Não era um cenário fácil. Aliás, dificilmente o cenário poderia ser pior. No entanto, como em tudo na vida, há sempre uma qualquer luz de esperança que pode aparecer. Mais longe, mais perto, mais óbvia, mais atingível ou mais improvável. Alguém que visse o arranque da recente receção da Real Sociedad ao Barcelona ficaria só à espera de saber por quantos os bascos iriam ganhar, tendo em conta as três oportunidades flagrantes nos três minutos iniciais e uma primeira parte onde “engoliu” por completo os catalães entre muita mobilidade, velocidade e qualidade. Resultados práticos? Zero. E acabaram por ser os blaugrana a chegarem à vitória no período de descontos, com Gavi a ameaçar e Ronald Araújo a escrever um epílogo que nada teve a ver com o resto da história. Até num contexto de adversidades, apareceu a tal luz. E era essa a luz que o Benfica tentava encontrar na deslocação ao País Basco, numa partida que seria quase uma “prova de vida” da equipa.

Benfica perde com Real Sociedad por 3-1 após primeira parte de terror e está afastado da Champions

“Há que respeitar o adversário mas acreditar também em nós próprios. É uma boa equipa, têm crescido nos últimos anos e todos eles podem atuar de início. É um adversário forte, mostraram isso na Liga espanhola e Champions, mas acreditamos que quando estamos no nosso melhor somos capazes de ganhar em qualquer lado. Há que focar agora no jogo e começar a ganhar, caso contrário as provas europeias acabam para nós. Trabalhámos para estar aqui e agora há que continuar nesse sentido. A Real Sociedad é uma equipa bem orientada, com bola e sem bola, proativa. Mostraram e não é coincidência estarem na Champions. É sempre um desafio”, apontava Roger Schmidt na antevisão de um encontro onde não admitia antes se iria ou não manter o esquema de 3x4x3 mas teria o primeiro grande teste a um plano B que dera boa conta do recado.

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“Principalmente na Champions tivemos problemas no primeiro jogo, com penáltis e vermelhos, e depois lesões. Não queremos dar desculpas mas a situação é o que é. Nos últimos jogos mostrámos outra face e ganhámos confiança nos últimos três jogos, vencendo os últimos dois. O novo sistema é uma opção para esta partida. Analisámos os jogos e nos últimos estivemos, defensivamente, melhores sem dar muitas hipóteses aos adversários. Temos agora de melhorar o nosso aspeto ofensivo. Criávamos muitas ocasiões e é o que nos falta agora no nosso jogo. Se não marcarmos, não ganhamos, logo é o que temos de melhorar”, tinha referido o treinador dos encarnados, à luz de duas partidas para a Taça da Liga (Arouca) e para a Primeira Liga (Desp. Chaves) em que o Benfica não só ganhou de forma sólida como não sofreu qualquer golo. Agora, a margem de erro era nula. E mais um insucesso europeu traria um precoce afastamento da Champions.

“Semana importante? É importante pois é crucial ganhar amanhã [quarta-feira]. Depois, ganhando no domingo ao Sporting, podemos ser líderes ao cabo de 11 jornadas. Mas haverá depois outras semanas importantes e por isso o presente e o próximo jogo são sempre os mais importantes no futebol. Se falei com Rui Costa, se fez exigências? Ele também quer jogar a fase a eliminar, como todos nós. Falamos sempre, sabemos da nossa situação, comprámos bons jogadores mas também perdemos jogadores chave. Na época passada encaixou logo mas às vezes é preciso tempo, alguns precisam de mais tempo para se ambientarem ou estão ausentes. Ainda assim, temos uma excelente equipa e é altura de mostrar. É crucial ganhar”, frisou Schmidt por mais do que uma vez, quase “chamando” a melhor versão da equipa encarnada.

Nas entrelinhas, o germânico assumia que a adaptação de alguns reforços foi mais lenta do que era esperado (Di María foi a exceção, Kökçü começou bem mas lesionou-se) e ao mesmo tempo quase recordou sem nomes a importância de elementos como Gonçalo Ramos ou Grimaldo na equipa. Com jogadores como Bah, David Neres, Juan Bernat e Kökçü lesionados, perante o quadro pintado após três meses de época oficial, o 3x4x3 era a solução possível para os problemas mais do que prováveis: falta de alternativas para o lado direito da defesa, falta de uma verdadeira “alternativa” para o corredor esquerdo, espaço para Florentino Luís e maior mobilidade num ataque com Gonçalo Guedes a aparecer perante o rendimento inicial de Arthur Cabral e até Tengstedt (Musa ainda deu respostas mas adensou depois as questões enquanto esteve ausente).

Com apenas uma alteração no onze, apostando em Arthur Cabral no lugar de Gonçalo Guedes talvez em busca de maior capacidade de dar profundidade ao jogo quando a pressão basca fosse mais alta, Schmidt viu a equipa entrar numa autêntica lei de Murphy em que tudo o que podia correr mal correu ainda pior, a ponto de, durante a primeira parte, ter pairado pelo Anoeta o fantasma de uma das piores noites europeias das águias quando o Benfica perdeu por 7-0 com o Celta de Vigo. Exagero? Nem por isso: em 45 minutos houve três golos validados, mais dois anulados, mais uma grande penalidade falhada e ainda uma defesa de Trubin perto do intervalo a remate de Oyarzabal. Depois, no segundo tempo, Rafa ainda reduziu logo a abrir mas a formação encarnada nunca foi capaz de embalar para algo mais que evitasse a eliminação da Champions só com derrotas em quatro jogos. Quis mas não conseguiu. Faltou capacidade, talento, organização, qualidade. O filme de terror em 45 minutos tornou-se um drama até ao final com um resultado anunciado. E essa conversa de Schmidt ao intervalo com os jogadores mais não foi do que o assumir da época europeia falhada após duas idas consecutivas aos quartos, sendo que até a Liga Europa está agora em perigo.

Ficha de jogo

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Real Sociedad-Benfica, 3-1

4.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Reale Arena, em San Sebastián (Espanha)

Árbitro: Anthony Taylor (Inglaterra)

Real Sociedad: Remiro; Elustondo (Odriozola, 86′), Le Normand, Zubeldia, Muñoz; Brais Méndez (Turrientes, 70′), Zubimendi, Mikel Merino; Kubo (Carlos Fernández, 70′), Barrenetxea (Zakharyan, 78′) e Oyarzabal

Suplentes não utilizados: Ayesa, Unai Marrero, Cho, Olasagasti, Sadiq, Magunacelaya e Marín

Treinador: Imanol Alguaci

Benfica: Trubin; António Silva, Otamendi, Morato; João Neves, Florentino Luís (Jurásek, 31′), João Mário (Chiquinho, 85′), Aursnes; Di María (Tengstedt, 85′), Rafa (Gonçalo Guedes, 85′) e Arthur Cabral (Musa, 64′)

Suplentes não utilizados: Samuel Soares, Kokubo, João Victor, Tomás Araújo e Tiago Gouveia

Treinador: Roger Schmidt

Golos: Mikel Merino (6′), Oyarzabal (11′), Barrenetxea (21′) e Rafa (49′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Florentino Luís (20′) e Barrenetxea (63′)

A partida até começou com uma imagem contrária à que ficaria como principal espelho da primeira parte, com João Mário a aproveitar uma segunda bola após livre lateral na esquerda para rematar mas prensado num defesa a sair para canto (4′), mas a sucessão de erros defensivos estava prestes a começar em 15 minutos de terror que poderiam ser ainda piores do que foram: Mikel Merino inaugurou o marcador num lance em que houve uma sucessão de abordagens erráticas entre o passe de Kubo para o cruzamento de Barrenetxea cortado por Morato, a insistência de Muñoz e o desvio de cabeça do internacional espanhol (6′), Ayorzabal aumentou na sequência de um passe mal medido de Florentino Luís para Otamendi que foi intercetado pelo avançado antes do remate com sucesso perante a saída de Trubin (11′) e o cenário não ficou ainda mais negro porque Merino viu um golo invalidado por mão na bola antes da recarga após livre lateral (15′).

Pelo meio, Di María teve a possibilidade de quebrar o jejum de golos dos encarnados na Champions numa situação em que chegou a ter superioridade numérica no ataque mas o remate, de pé direito, saiu muito fraco e à figura de Remiro (9′). No entanto, quando Schmidt pedia melhorias no ataque que não se viram, quase regressou à “estaca zero” em termos defensivos que chegou aos três e podia ir nos seis em apenas meia hora de jogo: Oyarzarbal viu mais um golo anulado neste caso por uma situação de fora de jogo clara após uma insistência com cruzamento de Elustondo (20′) mas Barrenetxea não demorou a abrir mais uma vez o livre numa jogada em que deixou João Neves e António Silva pregados, fletiu da esquerda para o meio e rematou sem hipóteses para Trubin (21′) e ainda houve um penálti falhado por Brais Méndez, que acertou no poste após uma falta que resultou de mais uma abordagem precipitada de Otamendi sobre Oyarzabal (29′).

Pior era mesmo impossível mas Roger Schmidt tinha de mexer em alguma coisa. Assim, decidiu lançar para a esquerda Jurásek e abdicar de Florentino Luís, que acabava por ficar com a “chancela” de um descalabro que também passou por si mas estava longe de resumir-se a si. Porquê? Porque pouco ou nada mudou. Otamendi ainda teve o primeiro remate enquadrado com a baliza mas na sequência de um livre lateral e para defesa sem problemas de Remiro (33′). Na baliza contrária, em mais um lance que passou pelos pés de Zubamendi, Oyarzabal surgiu em boa posição mas Trubin impediu um resultado mais pesado ao intervalo (41′). Ficou o 3-0 mas nem por isso a Real Sociedad deixou de ser superior a todos os níveis em relação ao Benfica – o que mudou foi o que o último passe não saiu, a desmarcação não foi tão boa ou a intensidade também baixou um pouco. Ou seja, nada por mérito de uma reação encarnada mas sim por “demérito” dos bascos.

A segunda parte teve um início diferente entre muitas paragens pelo meio. Um início diferente porque a Real Sociedad não teve a mesma corda em termos ofensivos, também por mérito de uma reorganização defensiva do Benfica que soube ocupar melhor os espaços. Um início diferente porque os encarnados fizeram o seu primeiro golo nesta edição da Liga dos Campeões, na sequência de uma insistência de Arthur Cabral para Otamendi antes do cruzamento do argentino para o desvio de primeira de Rafa na área (49′). Um início diferente porque, entre choques e lesões, os adeptos bascos vaiaram o comportamento dos encarnados, que na sua zona do estádio foram acendendo e depois atirando tochas para o relvado numa zona próximo onde estavam algumas pessoas. “Vergonha, adeptos do Benfica”, escrevia a conta oficial do X dos espanhóis. A seguir, quando tudo voltou a acalmar, continuou a haver muito menos da Real Sociedad e um pouco mais de Benfica mas a diferença entre os dois conjuntos continuava expressa no resultado e no campo. 

Musa ainda foi lançado para o lugar de Arthur Cabral, numa tentativa de dar outros movimentos e maior frescura ao ataque, mas aquele segundo golo que poderia de vez relançar a partida acabou por não aparecer e foram os bascos de novo a tomar conta da partida após mais uma tentativa de meia distância de Otamendi para desvio para canto de Remiro (59′). Zubimendi, que outra vez mostrou que é um dos melhores médios da atualidade nas suas funções, arriscou o remate numa segunda bola e falhou por pouco o alvo (64′). Pouco depois, Barrenetxea, mais uma das revelações da temporada a este nível, teve um cruzamento remate que voltou a assustar Trubin (76′). O encontro tinha perdido qualidade, intensidade e capacidade no último terço, com o 3-1 a arrastar-se até ao final entre várias substituições sem grandes efeitos práticos nas equipas.