Cerca de 40% dos portugueses com diabetes tipo 2 não sabem que têm a doença, porque, segundo o endocrinologista Davide Carvalho, habitualmente não têm sintomas e não vão ao médico.
Em entrevista à agência Lusa a propósito do Dia Mundial da Diabetes e do livro do médico britânico Roy Taylor Um guia simples para reverter a diabetes tipo 2, editado em Portugal pela Porto Editora. Davide Carvalho explicou esta terça-feira que faz parte das análises de rotina dosear a glicose.
“Quando nós analisamos, por exemplo, a percentagem de doentes que estão por diagnosticar, em média, anda à volta dos 40%, mas, por exemplo, entre os 30 e os 40 anos pode atingir os 60%, porque estas pessoas são ativas profissionalmente e não vão ao médico e não fazem análises”, adiantou.
De acordo com o também professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, os sintomas da diabetes “são mais ou menos conhecidos” — como ter muita sede, urinar muito e ter tendência a beber muitos líquidos, que aparecem numa fase doença “mais avançada”, em que já é sintomática.
Aconselhando avaliações periódicas ao estado de saúde, Davide Carvalho referiu que as pessoas deveriam fazer análises idealmente uma vez por ano, mas, observou, se fizerem entre três e cinco anos, a maioria acabaria por ser diagnosticada.
“Devem fazer avaliações de acordo com o contexto, porque muitas vezes estes doentes ou têm história familiar de diabetes ou nasceram com excesso de peso ou (…) têm também obesidade ou têm outras doenças, como, por exemplo, hipertensão, e, portanto, nesses casos, deve ser feito o doseamento da glicose para se diagnosticar diabetes”, sustentou.
Segundo o relatório anual do Observatório da Diabetes 2023, mais de um milhão de portugueses vive com a doença, ampliada, sobretudo, por erros alimentares e falta de atividade física, além dos fatores hereditários.
“Nas pessoas que aparecem com diabetes com 70 anos, a probabilidade de virem ter retinopatia, nefropatia, resultantes da diabetes, é menor do que aqueles que aparecem aos 30/40 [anos], porque [esses] vivem mais anos com açúcar elevado e, eventualmente, descompensado e o risco de terem complicações é maior. É por isso que diz que a diabetes pode encurtar a esperança de vida em cerca de sete anos em cada doente diabético, se for relativamente cedo”, afirmou.
Em Portugal, cerca de 90% a 95% dos diabéticos têm diabetes tipo 2, tendo uma menor frequência de diabetes tipo 1 em comparação, por exemplo, com os suecos e os finlandeses.
Com o aumento da obesidade durante a pandemia de Covid-19, Davide Carvalho, citando Roy Taylor, ressalvou que para reverter a diabetes, numa primeira fase, é necessário iniciar “uma dieta muito restritiva”.
“[Perder] cerca de 800 quilocalorias pode fazer com que o indivíduo perca peso e reverta a sua diabetes. (…) É preciso não esquecer que para a diabetes tipo 2, os cuidados alimentares e a diminuição da ingestão calórica são fundamentais”, frisou.
O endocrinologista lembrou ainda que o coronavírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, pode levar à destruição da célula-beta (que produz insulina no pâncreas), originando uma diabetes “muito parecida” a com a diabetes tipo 1, insistindo em campanhas de sensibilização, de modo a prevenir o aumento de doentes diabéticos, que poderá chegar aos 1.300 milhões em 2050 no mundo.
“Acho que tem de haver campanhas, e já tem havido algumas medidas (…), como taxação aplicada aos produtos, como refrigerantes, com excesso de açúcar, as taxas maiores nos produtos que contêm excesso de sal também. Tem havido algumas medidas. Claro que não chegam. Passa muito também por uma atitude individual. (…) Cada um é um pouco médico de si mesmo e, portanto, tem de tomar as medidas que lhe permitam reduzir o seu peso, vigiar o seu peso, manter-se fisicamente ativo e ter opções alimentares adequadas à sua situação”, destacou.
Cuidado com o excesso do açúcar na época das festas
O endocrinologista alertou ainda para que não se cometam muitos excessos na alimentação nas festas de Natal e fim de ano, considerando ser possível reverter a diabetes.
“A minha recomendação é para não cometerem os excessos todos e, como também não trabalham, aproveitarem para fazer um pouco de exercício”, disse o médico.
“Embora na gíria popular se diga que devemos ter Natal todos os dias, eu diria que o Natal é apenas um dia e, portanto, a minha sugestão é, mesmo que tenham festas nas empresas, nos trabalhos, etc., sejam comedidos, porque, se analisarem bem, aquilo que é tradição no nosso país, que é comer bacalhau, hortaliças, legumes, um pouco de batata, até é uma alimentação, entre aspas, relativamente pobre, [mas] depois temos um complemento de uma sobremesa que poderá ter “um pouco” de açúcar“.
Indicando uma dieta mediterrânea para controlar ou até mesmo ajudar a reverter a diabetes tipo 2, o também professor Faculdade de Medicina da Universidade do Porto referiu que devem ser privilegiados alimentos, como fruta, legumes, salada e peixe em detrimento da carne, arroz, batatas e massa.
“O que acaba por acontecer é que estes produtos são relativamente mais caros do que os outros, é mais caro, por peso, a fruta, o tomate, a salada, do que o arroz e a massa”, explicou.
“O que acontece é que hoje o nosso padrão, apesar de estarmos no Mediterrâneo, é termos uma dieta ocidental que engloba não só a Europa como os Estados Unidos, com tendência a comer muito mais fritos, tendência a comer muito mais assados, mais estufados, coisas com gordura”, sustentou.
Davide Carvalho garantiu haver um “grande problema” com o consumo de gordura durante o inverno.
“Pode ser gordura de confeção, mas pode ser até comer mais queijo, comer manteiga, comer presunto. (…) Depois também temos a questão do álcool. O álcool também tem calorias, sete quilocalorias por cada grama de álcool e (…) acaba por ser um dos fatores [do desenvolvimento da diabetes]”, observou.
“Numa fase precoce é possível reverter. E é possível reverter precisamente com medidas que permitam perder gordura que se acumula (…) no fígado e no pâncreas””, sublinhou.
Custo do combate à diabetes aumentou quase 50 por cento em quatro anos
O preço dos medicamentos para a diabetes aumentou quase 50% em quatro anos, devido ao maior número de casos diagnosticados e ao preço dos fármacos mais recentes, segundo a Direção-Geral de Saúde (DGS).
De acordo com o “Programa Nacional para a Diabetes: Desafios e Estratégias 2023”, divulgado esta terça-feira, o “crescimento dos encargos identificados com medicamentos e dispositivos para tratamento e monitorização da diabetes e os custos com os internamentos hospitalares é notório”, com 532,2 milhões de euros em 2021, contra 367 milhões em 2017.
No documento, divulgado por ocasião do Dia Mundial da Diabetes, a DGS contabiliza 2,76 milhões de utentes “com avaliação de risco de diabetes tipo 2” e 8,4% dos utentes (883.074 pessoas) sofrem da doença.
Em 2021, “a diabetes foi responsável por 3.474 mortes, correspondendo a 2,8% das mortes em Portugal” e cerca de 10% dessas vítimas mortais foram pessoas com menos de 70 anos.
Apesar disso, “a taxa de mortalidade atribuída à diabetes tem vindo gradualmente a diminuir desde 2017, sendo o valor de 2021 o mais baixo dos últimos anos”, pode ler-se no relatório.
Em 2021 a doença “foi ainda responsável por 2.770 anos potenciais de vida perdidos abaixo dos 70 anos, com uma média de 7,6 anos de vida perdidos por cada óbito ocorrido abaixo dessa idade”.
O relatório centra-se na necessidade de um rastreio atempado da retinopatia diabética, danos da retina causados pela doença, pelo que a tutela apresentou um plano de melhoria dessas ações.
“Promover a adoção de um estilo de vida saudável, identificar as pessoas em risco de desenvolver Diabetes e promover programas de prevenção, bem como diagnosticar precocemente, são medidas com potencial impacto na redução da incidência e morbilidade associada à doença”, pode ainda ler-se no plano esta terça-feira divulgado.
O tratamento da diabetes tipo 1, através de sistemas de Perfusão Subcutânea Contínua de Insulina (PSCI), permite “um melhor controlo glicémico, com menos complicações e melhor qualidade de vida”.
“Pelos benefícios clínicos”, a DGS “considera importante promover a introdução de novos tipos de dispositivos (Sistemas Automáticos de Administração de Insulina e Dispositivos Adesivos), passando assim a ser comparticipados pelo SNS no âmbito deste programa de tratamento com PSCI”.
Segundo a DGS, “estes novos tipos de dispositivos apresentam vantagens no controlo da doença, redução das complicações e melhoria da satisfação e qualidade de vida”.