que muitos estão de acordo. É preciso retirar os telefones dos recreios e cada vez mais escolas o fazem sem que os pais ou os alunos tenham tentado travar a mudança.

A tendência é de crescimento, mas as escolas que passaram do desejo à prática ainda são uma minoria num país onde há mais de 800 agrupamentos de escolas.

O caso mais conhecido é o de Lourosa, Santa Maria da Feira, onde há seis anos consecutivos que os estudantes do 5.º ao 9.º ano (10 a 14 anos) não podem usar telemóveis nem dentro nem fora das salas de aulas. Foi em 2017 que a Escola Básica 2/3 António Alves Amorim avançou com a proibição e hoje, segundo a diretora Mónica Almeida, são os alunos os primeiros a aplaudir a medida.

Ouça aqui Resposta Pronta: Alunos sem telemóvel nas escolas de Almeirim

Alunos de Almeirim sem telemóvel nas escolas. “Queremos começar a prevenir”

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Logo no ano seguinte, em Lisboa, foi António Mega Ferreira (1949-2022) quem tomou decisão idêntica. Na Escola Profissional da Metropolitana, os telemóveis foram banidos das salas e dos corredores. A medida abrangia todos: os alunos de cursos equivalentes ao secundário, os professores e os músicos. Havia exceções e em certas zonas específicas do edifício os telemóveis podiam ser usados para fins pessoais.

Este ano letivo, há mais estabelecimentos a fazer o mesmo: a Escola Básica do Alto de Algés, a Escola Básica de Miraflores, o Agrupamento de Escolas Gil Vicente (Lisboa), os dois agrupamentos de Almeirim e o Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, são alguns desses exemplos.

"Deveria haver um debate sério em cada escola com alunos — os alunos têm de estar presentes —, pais, professores, diretores. Em seguida, cada comunidade educativa decidirá se quer impor limitações ou banir o telemóvel em contexto de escola. Sou contra uma orientação geral do Ministério da Educação. As escolas devem ter autonomia para decidir o que fazer, não precisamos de uma diretiva para fazer todos da mesma maneira."
Filinto Lima, diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos (VN Gaia) e presidente da ANDAEP

O ministro da Educação não esconde que este é um “tema complexo” e, na semana anterior ao arranque do ano letivo, disse não querer tomar decisões com “base em achismos” — embora a ONU defenda as restrições aos telemóveis nas escolas. Não sendo adepto da proibição, mas antes da promoção de hábitos saudáveis, João Costa pediu um parecer ao Conselho de Escolas. Contactado pelo Observador, o gabinete do ministro diz não haver novidades sobre o assunto, enquanto que o presidente do Conselho de Escolas garantiu que o trabalho de preparação já começou. No entanto, António Castel-Branco não se compromete com nenhuma data para finalizar o parecer.

Em Cinfães, os pais não hesitaram em votar a favor da proibição

A fotografia diz tudo: o diretor Manuel Pereira sorri para a câmara, com os dois braços no ar. No pavilhão onde se encontra, veem-se centenas de outros braços levantados. São pais, convidados a pronunciar-se sobre a abolição dos telemóveis nas escolas do agrupamento General Serpa Pinto. O “sim” foi generalizado.

“Com a ajuda dos pais e com a colaboração da autarquia decidimos, todos juntos, proibir a utilização de telemóveis dentro da escola, nos corredores, nos intervalos e nos recreios”, conta o diretor ao Observador. A transformação começou no verão.

Ministro da Educação pediu parecer sobre a proibição do uso de telemóvel nas escolas por ser “tema complexo”

No primeiro dia de aulas, o diretor conta que não viu um único telemóvel. “Foi um processo longo de preparação. Falámos com os encarregados de educação, demos entrevistas na comunicação social e na rádio local. Fomos semeando a ideia durante o verão para que toda a gente tivesse consciência”, explica Manuel Pereira, acrescentando que os alunos foram mentalizados logo no final do ano letivo anterior para o que iria acontecer.

Agora, há autocolantes, flyers, cartazes gigantes, todos com cores apelativas, espalhados pela escola para que a mensagem chegue a todos.

“No fundo, queríamos que fossem amadurecendo a ideia”, diz o diretor, que ficou satisfeito quando os pais concordaram com o caminho escolhido pelo agrupamento. “Esta é uma decisão meramente pedagógica, mas tem de ser uma decisão partilhada com os encarregados de educação. Proibi os telemóveis na escola, mas os alunos podem trazê-los na pasta, não tem problema nenhum. Não podem utilizá-los nos espaços públicos e haverá, naturalmente, sanções associadas.”

E porque o exemplo fala mais alto do que regras impostas, os adultos também não usam telemóveis. “Até os funcionários da escola, que querem dar o exemplo, não estão a usar o telemóvel. Isso é extraordinário. Houve mais miúdos com livros, mais miúdos a conversar… Espero que nos próximos dias se mantenha assim”, diz Manuel Pereira, que é também presidente da ANDE, associação de dirigentes escolares.

Como não tem secundário, as regras são iguais para todos e o conselho é que os telemóveis fiquem em casa, decisão seguida pela maioria. “Proibição nunca rima com educação. Rima em termos de linguística, mas não rima de outra forma. Temos de assumir as decisões de forma consciente e explicá-las.” Esse é o grande desafio, explicar o porquê, e não proibir por proibir, diz o diretor do agrupamento de Cinfães. “Explicámos que os alunos precisam de conversar, de brincar, de aprender a escrever, porque eles estão a escrever como se escrevessem no WhatsApp. São estes os grandes desafios que temos pela frente.”

No imediato, promete “não crucificar ninguém que seja apanhado” com o telemóvel, preferindo trabalhar com quem violar as regras.

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Segundo afirma a Unesco, uma vez perdido o foco devido ao telemóvel são necessários 20 minutos para o aluno voltar a concentrar-se.

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Houve um caso de uma aluna, muito dependente do telefone, que o marcou. Falou antecipadamente com o pai e no arranque das aulas, o encarregado de educação foi ter com o diretor. “Eu estava preocupado e o pai contou-me que de manhã ela chegou-se ao pé dele e disse: ‘O meu telemóvel fica aqui, mas espero que aprendas a lição e deixes de fumar.’ Acho isto uma maravilha. Ela sente a dificuldade que é deixar de ter o telemóvel e disse ao pai para aproveitar o exemplo e deixar o seu vício também.”

A logística é complicada, mas no final do dia compensa

Na escola em Lourosa, os alunos do 2.º e do 3.º ciclo que levem telemóveis para a escola entregam-nos ao professor que lhes dá a primeira aula do dia. Ficam depositados numa caixa específica para cada turma, guardados num armário na receção do edifício e dali só saem quando os alunos regressam a casa, entregues pelo professor que dá a última aula do dia.

Há penalizações e recompensas. Os alunos que respeitem as regras podem manter o aparelho consigo, mas à primeira infração é-lhes retirado esse direito. Primeiro um aviso, depois uma suspensão de três dias, e, se a situação for grave — aconteceu com um aluno que gravou o professor e publicou o vídeo nas redes sociais — o número de dias pode aumentar.

Escola de Lourosa proibiu telemóveis há seis anos — e os alunos não sentem falta deles. Petição online quer que seja assim em todo o país

Em Almeirim, é idêntico. No 1.º ciclo os alunos não podem levar telemóvel para a escola. No 2.º ciclo é recomendado que não o levem, mas, se o levarem, devem entregá-lo na primeira aula. É recolhido, colocado numa caixa que depois vai para um cofre e fica guardado até a última aula, ou seja, até os alunos saírem da escola, explica o presidente da câmara municipal ao Observador.

“No 3.º ciclo e no secundário têm de os deixar na sala, dentro do equivalente a sapateiras, onde em vez de sapatos os alunos deixam os telefones e tiram-no no final da aula”, esclarece Pedro Ribeiro.

Durante os intervalos e horas de almoço não podem fazer a utilização a que estavam habituados, acrescenta o presidente de câmara. “Obviamente que podem receber e fazer chamadas — nunca foi esse o problema. Há aqui um incentivo de que com maior liberdade há uma responsabilidade maior.” E foi isso que o Conselho Geral desta escola teve em atenção. O controlo é feito por professores e funcionários, sendo certo que ninguém anda a revistar mochilas, acrescenta o autarca. “Partimos do princípio de que se o aluno diz que não tem, não tem.”

"Hoje foi o primeiro dia e não vimos um único telemóvel o dia todo. Foi muito interessante e foi um processo longo de preparação. Falamos com os encarregados de educação, demos entrevistas na comunicação social e na rádio local. Fomos semeando a ideia durante o verão para que toda a gente tivesse consciência disso."
Manuel Pereira, diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto (Cinfães) e presidente da ANDE

Em Cinfães, a ideia de cacifos ou algo semelhante foi posta de lado. “Era inviável. Primeiro, em termos logísticos, a recolha e a entrega ao fim do dia era um martírio. Depois, implicava uma responsabilidade sobre produtos caros que nós não podíamos garantir”, detalha Manuel Pereira. Tinham de assegurar que de manhã, sob pressão, recebiam todos os aparelhos. Ao final do dia, se houvesse uma racha que fosse num telemóvel, a escola teria de assumir a responsabilidade.

“Há uma escola privada que conheço que, no ano passado, experimentou proibir os telemóveis. É uma escola pequena, com poucos alunos de secundário, e decidiram recolher os telemóveis ao início de amanhã e devolvê-los ao fim do dia. O que é que aconteceu? Todos os alunos entregavam um telemóvel, mas todos tinham um telemóvel consigo”, relata Manuel Pereira. Ou seja, os alunos entregavam um aparelho antigo e mantinham o novo no bolso.

Pedro Ribeiro também sabe que a operação não é fácil. “Se me pergunta se a logística é fácil, ela nunca será fácil, mas acho que ganhamos todos no final. O tempo que se perde ganha-se, claramente, durante todas as aulas do dia”, defende o autarca de Almeirim.

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Há várias soluções para manter os telemóveis longe dos alunos, usar sapateiras é uma delas

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Nos primeiros dias de regresso às aulas, Pedro Ribeiro percorreu as escolas do município e ficou satisfeito com o que viu. “O melhor exemplo que temos é o da escola sede do agrupamento de Fazendas de Almeirim, a EB 2/3, em que dos 333 alunos que regressaram às aulas, apenas 47 levaram telemóvel. Ou seja, só 14%, o que o facilita as questões de logística.”

Alunos de Almeirim sem telemóvel nas escolas a partir de setembro. “Temos pessoas com sinais de dependência de telefones”, diz autarca

Saúde física e mental dos alunos fica prejudicada, diz Unesco

No final de julho, as Nações Unidas — através da Unesco — deixaram clara a sua opinião. Os smartphones devem ser banidos das escolas. A recomendação, defendida no relatório de 418 páginas “Global Education Monitoring Report”, pretende melhorar a aprendizagem, combater o ciberbullying e evitar interrupções de aulas.

No conselho que deixa aos governos de todo o mundo, a Unesco defende que “apenas a tecnologia que apoia a aprendizagem” tem lugar nas escolas. Os riscos do uso excessivo de telemóveis, refere a agência da ONU, passam pela queda do desempenho académico e por efeitos negativos na saúde física e mental das crianças.

Ao longo do documento, a Unesco cita vários estudos. Um deles, com dados de 32 países, mostra que 20% dos alunos do 8.º ano foram vítimas de ciberbullying, concluindo-se que esta é a consequência mais imediata da exposição excessiva a ecrãs. Outro estudo aponta que o bem-estar físico e mental de crianças entre os 2 e os 17 anos cai quando passam demasiado tempo a usar estes aparelhos eletrónicos.

A Unesco sugere mesmo que os governos tomem posições claras sobre o assunto, referindo que apenas um em cada quatro países tem legislação sobre o assunto. Em Portugal, segundo o Estatuto do Aluno (Lei n.º 51/2012), os telemóveis não podem ser utilizados enquanto decorrem aulas, a não ser que o seu uso esteja relacionado com o que está a ser ensinado e que seja permitido pelo professor.

"Sem demonizar a tecnologia, porque obviamente ela é importante, tudo tem de ser feito com algum equilíbrio. Estamos a falar de uma proibição do uso recreativo do telemóvel, que é um bocadinho diferente de haver um uso, digamos, didático-pedagógico."
João Pedro Aido, vice-presidente da Associação de Professores de Português

O Bloco de Esquerda anunciou, no final de junho, que quer mudar o Estatuto do Aluno no parlamento, propondo que as limitações ao uso de telemóveis que já existem para o interior das salas de aulas se estendam aos recreios. Além desse projeto de lei, o Bloco recomendou ao Governo, através de um projeto de resolução, que crie orientações para o “uso saudável de tecnologias nas escolas” diferenciado por faixas etárias.

No documento da Unesco fala-se ainda de outro estudo, o mesmo que o psicólogo Jon Haidt usa como base para um artigo de opinião recente intitulado “O caso das escolas sem telefone”, no qual o norte-americano defende que os smartphones prejudicam a atenção, a aprendizagem, os relacionamentos e a sensação de pertença.

Neste caso, foram analisados os resultados de testes feitos a três grupos diferentes de estudantes. Os primeiros mantiveram o telemóvel na secretária enquanto prestavam provas, os segundos podiam tê-lo no bolso ou na mala, e os terceiros tiveram de deixar o telefone numa sala diferente. Em nenhuma das situações havia uso ativo do aparelho, “só a potencial distração de saber que o telefone está ali, com mensagens e publicações nas redes sociais à espera de serem lidas”, escreveu Haidt.

Quando mais próximo o telemóvel estava dos alunos pior se saíram nos testes que tiveram de fazer. O simples facto de terem o telemóvel na mochila foi suficiente para causar distração e piorar os resultados.

Segundo afirma a Unesco, nestas situações, uma vez perdido o foco são necessários 20 minutos para o aluno voltar a concentrar-se.

Petição contra telemóveis na escola já soma mais de 6.500 assinaturas

João Nuno Faria é psicólogo e a maior parte dos casos que recebe no seu consultório estão ligados a adições aos videojogos e perturbações associadas à internet. Ao Observador começa por fazer uma distinção: se já existe um diagnóstico de adição aos videojogos, não existe algo semelhante (por enquanto) para a dependência de redes sociais. Existem algumas evidências clínicas e teóricas, existe muita preocupação de pais e queixas de professores, mas o diagnóstico em si não existe, embora, refere o psicólogo, no geral as pessoas passem realmente muito tempo ligadas.

“Os jovens não são exceção. Passam muito tempo com estes dispositivos eletrónicos, que muitas vezes chamamos de telemóveis, mas não são. São smartphones e é isso que faz a diferença”, defende, já que os problemas que surgem não estão ligados à comunicação que se pode fazer com um telefone, mas à quantidade de aplicações e conteúdos a que crianças e jovens têm acesso através de um smartphone.

“Há indiferença dos alunos quer no contexto de sala de aula quer no tempo do recreio, onde, em muitas escolas, se assiste aos jovens ligados aos seus smartphones em vez de estarem a interagir com os colegas cara a cara”, detalha João Nuno Faria.

"O melhor exemplo que temos é o da escola sede do agrupamento de Fazendas de Almeirim, a EB 2/3, em que dos 333 alunos que regressaram às aulas na sexta-feira passada, apenas 47 levaram telemóvel. Só 14% dos alunos levaram, o que o facilita naturalmente as questões de logística."
Pedro Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Almeirim

Tecnologia não deve ser demonizada: o telemóvel é uma ferramenta útil

Num cenário em que brincadeira convencional tem menos espaço nos recreios, a tendência é tentar afastar os estudantes dos aparelhos eletrónicos. É isso que pede a petição “Viver o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones”, lançada por encarregados de educação, que já juntou mais de 20 mil assinaturas — bastam 7.500 para ser apreciada em plenário da Assembleia da República.

O documento, que pede a revisão do Estatuto do Aluno na questão do uso dos telemóveis, serviu de inspiração ao Bloco de Esquerda para avançar com o projeto de lei. “Esta petição é uma belíssima oportunidade para que o Parlamento e as comunidades educativas possam discutir as tecnologias”, defendeu Joana Mortágua, em conferência de imprensa.

Bloco de Esquerda propõe limitar ”smartphones” nos intervalos escolares para alunos do 1.º e 2.º ciclos

Na petição, os pais defendem que é preciso que as crianças “socializem, conversem cara-a-cara e brinquem”, acrescentando que o fim de telemóveis também diminui casos de ciberbulling e contacto com conteúdos impróprios. A solução apontada é equipar escolas com caixas, cacifos ou armário próprio onde os telemóveis fiquem guardados da primeira à última hora de escola.

“Parece-me que é um daqueles debates que a sociedade vai impor ao Parlamento. Não creio que o PS possa ser insensível a esse debate”, argumentou a deputada bloquista, a 23 de junho, quando questionada sobre um eventual apoio do partido que sustenta o Governo. Deixou ainda uma mensagem: “Nada disto deve ser confundido com proibicionismo.”

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O bem-estar físico e mental de crianças entre os 2 e os 17 anos cai quando passam demasiado tempo a usar estes aparelhos eletrónicos

dpa/picture alliance via Getty I

Proibir é uma ideia que não agrada ao psicólogo João Nuno Faria, já que considera que não resolve o problema, mesmo quando se fala de jovens com problemas de adição. Essas situações, “uma minoria”, têm necessariamente de passar por terapia e outro tipo de intervenções especializadas.

“Algumas escolas estão a enveredar por esse caminho — no meu entender, sem uma quantidade de dados significativa que demonstre que a utilização dos smartphones na escola é negativa”, defende o psicólogo, embora assuma que há motivos para o alarmismo que está a ser gerado.

Parece um paradoxo, mas não é, já que importa olhar para o problema por outro prisma. “De facto, assiste-se a uma interferência significativa, mas a grande questão não é se se usa ou não se usa o smartphone. O que é preciso debater é quando e como é que se usa.”

"A escola em si permanece um cubo, com muito pouco para oferecer a um jovem que está a assistir às mudanças da sociedade que a escola não acompanha. A maneira de brincarem hoje em dia, de interagirem, de se ligarem, de se conectarem, quando não estão na escola, não é igual à forma de há 30 anos. Então porquê que a escola permanece igual no que oferece aos seus jovens para ocupar o tempo livre quando não estão na sala de aula?"
João Nuno Faria, psicólogo especializado em tratamento de perturbações associadas à internet e adições aos videojogos

A explicação é dada logo a seguir: banir o smartphone a um indivíduo jovem, que passa a maior parte do dia na escola, “é criar um artificialismo que em nada corresponde a quando ele sai da escola e vai para a casa, ou vai sair com amigos”. Para João Nuno Faria, a simples proibição constitui uma perda de oportunidade para fazer um treino importante.

“Apesar de o jovem ainda não ter o autocontrole que um adulto tem, deve começar a treinar a gestão do tempo de uso do smartphone quando está envolvido numa atividade, chamemos-lhe laboral, porque isso vai ser fundamental quando se tornar num adulto. Nessa altura, também vai ter de gerir o seu smartphone para não interferir com o trabalho”, argumenta. Ou seja, para João Nuno Faria em vez de se retirar, é preferível ensinar os mais novos a usar o telefone com moderação.

Na opinião do psicólogo, isso faz-se mostrando como um telemóvel pode ser usado adequadamente durante as aulas e fora delas, ensinando, por exemplo, a navegar pelas redes sociais ou a usar os sistemas de comunicação, com um conjunto de regras de utilização. “Pode até haver algumas restrições durante o tempo letivo, mas depois permitir uma certa abertura ao jovem para poder utilizar o seu smartphone em busca dos seus interesses, que poderão passar pelas redes sociais, pela consulta de sites, pela utilização de jogos ou até pela partilha da comunicação no recreio.”

No agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, os telemóveis não são proibidos nos recreios. Filinto Lima, diretor, não gosta de proibições. “Proibir não é a melhor maneira, até porque o telemóvel é um instrumento que é usado para muitas aulas, quando os professores pedem aos alunos para fazer determinada pesquisa, por exemplo”, diz o também presidente da ANDAEP, associação de diretores de agrupamentos. Na sua opinião, vale mais sensibilizar para o uso correto deste instrumento, com o apoio da família, já que considera o telemóvel essencial no dia a dia e até no processo de ensino e aprendizagem.

“A escola faz um trabalho, sensibiliza, e, por vezes, a sociedade estraga esse trabalho. É importante que a família reme para o mesmo lado. O que é que os meninos fazem em casa? Estão no quarto a ver televisão, estão na sala a jogar Playstation, estão a jogar telemóvel. Tem de haver um compromisso escola/família”, argumenta Filinto Lima, considerando que se a escola proibir, mas em casa nada for feito, a proibição é inútil. Por isso, no momento em que vivemos, o telemóvel tem de ser um convidado da escola e não um intruso. “Há 10, 15 anos, o telemóvel era um intruso na escola. Agora deve ser tratado como um convidado, com regras. É um equipamento muito importante ao qual os nossos professores recorrem frequentemente.”

Na sua escola decorre uma campanha sobre o descanso e o sono dos alunos, uma repetição do que já tinham feito há alguns anos quando os professores começaram a perceber que os alunos chegavam às aulas estremunhados. “É importante que os pais percebam que, em alguns casos, os filhos vão para a cama, mas não vão dormir, vão estar até altas horas da madrugada a jogar no telemóvel com os colegas”, diz Filinto Lima.

De resto, defende que não se pode negar a importância do telemóvel na vida de todos, lembrando que até os adultos se distraem com ele, quando, por vezes, estão numa reunião a enviar mensagens às escondidas. “Quando saímos de casa já não é a chave que verificamos se temos no bolso, é o telemóvel. Se nos esquecemos do telemóvel, o dia não corre bem, corre muito mal, porque ele tem muitas funções: calendário, multibanco, muita coisa”, sustenta o diretor.

Banir telemóveis não é o mesmo que banir tecnologias

A escola básica de Cinfães, com 600 alunos, é 100% digital. Em 2022 tornou-se a primeira escola pública do país a ter smartboards de última geração em todas as salas. O investimento para substituir as ardósias por estas telas digitais, que têm várias funcionalidades, foi feito com fundos comunitários e os cerca de 200 mil euros recebidos foram ainda usados para munir a escola com computadores all in one e com um quadro interativo com captura de dados.

“As novas tecnologias não são um diabo à solta. São um instrumento de trabalho, são ferramentas muito úteis para a escola, para os professores e para os alunos. Nós temos de racionalizar e tentar usar as potencialidades em proveito de todos e não em prejuízo”, argumenta Manuel Pereira. Por isso mesmo acredita que embora determinado uso lúdico dos telemóveis não tenha lugar na escola, o uso didático e pedagógico tem.

O material da sua escola, situada num território TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), serve para facilitar a vida a todos e, segundo o diretor, o problema nunca foi o uso do telemóvel para estudar. Os problemas que Manuel Pereira sentia era que os alunos falavam e brincavam pouco e isso acabava por afetar as aprendizagens.

“O telemóvel é um bom instrumento, se bem utilizado”, conclui o diretor, lembrando que as câmaras de vídeo são outro dos problemas. Os alunos filmam-se uns aos outros, ou aos professores, e as imagens acabam nas redes sociais sem autorização do visado — o que constitui um crime.

Em Almeirim, a tecnologia também não vai desaparecer das salas de aulas. “A tecnologia tem coisas muito boas. Usada num contexto pedagógico, com o professor como responsável, continuará a ser uma realidade nas nossas escolas e que nós incentivamos”, afirma Pedro Ribeiro.

Alunos numa sala de aula da escola EB 23 Lourosa que proíbe os telemóveis, a propósito de uma petição que está a correr para que isso seja a regra em todas as escolas, Santa Maria da Feira, 23 de maio de 2023.  (ACOMPANHA TEXTO DE 27 DE MAIO DE 2023) JOSÉ COELHO/LUSA

Um estudo, com dados de 32 países, mostra que 20% dos alunos do 8.º ano foram vítimas de ciberbullying

JOSÉ COELHO/LUSA

O psicólogo João Nuno Faria defende que para o debate sobre os telemóveis nas escolas ser sério é preciso discutir-se também a própria escola. Mexer nas regras sem mexer na oferta que os locais de ensino têm para alunos do século XXI é pouco útil.

“A escola em si permanece um cubo, com muito pouco para oferecer a um jovem que está a assistir às mudanças da sociedade que a escola não acompanha”, defende o psicólogo. “A maneira de brincarem hoje em dia, de interagirem, de se ligarem quando não estão na escola, não é igual à de há 40 anos. Então por que é que a escola permanece igual no que oferece aos seus jovens para ocupar o tempo livre quando não estão na sala de aula?”

Na sua opinião, a sociedade está a atribuir a responsabilidade aos smartphones quando podem existir outras origens para os problemas, nomeadamente a escola que temos não ser o contexto adequado para um jovem do século XXI. “Se me trouxerem uma escola que consegue atualizar-se do ponto de vista da oferta, dos gostos, dos interesses, das atividades para os jovens, e se aí se demonstrar que eles ainda continuam muito virados para os smartphones numa lógica muito individualista, então aí concordo plenamente que, de forma legítima, deve ser feito um movimento mais radicalizado na gestão do smartphone em contexto escolar”, sustenta João Nuno Faria.

Assim, defende, a escola não pode permanecer estática quando o mundo à sua volta acelera, e os recreios não podem ser iguais aos de 1980 porque as crianças e jovens, nativos digitais, pouco têm a ver com o tipo de crianças que foram os seus pais e avôs. O psicólogo acredita que era importante que os adultos que pensam a educação e o ensino mudassem um pouco as coisas.

“Alguns já fizeram essas mudanças nas escolas e fizeram muitíssimo bem”, acrescenta João Nuno Faria, embora não acredite que essa seja uma situação generalizada. “É injusto atribuir-se única e exclusivamente ao smartphone a responsabilidade de os jovens não aproveitarem o tempo letivo e o tempo fora de sala de aula, usando-o dessa forma exclusiva orientada para o telefone.”

Não demonizar a tecnologia é também a opinião de João Pedro Aido, vice-presidente da Associação de Professores de Português. Resolver o problema passa muito pelo perfil de quem está à frente dos agrupamentos. “Há seis anos, tomar a decisão em Lourosa implicou uma decisão forte de liderança”, diz ao Observador. “A experiência daquela escola é muito interessante. Há um discurso muito estruturado, muito racional, e nós conseguimos perceber que há ali uma mais-valia que pode, eventualmente, ser replicada em outras escolas com vantagem, para os alunos poderem ser mais felizes e mais livres — porque é isso que nós queremos.”

Acima de tudo, defende a necessidade de equilíbrios e acredita que é muito importante os alunos terem literacia digital para saberem usar estas ferramentas não apenas de uma forma passiva. Há alunos de português de língua não materna, recorda o professor, que acabam por encontrar ferramentas de tradução importantes no telemóvel, muito úteis em situações específicas da aula.

“O telemóvel pode parecer uma liberdade, mas, em muitos casos, funciona como uma prisão. Eles ficam prisioneiros daquelas ferramentas e daquelas aplicações que são muito atrativas, irresistíveis”, acredita João Pedro Aido. “Acabam por não conviver verdadeiramente, não brincar uns com os outros, não terem aqueles momentos de silêncio do aluno consigo próprio, que também são importantes.”

Qual é a melhor solução? Diretores preferem ter autonomia para decidir

Na altura em que o Bloco de Esquerda apresentou o seu projeto de lei, o deputado do PS Tiago Estêvão Martins, em declarações ao Expresso, defendeu que a discussão deve estar enquadrada dentro da autonomia das escolas. As palavras mais recentes do ministro da Educação também fazem crer que essa será a solução preferida de João Costa.

No Conselho de Escolas o processo para poderem entregar um parecer ao ministro já começou. Segundo António Castel-Branco, o presidente, serão ouvidos os colegas de escolas que tomaram a decisão de banir os telemóveis, será dada atenção aos estudos existentes, incluindo o relatório da Unesco, e serão pedidos todos os esclarecimentos que forem necessários.

“Tudo serve para ajudar a tomar uma decisão e emitir um parecer ou uma recomendação em determinado sentido”, diz ao Observador. “O nosso trabalho é sempre de reflexão, muita reflexão e, tanto quanto possível, de criar consenso sobre aquilo que vamos escrever. Felizmente, desde que comecei no cargo, todos os pareceres e recomendações têm sido aprovados por unanimidade, temos conseguido gerar consenso dentro do órgão.”

"Tudo serve para ajudar o Conselho de Escolas a tomar uma decisão e a emitir um parecer ou uma recomendação em determinado sentido. O nosso trabalho é sempre de reflexão, muita reflexão e, tanto quanto possível, de criar consenso sobre aquilo que vamos escrever. Felizmente, desde que comecei no cargo, todos os pareceres e recomendações têm sido aprovados por unanimidade, temos conseguido gerar consenso dentro do órgão."
António Castel-Branco, diretor do Agrupamento de Escolas Ferreira de Castro (Sintra) e presidente do Conselho de Escolas

No agrupamento que dirige em Sintra, as escolas Ferreira de Castro, não há proibição, embora o diretor faça questão de separar águas. Uma coisa é o seu trabalho na escola, outra no órgão consultivo do Governo. “Há pessoas que acham que se devia proibir, mas os maiores problemas de ciberbullying que tivemos foram externos”, explica António Castel-Branco.

Uma medida que funcionou nos recreios foi separar os mais novos dos mais velhos, já que os primeiros muitas vezes não conseguiam usar os campos de jogos, tomados pelos mais crescidos. Acabavam por se virar para os telemóveis, realidade que diminuiu com o acesso mais livre a todos os recantos do pátio.

Para Filinto Lima, a solução não passa por o Ministério da Educação dizer às escolas o que fazer, até porque o Estatuto do Aluno já prevê restrições ao uso na sala de aula. Preferia ver um debate sério em cada escola. “Com alunos — os alunos têm de estar presentes —, pais, professores, diretores. Em seguida, cada comunidade educativa decide se quer impor limitações ou banir o telemóvel”, defende o diretor. “Sou contra uma orientação geral do Ministério da Educação, penso que as escolas devem ter autonomia para decidir o que fazer, não precisamos de uma diretiva para fazer todos da mesma maneira.”

António Castel-Branco lembra que essa autonomia existe. “Ninguém foi aborrecido por não proibir, nem ninguém foi aborrecido por ter proibido.”

Com a decisão tomada em Almeirim, o autarca Pedro Ribeiro espera que os alunos tenham mais atenção, que estejam mais focados nas aulas, e que tudo contribua para uma melhoria significativa da saúde mental. “Há um conjunto de estudos que nos devem preocupar a todos, sobretudo a nós pais, com aquilo que está a acontecer com estas gerações que nasceram no digital. Para muitos deles, o digital é quase o único mundo que conhecem e o digital não é o mundo real.”

Assim, defende que melhorar a socialização dos jovens é uma prioridade, mas acima dela está a saúde mental.

No mundo perfeito, argumenta o autarca de Almeirim, não seria preciso proibições, mas lembra que o país andou anos a repetir o slogan “se conduzir, não beba” e só houve resultados quando as multas e as penas de prisão começaram a ser pesadas. No caso dos telemóveis, no final do ano letivo a medida será avaliada em no município para perceber se é o caminho a seguir.

“Podemos sempre discutir se esta é a melhor solução, se haveria outras, admito isso tudo, mas há uma coisa que eu tenho a certeza, e ainda ninguém disse o contrário: temos um problema e temos de encontrar soluções. Não há decisões perfeitas, e podemos sempre discutir se era mais à esquerda, mais à direita, mais acima, mais abaixo. O que ninguém duvida é que este é um problema real”, conclui Pedro Ribeiro.

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