As contas foram feitas para os Estados Unidos: até meados do século, o número de mortes por acidentes cardiovasculares desencadeados pelos extremos de temperatura pode triplicar. Mas o aumento do número de dias de calor extremo terá impacto em todo o mundo, sobretudo considerando que as doenças cardiovasculares já são a principal causa de morte a nível global. A Europa ocidental é uma das regiões onde o número de eventos de calor extremo mais tem aumentado.

Para além de pensarmos no impacto das temperaturas extremas nos Estados Unidos, este tipo de previsão através de modelos também antecipa o impacto que o calor extremo poderá ter em todo o mundo, especialmente em regiões com climas mais quentes e que são desproporcionalmente afetadas por desigualdades na saúde”, afirmou Flora N. Katz, diretora da Divisão de Formação e Investigação Internacional do Centro Internacional Fogarty dos NIH.

O calor extremo foi associado a uma média de 1.651 mortes adicionais por acidentes cardiovasculares em cada um dos anos de 2008 a 2019, nos Estados Unidos. Entre 2036 e 2065, a meio do presente século, os dias de calor extremo — em larga medida desencadeados pelas alterações climáticas — poderão vir a ser responsáveis por 4.320 (mais 162%) a 5.491 (mais 233%) mortes adicionais por ano, refere a equipa da Universidade da Pensilvânia num artigo publicado na revista científica Circulation.

A diferença de quase mil mortes está relacionada com os dois cenários em estudo: no primeiro, são consideradas as atuais políticas climáticas e algum aumento das emissões de gases com efeito de estufa; no segundo, a economia estaria mais baseada em combustíveis fósseis com um grande aumento das emissões. A análise tem em conta o aumento do número de dias de calor extremo, o envelhecimento da população norte-americana e a continua migração para regiões mais quentes — condicionantes que se replicam em outros pontos do planeta.

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O estudo, financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NHI), estima ainda que os idosos e os negros não-hispânicos serão os mais afetados: mesmo no melhor dos cenários projetados, haverá 3,5 vezes mais mortes entre idosos do que nos restantes adultos e 4,6 vezes mais mortes entre negros não-hispânicos do que entre brancos não-hispânicos, lê-se no artigo científico. Os investigadores não encontraram diferenças significativas para outros grupos étnicos ou entre homens e mulheres.

OMS alerta para “pressão crescente” nos serviços de saúde devido ao calor extremo

As pessoas com doenças cardíacas apresentam um elevado risco de sofrer problemas de saúde ligados às temperaturas muito altas porque o sistema cardiovascular desempenha um papel importante na regulação da temperatura do corpo. Se houver um aumento da atividade do coração e da frequência cardíaca, isso pode desencadear um enfarte do miocárdio. A exposição ao calor também tem sido associada a mortes por doença cardíaca isquémica, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca.

No ano passado, uma revista sistemática e meta-análise, financiada pelo Conselho Australiano de Investigação, mostrou que o aumento de apenas 1 ºC nas temperaturas seria o suficiente para ter relevantes impactos na saúde. “O aumento de 1 ºC nas temperaturas está associado a 2,1% de aumento na mortalidade por doenças cardiovasculares e 0,5% na morbilidade causada por essas doenças”, concluíram os investigadores no artigo publicado na revista científica The Lancet Planetary Health.

Na Europa, em particular na Europa ocidental, as temperaturas durante o verão e os extremos de temperatura têm aumentado muito mais rápido do que em outras latitudes médias nos últimos anos, o que se tem refletido no número de ondas de calor sem precedentes, destacou um artigo publicado na Nature Communications no início do ano. O problema, reportava a equipa de Robert Vautard, investigador na Universidade de Sorbonne (França), é que os modelos e simulações não têm conseguido reproduzir o aumento dos extremos de calor verificados, subestimando as tendências e prejudicando as medidas que podem ser adotadas.

Esta quinta-feira, o relatório sobre o estado dos serviços climáticos (“2023 State of Climate Services: Health”) da Organização Meteorológica Mundial indicava que o setor da saúde, em termos globais, está mal preparado para proteger a população dos efeitos das alterações climáticas.

O jornal The New York Times tem uma ferramenta que permite acompanhar as previsões para os máximos de temperatura de cada dia — com grande parte dos hemisfério sul acima dos 30 ºC esta sexta-feira — e avaliar se as temperaturas estão, nesse dia, acima ou abaixo do normal (considerando a média de 1979 a 2000). Esta sexta-feira, quase todo o planeta estava acima da temperatura normal, incluindo a Europa, norte de África, Médio Oriente e sul da Ásia.