Uma nação que fala uma língua da qual consta o verbo desenrascar não pode ser perfecionista. É paradoxal pensar que um termo que parecia ter sido criado à medida da Seleção Nacional deixe de se adequar. Merece até que se pergunte no tom de quem exige um passo atrás: Então, mas já não precisamos de esperar até à última para nos apurarmos? De repente, não precisamos de espremer a equipa até à última gota para que nasça um golo? E derrotas, não há? Não, não e não. As respostas são simples. Por isso, contra o Liechtenstein, no último jogo fora no grupo J de qualificação para o Euro2024, para o qual, imagine-se, Portugal conseguiu o passaporte três jogos antes do final, a resposta da equipa foi mais do mesmo: uma vitória que chegou com a naturalidade com que os pássaros cantam (0-2).

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O Europeu começava aqui. Era o selecionador nacional, Roberto Martínez, que o assumia. “Temos quatro jogos para preparar o Europeu”. Mas quantas mais soluções Portugal tiver para chegar à Alemanha e atacar o sonho de que todos falam, melhor. Por isso, o técnico deu tanto ênfase às experiências na visita ao Liechtenstein. Misturou-se o conteúdo de dois tubos de ensaio, o treinador espanhol vestiu uma bata branca e boom. Através de uma fórmula ultra-ofensiva, nasceu um onze inicial, permitindo a José Sá, na baliza, e Toti Gomes somarem as primeiras internacionalizações.

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“Este é um grupo de jogadores com um sonho coletivo”: os elogios de Martínez após mais uma vitória a bater recordes históricos

“Acho que é um jogo onde a estrutura não é muito rígida, precisamos de reagir muito rápido e defender muito em cima do Liechtenstein. Será uma estrutura de três centrais, com o Rúben Neves na linha mais defensiva. Vamos jogar maior parte do tempo no meio-campo do adversário, por isso, precisamos de controlar o contra-ataque”, disse, já no relvado, Roberto Martínez sobre a ideia que tinha para o jogo momentos antes da bola começar a rolar. “Este é um jogo importante para nós, com muitos jogadores de ataque. Queremos mostrar que somos equilibrados. Temos de ter uma boa atitude, sobretudo no último terço. Os sucessos serão consequência de um bom desempenho. É muito importante que o desempenho coletivo da equipa seja top. Quero um desempenho ao mais alto nível”, conclui em declarações à RTP.

Ficha de Jogo

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Liechtenstein-Portugal, 0-2

9.ª jornada do grupo J de qualificação para o Europeu

Rheinpark Stadion, em Vaduz (Liechtenstein)

Árbitro: Mohammed Al-Hakim (Suécia)

Liechtenstein: Buchel, Malin, Wieser, Traber, Beck (Kranz, 64′), Luchimger (Meier, 45′), Buchel, Sele (Hofer, 77′), Goppel, Hasler (Ospelt, 64′) e Salanovic (Marxer, 90′)

Suplentes não utilizados: Foser, Lo Russo, Schiegel, Kindle, Netzer, Kollmann e Wolfinger

Treinador: Konrad Funfstuck

Portugal: José Sá, João Cancelo (João Mário, 87′), António Silva, Rúben Neves, Toti Gomes, Bruno Fernandes (Vitinha, 67′), João Félix (João Neves, 87′), Bernardo Silva (Ricardo Horta, 60′), Diogo Jota, Ronaldo (Bruma, 67′) e Gonçalo Ramos

Suplentes não utilizados: Rui Patrício, Diogo Costa, Rúben Dias, Raphael Guerreiro, João Palhinha, Gonçalo Inácio e Otávio

Treinador: Roberto Martínez

Golos: Cristiano Ronaldo (47′) e João Cancelo (57′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Luchinger (24′) e Diogo Jota (90+5′)

Esta era a maneira que Portugal tinha para afirmar que queria terminar a qualificação só com vitórias. Em situação contrária estava o modesto Liechtenstein que, no último lugar do grupo, a única coisa que não somou foi pontos, porque golos sofridos, ao fim de oito jogos, foram 25 (e apenas um marcado), cenário completamente oposto ao da equipa das quinas que tinha 32 marcados e dois sofridos. De facto, este jogo em tudo se assemelhou a uma daquelas primeiras eliminatórias da Taça de Portugal em que um gigante encontra um clube que tem que jogar em casa emprestada por não ter condições para receber o rival no seu estádio. Neste caso, a partida até se realizou mesmo em Vaduz, mas a questão era a diferença do nível futebolístico apresentado.

Portugal não se instalou nos últimos 30 metros do Liechtenstein, chegou bem mais perto do que isso. Os centrais da equipa das quinas não só estavam bem à frente da linha do meio-campo, como estavam mais adiantados do que o banco de suplentes. Bernardo Silva e João Cancelo mostraram-se especialistas em montar a tenda, pois dali a Seleção Nacional não mais saiu e muito esta dupla contribuiu para isso. Portugal tentava maioritariamente jogar por fora, o que mostrava ser a leitura correta do jogo devido ao povoamento que os adversários faziam do corredor central. Bernardo atraía os defesas, Cancelo subia para cruzar. O método era simples e valeu aos jogadores de Roberto Martínez a grande ocasião de perigo da primeira parte que acabou com Gonçalo Ramos a cabecear ao lado.

Outro recurso que Portugal vinha mostrando era a capacidade de Cristiano Ronaldo, aparentemente com pouco auxílio, criar as suas próprias ocasiões para finalizar. Excluam-se desta equação os livres, situação através da qual o jogador do Al Nassr também arriscou. Bastava olhar para os últimos cinco minutos da primeira parte em que o avançado de 38 anos arriscou o golo em três ocasiões: um pontapé de bicicleta que saiu torto e dois remates que Buchel, guarda-redes do Liechtenstein, defendeu.

Então, foi à qualidade individual que Portugal se entregou. Diga-se que esta responsabilidade ficou em bons pés. Cristiano Ronaldo parece que não foi aos balneários ao intervalo, porque começou a segunda parte da mesma forma que terminou a primeira. O capitão começou por acertar no poste, sendo que, imediatamente a seguir, não deu hipóteses a Buchel ao rematar de pé esquerdo (47′) na sequência de um lance brilhantemente desbloqueado por João Félix e definido por Diogo Jota. Não foi preciso esperar muito por mais um golo que foi marcado pelo jogador que dividiu o protagonista com CR7. João Cancelo aproveitou um erro de cálculo do guarda-redes do Liechtenstein, que saiu da baliza de forma despropositada, e, perante uma baliza deserta, alargou a vantagem.

Acentuava-se a ideia de que Portugal é uma equipa com pilhas que duram apenas uma parte, visto que também contra a Bósnia os golos (e foram cinco) ficaram concentrados em apenas 45 minutos. Ainda assim, a segunda parte contra o Liechtenstein não foi propriamente um oásis no deserto. Aliás, Roberto Martínez não deve ter ficado nada contente com a oportunidade que Salanovic teve cara a cara com José Sá. Foi uma situação única, mas não deixa de ser uma distração.

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A partir daí, Portugal continuou acampado junto da área do Liechtenstein. João Félix estava desejoso por marcar e notava-se frustração quando, por muito que tentasse, não conseguia. Foi ao jogador do Barcelona que foi anulado o primeiro de dois remates que Portugal ainda acabaria por colocar dentro da baliza. O outro foi de Gonçalo Ramos. De qualquer modo, quando João Mário, lateral do FC Porto, também se estreou, o trabalho estava feito e Portugal já garantira os 27 pontos.