Muitos nomes são já apontados como possíveis sucessores do liberal belga Charles Michel à frente do Conselho Europeu, entre os quais o do ainda primeiro-ministro português, António Costa, mas tudo dependerá dos resultados das eleições europeias de junho.
A decisão de Charles Michel, anunciada pelo próprio no último fim de semana, de abandonar a presidência do Conselho Europeu já no verão, e não em novembro no final do seu segundo mandato de dois anos e meio, dada a intenção de se candidatar às eleições europeias à frente dos liberais belgas francófonos do MR, antecipou a sempre muito animada “corrida” aos lugares de topo das instituições da União Europeia (UE).
Charles Michel decide concorrer ao Parlamento Europeu, saindo da liderança do Conselho Europeu
Tradicionalmente, a distribuição dos cargos institucionais de topo na UE é decidida em função dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu, devendo refletir o equilíbrio político saído das urnas e assegurar também a diversidade geográfica e de género, e tem sido negociada em “pacote”, com a escolha, em simultâneo, dos presidentes da Comissão, do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu, e ainda do Alto Representante para a Política Externa (a chefia da diplomacia europeia) e da presidência do Banco Central Europeu (BCE).
Sendo assim impraticável o nome do sucessor, ou sucessora, de Charles Michel, ser decidido antes de conhecidos os resultados das eleições europeias, que decorrem entre 6 e 9 de junho, o anúncio de Michel tem o condão de lançar informalmente as grandes manobras de bastidores e colocar pressão sobre as grandes famílias políticas nas suas escolhas sobre os seus candidatos, assim como sobre a própria presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, que tem mantido o “tabu” sobre se irá ou não recandidatar-se ao cargo.
Com as sondagens a apontarem para uma acentuada subida da extrema-direita, o que poderá provocar uma alteração profunda no equilíbrio de forças no seio da UE e a colocar até em causa o tradicional entendimento entre as forças de centro-direita e centro-esquerda na distribuição dos lugares de topo, é no entanto expectável, de acordo com todos os estudos de opinião, que o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, mantenha a sua hegemonia e volte a ganhar as eleições, e os Socialistas Europeus sejam, como habitualmente, a segunda força mais votada.
A confirmarem-se tais resultados, o PPE terá direito, em teoria, a manter a presidência do executivo comunitário, há muito nas suas mãos e da qual não abdicará, enquanto os Socialistas Europeus podem legitimamente aspirar a ficar, no novo ciclo institucional, com a presidência do Conselho Europeu, que, após as eleições europeias de 2019, permitiram que ficasse nas mãos de um liberal (Charles Michel), ainda que o Renovar Europa tenha sido apenas a terceira força política europeia mais votada há cinco anos.
São vários os nomes que já circulam, entre os quais o de António Costa, no cenário de os Socialistas Europeus desta feita, e como tudo indica, “apontarem” à presidência do Conselho — após na última legislatura terem ficado “apenas” com a chefia da diplomacia europeia, atribuída a Josep Borrell, e repartido com o PPE a presidência do Parlamento Europeu, que na primeira metade da legislatura foi exercida pelo italiano David Sassoli, até à sua morte por razões de saúde.
António Costa continua a ser um nome muito falado em Bruxelas e que reúne vários apoios para suceder a Charles Michel, apesar da demissão do cargo de primeiro-ministro devido uma investigação judicial sobre a instalação de um centro de dados em Sines e negócios de lítio e hidrogénio que levou o Ministério Público a instaurar um inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça em que é visado, e de manter que a possibilidade de assumir a presidência do Conselho Europeu é neste momento “especulativa”, pois o que vai acontecer não depende de si, “mas de outras instâncias”.
Recentemente, a edição europeia do Politico — publicação atentamente lida em Bruxelas, incluindo pelos decisores políticos – comentava que Costa, a figura com maiores probabilidades entre os socialistas europeus de vir a ocupar um lugar de topo, “não foi considerado culpado de nada e ainda pode vir a reclamar um emprego em Bruxelas”, até porque “não seria a primeira vez que um alto funcionário da UE seria nomeado depois de ter estado envolvido num escândalo”.
A publicação lembrava, designadamente, que, em julho de 2014, Jean-Claude Juncker foi eleito presidente da Comissão Europeia um ano depois de se ter demitido do cargo de primeiro-ministro luxemburguês no âmbito de um escândalo que envolveu os serviços secretos do país, alegadamente por condutas impróprias sob a sua supervisão, e também a sua sucessora no Berlaymont, Von der Leyen, viu-se envolvida num escândalo quando era ministra da Defesa alemã, com alegações de que contratos lucrativos do seu ministério foram adjudicados a consultores externos sem a devida supervisão.
Estando uma hipotética candidatura de António Costa dependente dos desenvolvimentos da investigação — o primeiro-ministro necessita que o caso esteja esclarecido e as suspeitas sobre si dissipadas com uma celeridade que não é habitual na Justiça portuguesa, o mais tardar até às eleições europeias —, há diversos outros nomes a circular na esfera política socialista, um dos quais o do antigo primeiro-ministro italiano e antigo presidente do BCE, Mario Draghi.
Draghi, que ainda há um mês rejeitou o cenário de vir a ser candidato a presidente da Comissão Europeia, tem contra si o facto de não ser filiado no Partido Socialista Europeu — embora se defina como um “socialista economicamente liberal” —, quando até agora os anteriores presidentes eram políticos com filiação partidária, além de dificilmente ter o apoio, fundamental, do governo do seu país, atualmente uma coligação de direita e extrema-direita encabeçada por Giorgia Meloni.
O mesmo problema têm outros dois políticos italianos socialistas cujos nomes também são falados em Bruxelas, o atual comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, e Enrico Letta, dois antigos chefes de Governo italianos que não são propriamente próximos de Meloni e ainda menos de outro ‘peso pesado’ da coligação no poder em Itália, o eurocético Matteo Salvini.
Ainda entre os socialistas, outras figuras de quem se fala como possíveis sucessores de Charles Michel são o antigo primeiro-ministro sueco Stefan Löfven, o atual comissário do Emprego e Assuntos Sociais, o luxemburguês Nicolas Schmidt, a atual primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen e a ex-primeira-ministra finlandesa Sanna Marin. Estas duas últimas teriam a seu favor o facto de até agora nenhuma mulher ter presidido ao Conselho, mas mesmo na família socialista os seus nomes não são consensuais.
Na eventualidade de a escolha recair numa figura política do centro-direita — cenário que sucedeu após as eleições de 2014, quando o PPE “ocupou” tanto a presidência da Comissão (Jean-Claude Juncker) como do Conselho (Donald Tusk) —, um dos nomes mais falados é o do primeiro-ministro cessante dos Países Baixos, Mark Rutte (Liberais), que, no entanto, também é apontado a suceder a Jens Stoltenberg como secretário-geral da NATO.
Entre outros nomes ventilados recentemente em Bruxelas, conta-se também o do atual primeiro-ministro belga, Alexander De Croo (Liberais flamengos), mas dificilmente o cargo voltará a ser ocupado, pela terceira vez, por um político belga e da família liberal.
Ainda a cinco meses das eleições europeias, e numa altura em que ainda nem sequer foram decididos os “Spitzenkandidaten” — os candidatos principais de cada família política europeia às eleições europeias e supostamente ao cargo de presidente do executivo comunitário —, todos os cenários são para já meramente hipotéticos, e mesmo depois das eleições pode haver surpresas, como sucedeu em 2019, quando a “eleita” para presidir à Comissão acabou por ser a até então ministra da Defesa alemã (e “desconhecida” do grande público), Von der Leyen, dado o candidato oficial do PPE, o seu compatriota Manfred Weber, não ter colhido o apoio das outras forças partidárias, nas longas cimeiras celebradas em junho e julho desse ano para negociar a “dança das cadeiras”, nas quais o Conselho Europeu acabou por deixar “cair” o sistema do “Spitzenkandidat” e decidir tudo à porta fechada.
Certo é que, este ano, os chefes de Estado e de Governo estão pressionados a negociar e escolher as figuras que ocuparão os lugares de topo da UE sem grandes demoras — há já duas cimeiras agendadas com esse propósito para junho (uma dia 17, e outra entre 27 e 28 de junho) —, para evitar o cenário, que a grande maioria quer evitar, de um vazio de poder no Conselho que levaria a que a instituição que representa os 27 Estados-membros fosse eventualmente liderada pelo chefe de governo que assume no segundo semestre deste ano a presidência rotativa do Conselho da UE, o húngaro Viktor Orbán.