Marcamos encontro com os Pluto no Centro Comercial STOP, esse ninho criativo que tem estado rodeado de polémica. Avançamos pelos corredores escuros, musicais, e chegamos ao Largo Recording Studio, o estúdio de gravação do baterista, Ruca Lacerda, que funciona também como sala de ensaios. Quando a porta se abre, é como se entrássemos noutra dimensão, tal o contraste.
Lá dentro, há uma luz quente que se une às cores vibrantes dos instrumentos e um sofá onde se sentam os quatro músicos que, em 2002, formaram aquele projeto de rock: Manel Cruz (voz e guitarra), Peixe (guitarra), Eduardo Silva (baixo) e Ruca. Manel e Peixe vinham dos Ornatos Violeta, Ruca era um pouco mais novo e Eduardo um pouco mais velho, o que resultou numa “salada fixe geracional”, lembra Peixe.
Os Pluto abrem, então, o álbum de memórias. As de uns completam as dos outros, há riso solto e algumas reflexões. Olha-se para trás só para entender o presente, porque existem novidades na calha, mais caminho para andar. No passado mês de novembro, a banda editou um tema novo: Túnel, disponível nas plataformas digitais, é o primeiro original a ver a luz desde o lançamento, em 2004, de Bom Dia, o único álbum editado desde a criação do grupo.
[o vídeo da nova canção dos Pluto, “Túnel”:]
Estabeleça-se já a cronologia: os Pluto estiveram em atividade até 2006, altura em que fizeram uma pausa, para se dedicarem a outros projetos. Retomaram as atuações ao vivo em janeiro de 2022, n’O Salgado Faz Anos… Fest! — celebração do aniversário de Luís Salgado, programador do espaço portuense Maus Hábitos, já com aura de festival mítico. Ainda se estava a recuperar dos danos causados pela pandemia, recorda Peixe: “Foi a primeira vez, para aí em dois anos, que me lembro de estar no meio de uma multidão. Estava tudo louco. Foi mesmo fixe.” Seguiram-se mais umas datas país fora, em clubes. E agora, aproveitando o lançamento de Túnel, há concertos agendados no Porto e em Lisboa.
Vem aí música “nova, nova, nova, mesmo nova”
O primeiro espetáculo é já nesta quinta-feira, dia 7, no Plano B, no Porto; no dia seguinte, feriado, a banda atua no Musicbox (que celebra 17 anos) em duas sessões: à noite e à tarde, em jeito de matiné — esta última é uma atuação extra marcada para as 18h30 e ainda há bilhetes disponíveis. O que esperar desses concertos? Um regresso a Bom Dia, claro, mas também temas que já têm anos, mas não chegaram a ser gravados, só tocados uma ou outra vez ao vivo, como Flores, ou Quadrado. E uma música “nova, nova, nova, mesmo nova”, nas palavras de Ruca: A Minha Vez de Construir. Foi feita nesta nova fase do Túnel, tema com autoria de Manel Cruz.
Manel escreveu a letra de Túnel com base numa situação específica: “Cheguei a casa, estava super cansado, não tinha energia para nada, mas irritei-me, já não sei com o quê, passei-me, e fiquei a pensar: se eu não tinha energia para nada, de onde é que isto veio? O mal é líquido, como se costuma dizer — arranja sempre maneira de nos ir buscar energia a algum lado. De facto, a energia existe. Muitas vezes, a parte anímica impede-nos de ir buscar essa energia para coisas positivas. Então, surgiu esta coisa do ‘corre negra fúria por mim afora, o prodígio claro da energia’. Tem a ver com isso, e com a utilização dessa energia, se é para dar as mãos e abraçar as estrelas, se é para f**** tudo à tua volta”.
Túnel tem, inclusive, direito a teledisco, realizado por Joana Brandão. Em campo surgem pugilistas e em redor gente a puxar por eles. “Vês os pugilistas olhar para as pessoas e percebes que a representação visual da violência não é necessariamente o lugar onde está mais essa violência. Se calhar, está mais, neste caso, metaforicamente, no público que vê a violência. Às vezes, vê-se isso nas redes sociais”, observa Manel. “As pessoas permitem-se muito facilmente uma agressividade e uma violência que, muitas vezes, não se apercebem de que é uma reprodução daquilo que criticam.”
E podemos esperar um segundo álbum? Para já, está tudo em aberto. Talvez se houver uma mão cheia de temas novos valha a pena compilá-los num objeto físico, “ainda que não seja necessário, hoje em dia”, admite Manel. Peixe completa: “O paradigma mudou imenso, o formato físico já não é uma coisa essencial. Também já não há a ligação que havia ao álbum do artista, ouvi-lo do início ao fim. Os artistas vão lançando mais músicas avulsas”. E Ruca conclui: “Querer fazer um álbum é uma viagem grande. Estamos mais nas viagens pequeninas. Depois, se tivermos a hipótese de chegar a uma viagem grande, vamos ficar contentes, claro que sim”.
Um código que funciona (e resoluções para 2024)
O tempo voou, mas os Pluto pouco mudaram, assim o garantem. Aliás, nunca deixaram de se encontrar, nem de fazer coisas. Quem são eles, enquanto banda, em 2023? “Acima de tudo, há uma linguagem própria nos Pluto”, atira Manel. “Não somos iguais com toda a gente, temos códigos de linguagem específicos. O que me atrai nos Pluto é essa linguagem que não sei muito bem especificar, mas é uma forma de comunicarmos e de nos colocarmos nas nossas funções sem termos combinado isso. Conseguimos criar um código que funciona; podia não funcionar. Mas a verdade é que o som dos Pluto é resultado disso.”
Claro que, entretanto, houve coisas que se alteraram, na vida de cada um. “O Ruca já tem pelos no peito”, brinca Peixe. Afinal, o baterista contava apenas 19 anos quando o projeto arrancou, e desde os 13 se fazia notar. No tempo de Cão!, o primeiro disco dos Ornatos Violeta (editado em setembro de 1997), Ruca já andava por perto, era um miúdo apaixonado por música, capaz de ficar horas a assistir a ensaios sem um pio, e que chegou a reprovar por faltas para tocar bateria, tal era a sua dedicação àquele instrumento em particular. Manel lembra-se dele, adolescente, a trabalhar numa loja de música, mais interessado na bateria digital do que em atender os clientes. Ruca confirma. Foi mês e meio que durou esse emprego de verão. E teve um propósito: financiar uma ida ao Festival do Sudoeste. “Na altura, era óbvio para nós que ele ia ser alto músico”, recorda Peixe. Mal imaginava o guitarrista que, anos depois, estariam a tocar juntos.
E a vida musical para lá dos Pluto, como vai? Manel Cruz, além de ter o seu projeto a solo, continua a tocar com os Ornatos, numa ótica mais celebratória, assim como Peixe, que também integra o projeto Miramar, faz bandas sonoras para teatro e tenciona fazer um disco em nome próprio. Eduardo Silva está ligado à Casa da Guitarra, um projeto de fado e música tradicional, no Porto. E Ruca, além de ser guitarrista dos Mão Morta e ir colaborando com outros grupos (entre eles, o coletivo Mão Verde), está dedicado à produção no seu Largo Studio, este onde nos encontramos agora e que mais parece uma sala de estar.
Ainda no sofá, Peixe comenta que tem vontade de fazer o tal álbum a solo, mas outras coisas vão surgindo, e gosta de manter algum tempo livre. “Editar música é fixe, mas também podes não editar”, remata, divertido. Manel identifica-se: “À medida que vou crescendo, vou percebendo que houve muitas alturas em que fugi demasiado para o trabalho, e o trabalho não te dá tudo. Às vezes, tenho a sensação de que a gente faz montes de coisas e, dessas coisas, tem uma janelinha onde se vê o dia; e devia ser ao contrário: a gente devia ter o dia com uma janelinha para as coisas. Sinto que me esqueço de usufruir, de viver. É uma das minhas ambições para 2024”. Rimo-nos, e com isto nos levantamos. É feriado e, para lá daquela porta, cada um tem as suas próprias estrelas para abraçar.