O Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu os dados sobre o emprego que produziu durante a pandemia e os últimos trimestres para corrigir o efeito da suspensão das entrevistas presenciais devido à Covid-19. A série revista revela que, afinal, não houve uma perda superior a 100 mil empregos de trabalhadores com o ensino superior no espaço de um ano — um cenário que o Governo e o Banco de Portugal tinham rejeitado. Mas também mostra que no terceiro trimestre do ano, em que a economia se retraiu apesar do verão, desapareceram mais de 12 mil postos de trabalhadores com grau superior face aos três meses anteriores, interrompendo um ciclo de subidas em cadeia.

Os dados divulgados esta quarta-feira sobre o mercado de trabalho no trimestre que vai de julho a setembro revelam que a população total empregada continuou a subir no terceiro trimestre do ano e ultrapassou mesmo os cinco milhões de pessoas — mais 2,2% face a período homólogo e mais 0,5% em relação ao três meses anteriores. A realidade difere, porém, consoante o nível de escolaridade para o qual se olha. O emprego dos trabalhadores com o ensino secundário e pós-secundário foi o que mais cresceu nos dois períodos — 6,4% em termos homólogos e 3,4% em cadeia. Já o número de trabalhadores com até o 3.º ciclo do ensino básico caiu: 1,9% e 0,8%, respetivamente.

No caso dos trabalhadores com ensino superior, o sentido da variação depende do período com que se compara o terceiro trimestre. A série original — cuja fragilidade estatística o próprio Governo por diversas vezes tem apontado — indicava que, no segundo trimestre do ano, o mercado de trabalho tinha perdido cerca de 130 mil trabalhadores com o ensino superior face a um ano antes. O próprio primeiro-ministro, durante o debate do estado da nação no final de julho, viria a responder a uma crítica do Bloco de Esquerda nesse sentido, remetendo para a nota metodológica de maio do INE, segundo a qual, as “variações homólogas podem ser resultado, em parte, da reintrodução do modo de recolha presencial e da reversão aos níveis pré-pandemia”. Pelo que não seriam totalmente confiáveis.

O INE reviu agora as estimativas do emprego entre o segundo trimestre de 2020 e o segundo trimestre de 2023, e a série revista mostra que não houve quebra nesse período no emprego dos trabalhadores com grau universitário: no segundo trimestre do ano, face a um ano antes, o número de trabalhadores com ensino superior, afinal, até subiu em relação ao mesmo período do ano anterior (mais 52 mil pessoas, para 1,634 milhões de pessoas). O mesmo se olharmos para o terceiro trimestre (mais 45 mil do que um ano antes).

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Porém, em cadeia, o emprego dos mais qualificados interrompeu a série de subidas que se verificava há três trimestres. No terceiro trimestre, o do verão, caiu 0,8% face ao trimestre de abril a junho, o que equivale a menos 12,5 mil trabalhadores.

A quebra verificou-se num trimestre de retração económica. Segundo o INE, o Produto Interno Bruto (PIB) contraiu 0,2% em cadeia, penalizado pelas exportações de bens e serviços, incluindo o turismo. Ainda assim, na primeira leitura do INE a esses dados provisórios, a procura interna conteve uma quebra maior, com o contributo a passar de negativo a positivo perante “aumentos do consumo privado e do investimento”, indicou, na altura, o INE.

Economia portuguesa registou queda de 0,2% no terceiro trimestre

O “mistério” dos 128 mil licenciados “desaparecidos”

Os dados mostravam um tombo considerável: em apenas um ano, para onde tinham ido os mais de 128 mil licenciados que deixaram de constar no indicador do INE da população empregada? O instituto viria a publicar uma nota metodológica sobre o assunto, em maio, esclarecendo que, “embora possa haver outros fatores justificativos” relacionados com a dinâmica do mercado de trabalho, as variações homólogas tão significativas podiam resultar “em parte, da reintrodução do modo de recolha presencial e da reversão aos níveis pré-pandemia”. E sublinhava mesmo: os resultados do Inquérito ao Emprego “não permitem tirar conclusões diretas sobre a relação entre a evolução dos indicadores do mercado de trabalho e os fluxos migratórios (emigração e imigração)”.

Durante a pandemia, o INE suspendeu o modo de recolha de dados por entrevista presencial e substituiu-o pela entrevista telefónica. O mesmo foi feito noutros países da UE, que produzem estatísticas semelhantes às do INE. A suspensão começou na primeira quinzena de março de 2020 e só foi revertida após o segundo trimestre de 2022. A consequência foi que a taxa de resposta caiu consideravelmente. A “passagem para o modo de recolha exclusivamente telefónico no Inquérito ao Emprego durante a pandemia Covid-19 pode ter contribuído para alguma perturbação nos resultados”, dizia mesmo o INE. Mas salientava que, ainda assim, os dados “cumprem os níveis de fiabilidade exigidos”.

E, de facto, com o regresso ao modo de recolha pré-pandemia no terceiro trimestre de 2022, das entrevistas presenciais, “está a assistir-se a uma reversão gradual aos níveis observados pré-Covid, o que pode implicar que, ao longo do ano de 2023, tal como sucedeu no final de 2022, ocorram variações homólogas diferentes das esperadas”, que “estão a ser acompanhadas pelo aumento substancial nas taxas de resposta”.

Na nota divulgada esta quarta-feira, o INE acrescenta que tem monitorizado desde o início o impacto da suspensão da recolha presencial nos indicadores do mercado de trabalho, estudando formas de “minimizar” as alterações registadas. “Foi na sequência destes estudos que decidiu restringir a base de amostragem às unidades de alojamento em que era possível a entrevista por via telefónica”, lê-se. Além disso, introduziu uma alteração metodológica nos ponderadores da amostra, para responder ao facto de a escolaridade ser “uma das variáveis mais sensíveis à mudança para o modo de recolha exclusivamente telefónica”. E foi, aliás, nos indicadores da população empregada com ensino superior, e da população desempregada com ensino superior, que se verificaram algumas das maiores alterações face à série original.

A questão do “mistério” dos 128 mil diplomados “que num trimestre teriam desaparecido” foi, recentemente, desta forma, endereçada pelo secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Nuno Teixeira, durante a audição parlamentar no âmbito do Orçamento do Estado para 2024. “Em 2020, segundo os dados [originais] do quarto trimestre do Inquérito ao Emprego, teríamos tido um aumento de quase 300 mil diplomados. Ora, como o sistema nacional só produziu mais 86 mil, de onde é que vinham os outros? Podiam ter entrado quase 150 mil, mas em 2020 grande parte das fronteiras estiveram fechadas. Não é possível”, afirmou. A mesma discrepância verificou-se em 2021.

“Ou seja, em dois anos, em Portugal, teríamos acrescentado mais de 400 mil diplomados, quando temos 400 mil alunos. Era um milagre do ponto de vista de eficiência formativa e, sobretudo, quando o sistema em termos dos dados da DGE [Direção Geral da Educação] só acrescentou 175 mil. O que estamos a observar nos dados do INE é que à medida que o INE regressou a um inquérito presencial estamos a ajustar a curva estatística à tendência pré-2020“, afirmou, concluindo que houve “um artifício estatístico que tem a ver com alteração de métodos de cálculo”.

Taxa de desemprego mantém-se nos 6,1%, mas é ligeiramente superior do que há um ano

O emprego total, independentemente da escolaridade, subiu, mas o desemprego também. A população desempregada cresceu 4,4% (13,7 mil) em relação ao período homólogo e 0,5% (1,4 mil) face ao trimestre anterior. A taxa de desemprego continua em níveis historicamente baixos, mantendo-se em 6,1%, mas está 0,1 pontos percentuais acima do mesmo trimestre de 2022. Ainda assim, longe da estimativa do Governo para o total deste ano e do próximo — 6,7%, tal como consta no cenário macroeconómico da proposta de Orçamento do Estado para 2024.

No caso dos trabalhadores com ensino superior, o desemprego caiu 5,7% em termos homólogos mas cresceu uns expressivos 13,7% em cadeia, neste último caso em contraciclo com os restantes níveis de escolaridade (ensino básico e secundário), que até viram o desemprego recuar. Mas em termos homólogos, foi no grupo dos trabalhadores com até ao ensino básico que o desemprego mais subiu (8,9%), seguido do ensino secundário/pós-secundário (6,6%).