“Nos últimos dez anos, o país tem seguido a direção errada: o caminho não tem sido o desenvolvimento, mas sim a autodestruição.” Num país em que poucos se atrevem a criticar o Kremlin, a advogada e jornalista Yekaterina Duntsova parece não ter medo de represálias. “As operações militares nos territórios de países vizinhos levam a um isolamento inevitável”, prosseguiu a mulher de 40 anos, que sonha um dia derrubar o Presidente russo, Vladimir Putin.

Natural da cidade de Rjev, a cerca de 230 quilómetros de Moscovo, Yekaterina Duntsova espera tornar-se Presidente russa, derrotando o atual Chefe de Estado nas eleições, marcadas para entre dia 15 e 17 de março. Para o efeito, a jornalista entregou esta quarta-feira à Comissão Eleitoral Central (CEC) da Rússia a documentação de registo de apoio da sua candidatura. Aquele órgão vai agora analisar os documentos e vai ponderar se dá luz verde à sua proposta para governar o país. A mulher de 40 anos garantiu que não há “qualquer motivo” para que as autoridades russas recusem a sua entrada na corrida nas presidenciais.

Se a Comissão Eleitoral permitir a candidatura da jornalista, isso obrigará Yekaterina Duntsova a recolher 300 mil assinaturas até ao final de janeiro. Uma tarefa que parece complicada, já que a mulher de 40 anos se assume enquanto independente e não tem o apoio de nenhum partido russo. “Vamos precisar de voluntários para trabalhar nesses centros. Tal como antes, conto com a vossa ajuda. Espero que todos juntos consigamos recolher 300 mil assinaturas até ao final de janeiro”, disse.

Numa atmosfera de repressão política, não será fácil para a jornalista se afirmar politicamente. Em entrevista à Associated Press, Yekaterina Duntsova confessou que “tem medo”, mas insistiu que é necessário haver uma “alternativa” às políticas de Vladimir Putin. “Falei com muitos ativistas e políticos locais sobre as próximas eleições, sobre o futuro. Como não havia nenhum candidato óbvio… Eventualmente a ideia [de me candidatar] acabou por se formar.”

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Reconhecendo a elevada popularidade de Vladimir Putin na sociedade russa, Yekaterina Duntsova considera que o objetivo é que haja uma segunda volta das presidenciais, que acontece caso nenhum candidato obtenha mais de 50% na primeira ronda. “Isso já será uma vitória”, admitiu a mulher de 40 anos, que mostrará que o “apoio ao atual Chefe de Estado não é assim tão substancial”. “E claro que a participação nas eleições vai mostrar às pessoas que elas têm uma escolha, que não têm de ficar em casa, que não devem virar costas.”

As ideias políticas da jornalista não podiam contrastar mais com as do atual Presidente russo. No site da sua candidatura, Yekaterina Duntsova deixou duras críticas à governação de Vladimir Putin. “Todos os dias, a vida dos russos torna-se cada vez mais difícil. Os cidadãos não podem exprimir livremente as suas opiniões se não coincidirem com a posição das autoridades. O número de prisioneiros políticos está a aumentar, centenas de milhares de pessoas saíram os países.”

“Os governos locais foram praticamente destruídos e tudo neste grande Estado é decidido por uma pessoa”, criticou Yekaterina Duntsova. Outros das bandeiras da sua candidatura é o fim da guerra da Ucrânia — e a necessidade de um cessar-fogo. “Temos de restaurar as relações com o mundo exterior”, afirmou a jornalista, lamentando que os únicos aliados da Rússia sejam o “Irão, a Coreia do Norte e a Eritreia”: “um dia eles também podem virar costas”.

As “mudanças urgentes” que Yekaterina Duntsova apoia também se prendem com o regresso de “liberdades que foram retiradas” nas últimas décadas. Ainda que nunca especifique quais sejam essas liberdades, o desejo da jornalista, que trabalhou em televisão, é tornar “o país atrativo e confortável”. O seu projeto político desta mulher com três filhos, que já desempenhou um cargo na câmara de Rjev, não se fica em 2024. Caso não consiga vencer, pondera candidatar-se às eleições de 2030.

As críticas do Kremlin e as ligações a um oligarca no exílio

O Kremlin ainda não se pronunciou oficialmente sobre esta possível adversária política de Vladimir Putin. No entanto, a agência de notícias russa RIA, controlada pela presidência russa, tem deixado algumas críticas a Yekaterina Duntsova — e tem alegado que a candidatura é apoiada pelo oligarca russo e ex-dono da petrolífera Yukos, Mikhail Khodorkovsky, que é um rival assumido do Presidente russo.

Opondo-se à submissão dos oligarcas a Vladimir Putin, o que o fez ganhar a animosidade do Presidente russo, Mikhail Khodorkovsky passou dez anos atrás das grades e está, neste momento, em Londres. É daí que a agência de notícias russa diz que o antigo oligarca, que tem criticado duramente o Chefe de Estado no exílio, está a controlar a candidatura da jornalista de 40 anos.

Citada pela Reuters, Yekaterina Duntsova negou que Mikhail Khodorkovsky esteja por detrás da sua candidatura. “Não há qualquer ligação”, garantiu.