A ministra da Segurança Social foi confrontada, esta terça-feira, com os emails que lhe terão sido enviados pela anterior gestão da Santa Casa a informar dos investimentos da Santa Casa Global, a empresa criada para iniciar o negócio de internacionalização da instituição. Mas Ana Mendes Godinho reitera que não lhe foi fornecida informação “concreta” das operações realizadas nem dos montantes aplicados. A auditoria externa foi novamente adiada, desta vez para o final de janeiro.
No Parlamento a responder às perguntas dos deputados, Mendes Godinho voltou a dizer que aprovou a autorização inicial de constituição da sociedade, mas reiterou que não deu aval aos restantes investimentos. Confirmou que, a 14 de junho de 2021, recebeu um email do então provedor Edmundo Martinho, em que este “dava nota de terem iniciado um processo de identificação das diferentes oportunidades de negócio” e da seleção dos parceiros, garantindo os “pressupostos definidos” no despacho de Ana Mendes Godinho, em que a ministra pedia, entre outros requisitos, que fosse assegurada a idoneidade dos parceiros.
Nesse email, segundo Mendes Godinho, Edmundo Martinho também informava que “estava a iniciar um processo de due diligence e que partilharia a evolução” desse processo. Mas “depois deste email não tive mais nenhuma informação nem recebi informação da due diligence efetuada”. A ministra diz que só mais tarde soube que, em setembro de 2021, a Santa Casa adquiriu 55% da MCE — empresa que venceu o concurso para explorar a lotaria no estado do Rio de Janeiro — “sem que me tivesse sido enviada informação adicional nem a due diligence“. E reitera: “Não tive conhecimento concreto das operações realizadas nem dos montantes aplicados“.
Nuno Carvalho, deputado do PSD, viria a defender que esta posição contraria um email enviado por Edmundo Martinho à tutela em junho de 2021 sobre os investimentos previstos e insistiu que, nesse email, o ex-provedor já fazia menção a investimentos “muito superiores” aos cinco milhões que a ministra tem reiterado que autorizou para a constituição da sociedade — incluindo 14,56 milhões adicionais, acautelando-se que poderia vir a ser superior. Já antes, Nuno Carvalho tinha defendido que “foram enviados documentos” a Ana Mendes Godinho “que explicavam que o montante era superior a cinco milhões”. “Foi informada com muito mais detalhe”, atirou.
A ministra viria a citar o email que recebeu mas sem referência aos valores mencionados pelo PSD. O PSD pediu a interrupção dos trabalhos para verificar se o email que chegou ao grupo parlamentar social-democrata é igual ao que a ministra Ana Mendes Godinho tem na sua posse, com a governante a comprometer-se a enviar o documento.
Ministra garante que não recebeu due diligence à compra da MCE
O email a que o PSD teve acesso e que enviou à comissão é mais detalhado e menciona, por exemplo, que a compra da MCE estava a ser alvo de um processo de due diligence e custaria 14,56 milhões de euros “que serão liquidados aos longo dos próximos três (3) anos, de acordo com o plano acordado”. E acrescentava que “caso dos resultados da due diligence não resulte a identificação de qualquer inconformidade que coloque em causa a prova de idoneidade em relação à empresa e aos seus sócios, garantimos as condições de acesso ao mercado do Rio de Janeiro, mas também a outros mercados de potencial interesse”. É esta due diligence que Mendes Godinho diz não ter recebido. Mesmo assim, o negócio da compra da MCE avançou sem, segundo assegura, o seu conhecimento.
O PSD pediu ainda a audição da atual vice-provedora, que era uma das responsáveis pela internacionalização durante a anterior gestão, mas até ao momento, segundo o grupo parlamentar, não obtiveram resposta. Nuno Carvalho acusa Ana Vitória Azevedo de se recusar “a vir repetidamente e despeitosamente a este Parlamento”.
Questionada sobre se Ana Vitória Azevedo, então vogal da mesa da Santa Casa, foi um elo de comunicação entre a instituição e o Ministério, Ana Mendes Godinho referiu que “foi sempre” Edmundo Martinho “quem geriu o processo de internacionalização” e que as comunicações entre as partes foram feitas com o ex-provedor.
O Governo espera agora pelos resultados da auditoria para avaliar o impacto que as conclusões terão na reavaliação das contas de 2021 e 2022 que não foram homologadas pela ministra, que ainda aguarda que a reavaliação pedida lhe seja enviada pela Santa Casa. Para 2024, a governante frisa que a instituição apresentou um orçamento “que lhe garante equilíbrio e sustentabilidade financeira”.
Auditoria novamente adiada
Ana Mendes Godinho adiantou ainda que a 4 de janeiro deste ano recebeu um relatório da atual provedora da Santa Casa que informava de um novo adiamento da entrega dos resultados finais da auditoria. À auditora BDO foi dado um novo prazo, até ao final de janeiro.
O negócio de internacionalização da Santa Casa, iniciado durante a anterior gestão, de Edmundo Martinho, está sob análise da auditoria da BDO. Como o Observador já escreveu, esta avaliação detetou a existência de compromissos financeiros adicionais que podem recair sobre a casa-mãe em Portugal. Os valores podem ultrapassar os 50 milhões de euros, entre dívidas reclamadas à empresa que explora o jogo no Rio de Janeiro, empréstimos obrigacionistas, bancários e cartas de conforto obtidas junto de bancos, assim como os investimentos feitos pela Santa Casa. O principal risco está na atividade do Brasil.
Santa Casa corre risco de sofrer perdas de 50 milhões no Brasil que vão ter impacto nas contas
Em setembro, a atual provedora, Ana Jorge, revelou no Parlamento que enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) “irregularidades” detetadas na auditoria preliminar da BDO ao negócio de internacionalização. Os dados iniciais apontavam para “procedimentos que não cumpriam as normas em vigor e indícios de irregularidades”. Também na altura, a ministra Ana Mendes Godinho, no Parlamento, indicou que só lhe foi pedida autorização para a constituição da sociedade e não para os negócios posteriores.
Edmundo Martinho respondeu ao Observador que informou a tutela sobre os valores dos investimentos previstos para a expansão internacional através dos planos de atividade e orçamento apresentados pela SCML à tutela, documentos que foram sempre aprovados e nos quais os investimentos estariam previstos.
A ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, foi esta segunda-feira ouvida no Parlamento na sequência de um requerimento potestativo apresentado pelo PSD sobre a situação financeira da Santa Casa.
O PSD também queria ouvir Edmundo Martinho, o ex-provedor da Santa Casa que iniciou o negócio de internacionalização que está sob análise da auditoria, mas o PS tem inviabilizado esta audição, argumentando que é preciso esperar primeiro pelos resultados da auditoria. Neste caso, não pode avançar com um potestativo uma vez que Edmundo Martinho não exerce um cargo público atualmente. Esta terça-feira, o PSD e o Chega anunciaram que iriam pedir novamente a audição urgente do ex-provedor ainda nesta legislatura.
PS volta a travar audição urgente do ex-provedor da Santa Casa