No currículo de Aitana López, de 25 anos, estão marcas como a Victoria’s Secret, Guess e Brandy Melville. Juntou-se ao Instagram em julho deste ano, mas já conquistou 213 mil seguidores, chegando a faturar mais de 10 mil euros por mês. Não precisa de tirar folgas, não tem manias, nunca fica doente. A modelo é mais um caso de sucesso da Inteligência Artificial (IA), empreitada, neste caso em concreto, da agência espanhola The Clueless.

“Começámos a analisar a forma como trabalhávamos e percebemos que muitos projetos eram postos em espera ou cancelados devido a problemas fora do nosso controlo”, explicou à Euronews Rubén Cruz, fundador da empresa. “Muitas vezes, era por culpa da influencer ou modelo, e não devido a questões de design.” Criaram Aitana para poderem “viver melhor” e de forma independente, fugindo a, como o colocou o empresário, “pessoas que têm egos, manias ou que só querem ganhar muito dinheiro a posar.”

Aitana é uma entusiasta do fitness, “extrovertida e carinhosa”, ligada aos universos do gaming e do cosplay.Foi objeto de muita reflexão. Criámo-la com base no que a sociedade mais gosta. Pensámos nos gostos, hobbies e nichos que têm sido tendência nos últimos anos”, explica Cruz. Todas as semanas, a equipa reúne-se para decidir o que a influencer vai fazer, que locais vai visitar e que fotografias vão ser carregadas nas redes sociais.

Neste post de novemebro, Aitana partilha com os seguidores o resultado de uma sessão fotográfica. Nos tags, marcou a Olaplex e a Brandy Melville

Fruto de um cocktail que alia a Inteligência Artificial a uma equipa de especialistas em design — que recorrem ao Photoshop para aperfeiçoar o resultado —, muitos dos seguidores de Aitana parecem desconhecer que não se trata de uma pessoa real. “Um conhecido ator latino-americano enviou-lhe uma mensagem a convidá-la para sair. Este ator tem cerca de 5 milhões de seguidores e alguns membros da nossa equipa viram a sua série de televisão quando eram crianças”, contou o empresário à Euronews. “Ele não fazia ideia de que a Aitana não existia.”

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Diretamente de Helsínquia, Milla Sofia, de 24 anos, partilha com 125 mil seguidores no Instagram imagens de férias de luxo a bordo de um iate, poses em biquíni na praia, vestidos de noite para eventos especiais. Formada na “Universidade da Esfera Virtual”, como conta no site, apresenta-se como influencer virtual e modelo. Já fechou uma parceria com várias campanhas digitais para a retalhista tecnológica TYYLILUURI — na loja online, Milla aparece em destaque a segurar um smartphone.

“Colaborar com Milla Sofia é um passo emocionante numa direção nova e inovadora para a nossa marca”, comentou Jouni Turpeinen, CEO da empresa, citado pelo The Independent. “É um exemplo de como a Inteligência Artificial pode criar novas oportunidades para as comunicações e o marketing.”

Num post de agosto, Milla Sofia mostra-se em pose numa fotografia das suas “férias” em Santorini

À semelhança do que acontece com Aitana, muitos dos seguidores de Milla parecem ignorar tratar-se de IA, inundam-lhe os posts com elogios, enviam-lhe convites para ir almoçar. “Todas as descrições nas suas páginas nas redes sociais dizem claramente que é uma influenciadora virtual, criada com Inteligência Artificial”, esclarece o agente, que prefere manter-se anónimo, ao jornal britânico, acrescentando que, por se tratar de um fenómeno recente, pode causar “mal entendidos por parte de alguns seguidores”.

Outros indignam-se, acusam Milla de perpetuar padrões de beleza irrealistas, do perigo que os mesmos representam para as gerações mais novas. O agente defende-se, argumentando que muitas modelos e influencers recorrem a intervenções estéticas. “Os ideais de beleza já estão distorcidos há muito tempo. A Inteligência Artificial só facilita as mudanças, é apenas um passo adicional que se afasta da realidade.”

Também Lil Miquela, de 19 anos, pioneira de todas as modelos de IA, tem sido alvo de críticas desde que chegou à Internet, em 2016. Com 2,7 milhões de seguidores no Instagram, foi considerada pela Time uma das pessoas mais influentes de 2018, trabalhou com a Prada e a Calvin Klein. Quando a PacSun a contratou para a campanha de regresso às aulas — que incluía um vídeo onde Lil Miquela “beijava” a modelo Bella Hadid — choveram críticas e acusações de queer bating (técnica de marketing usada por uma marca para se aproximar da comunidade LGBTQIA+).

Goste-se ou não, é um mundo paralelo em crescimento. Em novembro deste ano, os criadores gerados por IA faturaram cerca de 15% dos rendimentos da plataforma Fanvue que, tal como o OnlyFans, funciona numa lógica de transação direta: os fãs pagam aos criadores para receberem conteúdos exclusivos, muitas vezes personalizados. “É um crescimento de mais de 100% em relação ao mês anterior e é uma subida progressiva. O interesse está a crescer“, revela ao The Telegraph Will Monange, co-fundador da plataforma.

De acordo com a Forbes, a indústria da IA rendeu mais de 80 mil milhões de euros em 2022. Até 2027, estima-se que vai ultrapassar os 376 mil milhões de euros. Um estudo do World Economic Forum concluiu que a indústria virá a gerar 97 milhões de novos postos de trabalho.

Mas Monange não acredita que os criadores de carne e osso devam alarmar-se demasiado com a tendência, desvalorizando o pessimismo em torno da escalada da IA. “Isto está a desbloquear a possibilidade para as pessoas que querem ter uma audiência, mas que não querem necessariamente dar a cara. Podem usar esta ferramenta para construir uma audiência e conectar-se com fãs”, explica, esclarecendo: “Não me parece que venha substituir ninguém.”