Tenho um amigo que não resiste a petiscos portugueses. Não a lasca de casca de batata, não as interpretações, não as recriações, mas os petiscos portugueses de sempre, ou pelo menos aqueles que ele acredita serem os de sempre, gordurosos se for preciso, pesados, a pedirem vin rouge e apetite.

Como se sabe, todos os portugueses sabem onde comer os melhores cozidos, os melhores arroz de lingueirão e as melhores favas. O meu amigo não é exceção e fala de grosse fête que duram horas, com a mesma nostalgia com que Napoléon falaria das suas batalhas. Sucede que esses locais mágicos ficam toujours longe e não poucas vezes nem aceitam marcação, pelo que tenho vindo a recusar os desafios para me meter à estrada e tentar a sorte. Até agora, porque os petiscos chegaram à cidade.

Na zona do Príncipe Real, em Lisboa, na agitada Rua da Escola Politécnica, quase em frente à bonita livraria Travessa, fica o Pica-Pau, um restaurante com nome de petisco português que se dedica aos petiscos que o meu amigo privilegia. Há meses que temos adiado a visita até que, num destes dias chuvosos de uma das tempestades com nome próprio, conseguimos ir jantar, depois de marcar mesa, porque agora em Lisboa qualquer sítio remotamente novo ou na moda, implica marcação e antecedência pour réserver une table.

Os petiscos portugueses, como quaisquer petiscos baseados em gordura e proteína, não são o menu mais aconselhável para o jantar, mas, como ele prometeu que iríamos dançar a seguir, aceitei o convite e em boa hora, devo dizer. Do ponto de vista do sabor, dos produtos, da confeção, o Pica-Pau do chef Luís Gaspar merece amplos encómios e louvores.

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Para além do sabor propriamente dito, sublinho as doses certas, o equilíbrio entre ingredientes, os pontos de cozedura, a qualidade das frituras que são incomuns na restauração portuguesa, que tende a atrapalhar-se sempre com alguma coisa na cozinha.

No Pica-Pau, há sempre um prato do dia, como nos restaurantes portugueses que se prezam, mas nós vínhamos para o petisco e pedimos logo uns peixinhos da horta (8 euros), magníficos, servidos com molho tártaro, um acepipe que teria tanto a ganhar se se chamasse tempura de haricot vert. Dois rissóis de leitão (6 euros) muito bem fritos, ajudaram a empurrar o vinho e depois comemos pica-pau de novilho (19 euros), carne tenra, saborosa, afogada num molho denso e ligeiramente rosada comme il faut, eu prefiro com mais pickles e olives, mas aquela versão chique e discreta está mais do que aprovada. No fim, estávamos com alguma fome e decidimos rachar um arroz de espargos (14 euros), com queijo da Ilha e tomate, o prato vegetariano, e estava de saveur incroyable, fiquei capaz de comer uma panela inteira, felizmente o meu amigo parou-me a tempo.

Quem quiser pratos a sério e não apenas petiscos, na lista há bacalhau, polvo à lagareiro, bife do lombo ou arroz de tamboril que, a avaliar pelo que comemos, devem ser excelentes.
Enquanto o meu amigo, o eterno especialista, maçava os empregados com perguntas, atentei nos detalhes do Pica-Pau. Gostei dos guardanapos (de tecido grosso, com um pica-pau bordado), gostei da cor das madeira das mesas, gostei do chão, gostei mais da zona do logradouro que da pequena sala, com umas vegetações a esconder as outras traseiras, apreciei a louça da Costa Nova, gostei da playlist, música cantada em português, nada de coisas comerciais e cansativas, merci pour ça. O espaço é pequeno, os empregados têm dificuldade em servir as bebidas, não é local onde se deva ir em grupo, talvez no máximo quatro pessoas se me perguntarem. Não tem a decoração de uma loja de centro comercial, apesar de ser novo, é um restaurante que se quis pensado como se fosse de sempre, um daqueles locais que na nova Lisbonne do turismo encontraríamos Isabelle Adjani a almoçar com o seu contabilista, discutindo impostos.

O serviço é amável, disponível, mas muito pouco eficiente, tenho pena de o dizer. Há qualquer coisa na gestão da sala do Pica-Pau que não faz justiça à qualidade da comida. É uma daquelas coisas muito portuguesas: está tudo bem, está tudo certo, todos dão o seu melhor, mas depois as coisas não funcionam como deviam. Esperámos demasiado tempo pelas bebidas, o couvert chegou tarde, fomos servidos por três ou quatro empregados diferentes, ninguém nos perguntou se queríamos trocar o prato entre o pica-pau e o arroz, não nos sugeriram nada para complementar os nossos pedidos, não nos explicaram que pequenos biscoitos eram aqueles que vieram com o café, ninguém tentou que a nossa experiência fosse mais agradável (e que o restaurante faturasse mais um pouco). Como se justifica então que no final tenham a ousadia de apresentar a conta com a gorjeta sugerida, o mesmo é dizer incluída? Talvez o chefe de sala estivesse de folga, talvez os empregados estivessem cansados, quem sabe foi qualquer coisa que não sabemos. Em boa verdade a nossa refeição não foi prejudicada pela négligence, até porque estávamos a fazer tempo para ir dançar, mas que é incompréhensible, lá isso é. E se fôssemos inspetores Michelin?

Bebemos um bom vinho, há ótimas escolhas, apesar da carta ser incompreensivelmente curta, talvez tenham pouco espaço para guardar as garrafas. Também não demos pelos queijos (que queria ter comido à sobremesa e em Portugal quase nunca são sugeridos), comemos um leite creme, talvez um pouco doce em demasia, que nos animou o café.

Uma boa surpresa no fim e a confirmação que no Pica-Pau defende-se Portugal e de que maneira. Têm um mojito feito de aguardente de cana da Madeira e sobretudo, escondido entre bagaceiras e amêndoa amarga, reparei que têm aguardente de medronho na lista, que todos sabemos ser a melhor bebida do mundo.

Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de amêijoas à Bulhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.