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"Europa": um palco para a anatomia de uma fortaleza

Este artigo tem mais de 6 meses

A nova peça dos Artistas Unidos é um complexo estudo da condição humana e reflexo de um progresso que também marginaliza. “Europa” sobe ao palco do São Luiz a partir de 18 de outubro.

Um pai e uma filha acampam na estação perante os olhares desconfiados do chefe da dita, Fret, e de Adele, a porteira, que ali gosta de passar o seu tempo a olhar para os comboios que passam
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Um pai e uma filha acampam na estação perante os olhares desconfiados do chefe da dita, Fret, e de Adele, a porteira, que ali gosta de passar o seu tempo a olhar para os comboios que passam

Um pai e uma filha acampam na estação perante os olhares desconfiados do chefe da dita, Fret, e de Adele, a porteira, que ali gosta de passar o seu tempo a olhar para os comboios que passam

Um comboio aproxima-se da estação. Faz um ruído truculento e metálico que cresce à medida que a distância encurta. Passa a grande velocidade. “Esta nossa pequena cidade na fronteira esteve muitas vezes deste lado e, noutras ocasiões, do outro, mas sempre esteve na fronteira”, diz o coro. Estamos defronte de uma velha estação de comboios, numa localidade algures na Europa, perante os seus “habitantes do limite”, abandonados no tempo e esquecidos pela senda do desenvolvimento coletivo. São conhecidos pelas suas sopas e pela produção de lâmpadas. “Nós aqui pedimos muito pouco”, dizem. À sua maneira são também parte do velho continente, onde o progresso também criou margens, lugares periféricos e populações marginalizadas. Assim começa Europa, a peça de David Greig, encenada por Pedro Carraca, com coprodução dos Artistas Unidos, que sobe ao palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, de 18 a 29 de outubro.

Os comboios – sinal de desenvolvimento e de industrialização – já ali não param. São apenas miragem no horizonte e alegoria de movimento, através dos quais muitos procuram novos destinos e experiências. A cidade destes habitantes é hoje um lugar vazio, introvertido, marcado pela nostalgia do passado e pelo desejo que muitos nutrem de ali fugir em busca de novas oportunidades. A peça, escrita em 1994, surge como resposta do autor à guerra civil nos Balcãs e às forças da globalização. Quase três décadas volvidas, Europa não perde atualidade, pelo contrário. “Esta realidade está mais presente e vívida do que nunca”, diz o encenador. Um pai e uma filha acampam na estação perante os olhares desconfiados do chefe da dita, Fret, e de Adele, a porteira, que ali gosta de passar o seu tempo a olhar para os comboios que passam. “Há muito tempo que somos soprados de um sítio para outro, foi aqui que viemos descansar. Para já. A falha não é vossa, nem nossa, mas sim dos aleatórios e caóticos ventos dos presentes acontecimentos”, diz a jovem para serenar os ânimos – e perante a aparente falta de empatia do chefe da estação.

Europa adensa-se pela estranheza do desconhecido e da relação que se vai estabelecendo entre as personagens. A falta de empatia e a violência convivem com a solidariedade e a amizade que também se cria no meio dos destroços. De um lado, a vida daqueles habitantes que, mesmo continuando na Europa, se veem colocados na borda e esquecidos pelos centros de poder; do outro, um pai e uma filha, migrantes em busca de uma solução viável para as suas vidas. Parece haver pouca esperança para ambos os lados. São figuras provisórias, marcadas pelos conflitos bélicos e pelas consequências de uma política económica, marcadamente capitalista. Do seu retrato mais simbólico, entramos depois numa esfera mais íntima e privada. É aí que a história destas personagens se desenrola.

Em "Europa", a falta de empatia e a violência convivem com a solidariedade e a amizade que também se cria no meio dos destroços

Em paralelo, os ainda jovens rapazes desta localidade discutem à mesa do café as mais fúteis banalidades. No meio paira a conversa de sair em busca de um novo recomeço e cresce um discurso marcado pelo ódio, que ganha ecos de xenofobia e indiferença perante os que ali chegam. O populismo também se identifica no meio destes discursos. É uma resposta que parece ditar conclusões, ainda que as mesmas sejam precipitadas ou não correspondam de todo à verdade. “Vivemos num sítio nojento, num nada… está fodido, companheiro. Em trajetória descendente. A afundar-se. Qualquer pessoa vê. Só precisas de olhar à volta”, diz Billy para os seus companheiros Horse e Berlin. De regresso à cidade está Morocco, que parece ter encontrado sucesso noutras paragens como pequeno empresário. Entre os que querem sair e Morocco que regressa existe um sentido de pertença aquele lugar que se para uns é condenação, para outros é sinónimo de fim de ciclo.

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Que futuro para a Europa?

Na dicotomia que se vai criando ao longo da peça, Europa constrói uma reflexão sobre as relações de poder e o medo do desconhecido, que é notório na forma como o pai e a filha, acampados na estação, são tratados pelos habitantes daquele lugar. Mais do que isso, aprofunda um debate sobre as consequências do mercado aberto e do capitalismo tardio, onde não deixam de existir reverberações sobre o fim do comunismo. É acendalha para a ascensão da extrema-direita que responde com violência. Estamos num lugar de “lobos à procura de restos” e nem uma manifestação contra o fecho da estação parece ter efeito nas políticas que vão ditar o futuro daquela localidade.

“Nesta peça há a questão da guerra e da invasão, seja pela questão da migração forçada ou não, num espaço europeu que está cada vez mais fechado e que ao mesmo tempo vai contra os seus próprios valores de cosmopolitismo”, explica ao Observador Pedro Carraca. Na luta entre manter “este paraíso para onde tanta gente quer vir” e manter os princípios de solidariedade entres povos, há este confronto que, neste caso, “explica muito o sentimento de exasperação que se vive hoje na Europa”. Esse mesmo sentimento é aquele que resvala na violência de alguns dos habitantes desta localidade perante os estranhos acampados na estação e até mesmo perante aqueles que os ajudam. Impera a desumanidade e um princípio de proteção de um território como resposta à insatisfação.

Escuta-se o coro novamente: “O nosso lugar foi-nos roubado durante a noite”. O país onde vivem aquelas personagens está sentado em cima de um paiol, diz uma delas

A estação não irá reabrir as suas portas e a peça de Grieg não oferece uma solução para os confrontos que cada vez mais se sentem entre os habitantes dos mesmos sítios. Levanta, sobretudo, questões sobre como é que a empatia pode vingar no fim perante aqueles que acham que a violência e o protecionismo é uma resposta pragmática. “Mesmo entre as personagens do pai e da filha há diferenças na forma como se olha para a Europa; nele há este aspeto dos valores que imperam e que no fim vão contribuir para a situação deles e, nela, há este lado de perceber que não podem ficar ali simplesmente à espera que a situação melhore”, salienta o encenador.

Escuta-se o coro novamente: “O nosso lugar foi-nos roubado durante a noite”. O país onde vivem aquelas personagens está sentado em cima de um paiol, diz uma delas. Se a Europa foi outrora um lugar da utopia, atualmente é um espaço onde reina o medo e a falta de empatia. “Somos todos responsáveis”, questiona o encenador. “Diria que temos de ser responsáveis através do diálogo, sabendo que aqueles que sacrificam a sua inocência também são Europa. Para os lados não se extremarem e ganhar a frustração precisamos de nos ouvir”, diz. Os problemas podem começar na perda de emprego ou nos problemas entre casais que aqui ecoam, mas desaguam em situações mais amplas de desespero. “Não há desculpas para não nos entendermos e o que vemos é que a violência ganha pela existência de um inimigo, que é muitas vezes o mais fraco e vulnerável, foi isso que afinal construiu a ideia de nação, mas temos de pensar para lá dessa fronteira”, sintetiza Pedro Carraca.

 
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