Os resultados intercalares da auditoria externa à Santa Casa Global (o negócio de internacionalização da Santa Casa), feita pela consultora BDO, revelaram “procedimentos que não cumpriam as normas em vigor e indícios de irregularidades“, pelo que a Santa Casa enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) os “elementos disponíveis”, a 18 de setembro. O ministério do Trabalho também foi informado. A auditoria forense deverá estar terminada nos finais de outubro.

“A auditoria forense e financeira da BDO às atividades da Santa Casa Global está para ser terminada nos finais de outubro, tendo a Santa Casa recebido o memorando do ponto de situação intercalar, e perante os dados apresentados pela BDO que apontavam para procedimentos que não cumpriam as normas em vigor e indícios de irregularidades, a mesa decidiu informar a Procuradoria-Geral da República dos elementos disponíveis e nos dia 18 de setembro entregou essa mesma informação à PGR, dando disso nota à senhora ministra”, afirmou a provedora Ana Jorge, que assumiu funções em maio. O negócio de internacionalização que está a ser alvo de auditoria foi lançado durante a anterior gestão, de Edmundo Martinho.

Em causa, segundo detalhou depois Ana Jorge, está o facto de apenas ter sido pedido ao Ministério do Trabalho uma autorização inicial de investimento de cinco milhões de euros numa fase inicial do processo de internacionalização. Todos os outros investimentos teriam de ter autorização prévia da tutela, mas “não há evidência desses pedidos”. Segundo a provedora, o investimento da Santa Casa Global já atingiu valores na ordem dos 27 milhões de euros. “É um processo que precisa de ser analisado e investigado”, adiantou. Ana Jorge diz mesmo que “muito do que encontrámos a senhora ministra desconhecia“. A provedora defende que a “rede de negócios no Brasil é confusa”, “precisamos de maior conhecimento sobre o assunto”.

Além desta auditoria, há outra em curso, às contas de 2021 e 2022 da Santa Casa, que deverá estar pronta em novembro. Esta auditoria está a ser feita pelos auditores da própria instituição, que também prepara a informação a enviar ao Tribunal de Contas.

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A provedora da Santa Casa esteve, esta quarta-feira, a ser ouvida no Parlamento a requerimento do grupo parlamentar do PSD, sobre a situação financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com a deputada social-democrata Clara Marques Mendes a questionar se há, para futuro, “algum constrangimento ao nível da missão da Santa Casa”.

Santa Casa faz auditoria interna para perceber se relações familiares influenciaram decisões

A Santa Casa também procede a uma auditoria interna para perceber se as relações familiares dentro da instituição — que têm vindo a público pela comunicação social, incluindo pela revista Sábado — “puseram em causa a transparência dos processos”. “Nas nomeações e questões de dirigentes, foi notícia na Sábado, que nos preocupou e muitas delas tivemos conhecimento através da notícia. Aquilo que decidimos fazer, e está em curso, é uma auditoria interna para perceber se as relações que são consideradas familiares puseram em causa ou não a transparência dos processos“, adiantou Ana Jorge.

A provedora sublinha que a Santa Casa tem seis mil trabalhadores, pelo que não é de estranhar que haja pessoas relacionadas entre si. O que não pode haver é influência dos laços familiares “sobre as decisões, que têm de ser justas e transparentes”. A auditoria analisará “se houve influências na tomada de decisão“, acrescentou, referindo que “tomaremos as consequências” que a auditoria aponte. À revista Sábado, a atual administração já tinha dito que procedia a um “levantamento e análise dos processos mencionados para aferir os contornos da sua tramitação”.

A instituição tem visto uma redução das receitas provenientes dos jogos sociais e prejuízos no negócio da internacionalização, através da Santa Casa Global, que levantou dúvidas ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tem a tutela da instituição.

O Ministério recusou homologar as contas de 2021 e de 2022, ainda da anterior gestão, de Edmundo Martinho, e ordenou tanto uma reavaliação das contas como uma auditoria externa à Santa Casa Global.

Provedora tem poucas esperanças de recuperar investimento internacional da Santa Casa que pode superar 20 milhões

A fazer aumentar a preocupação em relação àquela entidade, em meados de agosto, a Santa Casa anunciou que preparava uma revisão do plano de patrocínios para o próximo ano, devido à “conjuntura económico-social que se vive”, que conferiu “novas exigências sociais e financeiras à SCML no que diz respeito ao apoio das populações mais vulneráveis”. Além disso, assumiu a “significativa perda das receitas provenientes dos jogos sociais do Estado”, que contribui para uma “situação orçamental” que “não pode ser ignorada”.

O Governo acabaria por intervir e reunir com a Santa Casa. O secretário de Estado do Desporto e Juventude, João Paulo Correia, viria a garantir que os valores dos patrocínios para 2024 vão ser mantidos, mas “serão assegurados tanto pela SCML como pelo Governo”.

Santa Casa mantém atividade assistencial e corta nas chefias

Na audição parlamentar, a primeira que faz enquanto provedora da Santa Casa, Ana Jorge garante que a instituição vai “manter todas as linhas da atividade assistencial com que estamos comprometidos”. “Responsabilizamo-nos por manter toda a atividade assistencial“, rematou.

Perante a situação financeira que encontrou na Santa Casa, a nova mesa reviu em baixa alguns contratos de prestação de serviços, suspendeu novos contratos na área de saúde e ação social e tomou “medidas de contenção” na área dos recursos humanos — “introduzindo medidas como a redução dos cargos de chefia na ótica de maior fluidez de recursos e de contenção financeira”. A reorganização das chefias será feita até ao fim do mês. Nalguns casos, chegarão ao fim as comissões de serviço, estando em curso uma “concentração de comissões de serviços” de forma a “criar maior fluidez nas decisões e no trabalho”. Mas garante: não haverá despedimentos.

O Orçamento para 2024 “assegura a sustentabilidade da Santa Casa, está equilibrado, sem recorrer à venda de património ou empréstimos” e prevê “a adoção de medidas de redução de despesas não relacionadas com a missão da Santa Casa”.

Além disso, a Santa Casa está em condições de encerrar a negociação dos acordos de empresa com os sindicatos que representam os trabalhadores das carreiras gerais e “iniciar a iniciar a sua aplicação a 1 de dezembro deste ano”. “É um esforço enorme mas que consideramos essencial”, disse. Porém, há pagamentos prometidos com retroativos ao início do ano que não serão pagos porque, segundo a provedora, poriam em causa a “sustentabilidade” da instituição.