Imagine um pequeno tesouro. Pequeno pela dimensão, considerável pela carga afetiva, algo que se pudesse lastimar em caso de perda. “Anda sempre de chapéu”, nota apropriadamente Nuno Alburquerque, fotojornalista ao serviço do Correio Real. Protagonista menor da boda real durante a tarde em Mafra, o panamá de Dom Duarte perde propósito numa noite de outono que ainda por cima parece de verão em Sintra, e por isso passa as primeiras horas do copo de água ao nosso lado, a repousar sobre uma mochila, no canto onde a humilde equipa de reportagem improvisou a sua oficina de trabalho.

A noiva, infanta Maria Francisca, com o pai, D. Duarte Pio, que não dispensou o chapéu e as lentes escuras nesta chegada sob sol intenso

Esta é apenas uma das histórias menores que animam a maior das histórias, que se escreveu ao longo dos dois últimos dias — o consumar de uma extensa cobertura do Observador que pode recuperar a qualquer momento. Sim, a boda também se fez de quedas — episódio infalível em qualquer casamento —, imprevistos vários, testes à segurança, dúvidas sobre a proveniência de um drone, requisições de ben-u-rons, uma agenda do Presidente da República que forçou um atraso de meia hora na cerimónia e idas à casa de banho que terão levado séculos, não porque a fila fosse tão longa como a lista de presenças, mas porque o mundo real é uma aldeia. “Pode passar à frente, estou sempre a encontrar alguém conhecido.”

Nesse preâmbulo da cerimónia na igreja, senhoras, várias, teimam em voltar a entrar na basílica, uma e outra vez, à procura do clique dos fotógrafos que não lhes pediram para posar na entrada anterior. “Algumas pessoas já passaram por aqui quatro vezes”, escuta-se. “Não pediram para parar”, lamenta uma convidada. Diga-se que a insistência não deu frutos a todas e todos. Outros tantos, de imediato solicitados pelos fotojornalistas à entrada da basílica, dispensaram as tonturas que um corrupio de voltas pode trazer. Caso de Teresa e Jaime de Almeida, os marqueses do Lavradio.

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Os marqueses do Lavradio à chegada à boda

Já o conde de Paris, Jean d’Orléans, bem pode agradecer à GNR a quem pediu ajuda, à chegada, para lhe relembrar o nome “do vosso Presidente”. “Rrrrbelo de Soussa”, repetiu nesse breve treino, enquanto Marcelo não chegava.

Enquanto isso, segue o vistoso desfile de looks. Vestidos de dia, chapéus, tocados, fraques, um colorido festim para todos os gostos, entre saltos vertiginosos e confortáveis rasos, acessórios discretos ou ousados. “Lá dentro não consigo ver os convidados a chegarem”, confidencia uma das presentes, entre os primeiros a percorrer a basílica e a procurar os respetivos lugares — e que não hesitaria em soltar um ruidoso “shhuiiii” quando o marido e um amigo se entusiasmam em amena conversa e dão rédea solta ao volume.

Um choque com um copo de água perigosamente arrumado atrás de uma coluna, quase à entrada da igreja, instala um caos provisório. Partido em cacos, abençoou tudo em redor e houve quem quase tivesse que ir mudar de sapatos tal o banho que levou.

Nada que perturbasse o evento. Afinal, ainda a procissão ia no adro, o cortejo demoraria a sentar-se, a noiva ainda mais a entrar, e a breve repreensão ficaria sempre a anos luz de um estrondo inesperado, amparado pelo eco do edifício. Em plena missa, num dos momentos mais reflexivos e silenciosos no interior da basílica de Mafra, uma cadeira quase caiu de uma altura mais elevada até ao chão. Ao fundo do espaço, os reflexos supersónicos de um dos voluntários salvaram o minuto.

Vestidos coloridos, chapéus vistosos e joias. Como se vestiram os convidados do casamento real

É nesta zona, mais resguardada, que um destemidos pais e mães embalam ao colo os bebés que vieram à boda. E nem um choro para memória futura.

Duas noites e três dias. Uma festa real, popular e tradicional

O programa de festas termina apenas este domingo, agora bem mais restrito, com um brunch reservado à família. Assim haja fôlego no rescaldo de dois dias e duas noites intensas. Primeiro em São Pedro de Sintra, a casa de partida destas celebrações do casamento real português, com a infanta Maria Francisca a surpreender o noivo, Duarte Martins, vestida de noiva minhota. Um momento descontraído e tradicional, entre a atuação de um rancho, porco no espeto e um carrinho de gelados, que preparou os convidados para o que se seguiria este sábado.

Se Mafra foi o cenário eleito para a cerimónia religiosa, que arrastou grupos tradicionais, centenas de voluntários, muitos populares curiosos com os rostos da realeza (e da República) e mais de mil convidados oriundos de vários pontos da Europa e do mundo que encheram a basílica, antes do banho de multidão multiplicavam-se as pequenas manobras para que tudo corresse dentro do esperado. Pouco depois das 12h00, resolvidos os arranjos florais no interior, as sobras regressavam à carrinha. 

A recolha das flores que não foram usadas nos arranjos na igreja

Eram já 23h00, duas para lá da hora prevista, quando as mesas do copo de água se encheram. Neste regresso à casa de família, em São Pedro de Sintra, para onde se dirigiram os convidados no final do cocktail nos claustros do convento de Mafra, Maria Francisca usou o prometido segundo vestido de noiva. Sorridentes, os noivos receberam as 420 pessoas (a que se juntaram mais foliões após o jantar) para uma festa que se queria até ser dia.

Uma noiva “muito feliz”, dois bolos, mais de mil convidados e um mega monumento. O conto de fadas à portuguesa da infanta de Bragança

Pouco antes do arranque do jantar, Nuno Albuquerque conferia o recanto onde deixara o panamá do anfitrião e o estado da peça. “Dom Duarte estava mesmo preocupado com esse chapéu. São as reais protetoras do chapéu de D. Duarte.” Juramos por Deus e pela nossa saúde que até à hora da nossa partida ainda lá estava, são e salvo.

Na fotogaleria em cima veja as imagens que resumem alguns dos principais momentos destes dias de festejos.