A Iniciativa Liberal tem uma proposta para que os trabalhadores-estudantes com trabalho independente não sejam prejudicados no acesso a apoios sociais por auferirem rendimento, tal como foi feito para os trabalhadores dependentes. Mas a ministra do Trabalho não se comprometeu, justificando com a necessidade de combate ao falso trabalho independente. O entendimento da Iniciativa Liberal é que Ana Mendes Godinho não descartou a possibilidade.
Numa audição parlamentar no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2024, a deputada Carla Castro criticou que os trabalhadores-estudantes com uma “pequena atividade de verão” possam, por auferirem rendimentos, perder o direito a prestações sociais, considerando que há uma “desigualdade” entre dependentes e independentes.
No âmbito da agenda do trabalho digno, foi aprovada uma medida para que os rendimentos de trabalho dos trabalhadores-estudantes até aos 27 anos cujo valor anual não seja superior a 14 vezes o salário mínimo não sejam considerados rendimentos para atribuição do abono de família, de bolsas de ensino superior e pensões de sobrevivência. Mas a alteração não abrangeu os trabalhadores-estudantes com trabalho independente.
Ana Mendes Godinho não mostrou muitos sinais de querer mudar essa posição. Lembrando a alteração legislativa de maio, a ministra frisou: “Fomos nós que colocámos a questão na agenda, naturalmente promovendo relações de trabalho verdadeiras e não falsos recibos verdes. Sabemos das múltiplas situações de falsos recibos verdes que proliferam e que têm de ser uma das grandes lutas enquanto sociedade”, afirmou. A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), acrescentou, está a preparar um cruzamento de dados para detetar situações de falso trabalho independente.
O entendimento da IL é que estas afirmações não significam que o Governo tenha descartado a opção, até porque o PS aprovou no Parlamento uma resolução segundo a qual a AR deve recomendar ao Governo que “assegure que as condições de acesso a bolsas de ação social no ensino superior por parte dos trabalhadores-estudantes não discrimina os trabalhadores-independentes face aos trabalhadores dependentes”.
Carla Castro insistiu, perante Ana Mendes Godinho, que nem todo o trabalho a recibos é precário. “Não se pense que todos os recibos verdes e toda a flexibilidade signifique precariedade. Pôr todos no mesmo saco só serve para atrapalhar”, afirmou.
É “normalíssimo” que jovens queiram procurar novas experiências no estrangeiro
Ana Mendes Godinho salientou ainda a revisão das estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE) do emprego dos trabalhadores com ensino superior. Os dados iniciais davam conta da perda de cerca de 130 mil empregos de trabalhadores com grau universitário no espaço de um ano, mas a revisão feita pelo INE — para corrigir o efeito da suspensão das entrevistas presenciais durante a pandemia — aponta, afinal, para um aumento do emprego em termos homólogos. “Criou-se um mito que 128 mil pessoas tinham saído fruto de um erro metodológico, mas ainda bem que se quebrou, sobre ele foram construídas muitas teses”, apontou Ana Mendes Godinho.
Já em cadeia, como o Observador escreveu, o emprego dos trabalhadores com ensino superior caiu no terceiro trimestre do ano face ao segundo, com menos 12,5 mil postos de trabalho. Questionada sobre o assunto pelo deputado do PSD Nuno Carvalho, Ana Mendes Godinho respondeu que, tendo em conta as estatísticas dos anos anteriores, tem sido normal que este tipo de emprego diminua entre o segundo e o terceiro trimestres.
INE revê estatísticas. Emprego dos qualificados está acima de há um ano mas a cair em cadeia
Nuno Carvalho acrescentou que a diminuição do emprego nos mais qualificados foi acompanhada pela retração da economia no mesmo trimestre, o que, diz, provoca uma “fuga de licenciados preocupados”. “Temos inúmeros portugueses a procurarem trabalho lá fora porque ganham pouco aqui”, criticou.
Mais tarde, nas intervenções finais, Ana Mendes Godinho voltou ao tema dos jovens, referindo que “é normalíssimo” que queiram procurar novas experiências no estrangeiro. O que o Governo quer é “evitar a sangria” da emigração dos tempos da troika, acrescentou.
A ministra do Trabalho defendeu ainda a imigração como uma forma de aumentar as contribuições sociais para o sistema e disse que o Governo começou, em Cabo Verde e Moçambique, uma “cooperação estratégica” para investimento na formação nesses países de forma a melhorar a adequação entre as necessidades das empresas em Portugal e as competências dos trabalhadores que querem vir para o país. Portugal já tem 10 adidos dedicados a estes trabalhadores em 10 embaixadas.
Título atualizado para clarificar que Ana Mendes Godinho não rejeitou liminarmente a proposta da IL, mas não se comprometeu com ela