Este é “um péssimo dia para falar sobre hidrogénio”. O desabafo foi feito por um diretor de uma empresa portuguesa de gás num debate sobre gases renováveis que se realizou esta quarta-feira quando os operadores da energia ainda estão a tentar assimilar os efeitos do inquérito criminal que fez cair o primeiro-ministro e que tem como epicentro projetos de lítio e hidrogénio.
A conferência organizada anualmente pela ACEMEL (Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado) para uma plateia de especialistas e gestores do setor não fugiu ao tema que domina a atualidade política, até porque as suspeitas que envolvem negócios da transição energética, como o hidrogénio verde, podem comprometer, ou no mínimo atrasar, a execução destes investimentos.
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Ricardo Emílio, diretor da unidade de biometano (um gás renovável) da Douro Gás, defende que a agenda para a implementação do hidrogénio verde “não pode parar. Não pode haver recuo e quanto mais nos atrasarmos, mais caro fica para o consumidor final”. Além de que, assinalou, nem todos os consumos de energia fóssil podem ser eletrificados. Para os que não podem, sobretudo grandes consumos de natureza industrial, o hidrogénio verde (gás produzido a partir de fontes renováveis) é a alternativa em que todo o setor aposta. Apesar das dúvidas que surgiram no horizonte na frente política.
Ministério do Ambiente, Secretaria de Estado da Energia, Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Agência Portuguesa do Ambiente foram todos alvo de buscas por suspeitas de crimes na gestão política de projetos de hidrogénio verde e lítio. E uma das primeiras vítimas de uma eventual paralisia das entidades, agravada pela queda do Governo, pode ser o primeiro leilão experimental para a compra de hidrogénio e biometano.
No caso deste concurso, afirmou o diretor da Douro Gás, há um problema na formação do preço porque exige uma liquidez de biogás que não existe no mercado. Ricardo Emílio considera ainda que a estratégia nacional do hidrogénio foi muito abrangente ao incluir o residencial e os transportes. “Quisemos fazer logo o caminho todo, mas temos de repensar o uso na mobilidade que não se tem desenvolvido à velocidade esperada”.
O diretor de estudos e regulação da REN (Redes Energéticas Nacionais) quis deixar uma mensagem de “empenho total do operador da infraestrutura” nas “circunstâncias em que vivemos”.
Pedro Furtado diz que a REN está a avançar com a certificação da infraestrutura de alta pressão para poder receber até 10% de hidrogénio verde, apesar de no caso do armazenamento esta percentagem implicar um desafio económico e técnico porque não será viável incorporar mais de 3%. Nas redes de gás distribuição da Portgás está a ser feito o trabalho para que até março de 2024 seja possível acomodar 20% de hidrogénio. Até final do próximo ano, o diretor da REN diz que estará concluído o levantamento de tudo o que tem de ser feito para que a rede de gás esteja adequada a receber até 100% de hidrogénio verde.
A REN aguarda ainda para breve a decisão europeia de financiamento ao projeto do corredor verde, apresentado por Portugal, Espanha e França para um gasoduto que possa transportar hidrogénio para o centro da Europa.
Para Pedro Furtado, as redes são fundamentais para o desenvolvimento do hidrogénio porque permitem dar uma escolha a produtores e consumidores. Os projetos de desenvolvimento de produção de hidrogénio para consumo local tem vindo a ganhar força (face à ideia da exportação e do transporte), mas o diretor da REN defende que a rede deve ser o veículo dos excedentes da produção industrial para consumo local.
No mesmo debate, o administrador da Floene descreveu o projeto da empresa na rede de distribuição no Seixal que tem já 13% a 15% de gás misturado, o qual tem atraído visitas de empresas e responsáveis políticos de vários países, do Japão à Alemanha. Segundo Miguel Faria, grande parte da rede de distribuição da Floene estará pronta para receber até 80% de metano e 20% de hidrogénio. A Floene é a empresa que comprou a gestora das redes as antigas distribuidoras regionais de gás que era detida pela Galp.
Para este gestor, se o “hidrogénio é uma maratona, o biometano (gás a partir de resíduos de origem biológica) é uma corrida de 100 metros”, daí que “façam sentido soluções” que permitam usar os dois na mesma infraestrutura feita para o gás natural. A Floene vai apresentar um estudo que aponta para a possibilidade de a curto substituir uma parte do gás natural importado por Portugal com biogás produzido a partir dos resíduos urbanos e da agroindústria.