A Uber garante que não foi “notificada nem ouvida” no processo que levou o Tribunal do Trabalho de Lisboa a reconhecer um contrato de trabalho sem termo a um estafeta da Uber Eats, naquela que foi a primeira decisão desde que a nova lei sobre o trabalho nas plataformas digitais entrou em vigor. A empresa entende, por isso, que a decisão “muito provavelmente não terá efeito”.
Na sentença, que tem data de 1 de fevereiro, é referido que “citada, a ré [Uber Eats] não contestou“. A plataforma rejeita, agora, que tenha sido ouvida. Numa resposta enviada ao Observador, fonte oficial da Uber diz que “não foi notificada nem ouvida em relação a este caso, o que significa que o direito de defesa não lhe foi garantido e que a decisão muito provavelmente não terá efeito”. A empresa defende que as alterações à lei, que entraram em vigor a 1 de maio de 2023, “não beneficiaram os estafetas e, em vez disso, estão a gerar incerteza em todo o setor e entropia junto dos tribunais“.
“Os estafetas já deixaram claro que querem manter a sua independência e a liberdade para usarem as plataformas digitais quando, como e onde quiserem. Do nosso lado, continuaremos a defender que a flexibilidade que os estafetas procuram deve ser preservada e que é compatível com direitos e proteções a que todos os trabalhadores, independentemente do seu estatuto, devem ter acesso”, acrescenta fonte oficial.
A posição da Uber é conhecida depois de uma sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo a um estafeta da Uber Eats, considerando que há indícios que comprovam que o trabalhador é um falso independente.
A decisão surge na sequência de uma ação intentada pelo MP após uma inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) — ao abrigo da qual já foram enviadas mais de 800 participações ao MP, de acordo com dados da ACT revelados em janeiro.
Após a inspeção, a ACT notificou a Uber Eats que mesmo assim não integrou o estafeta. Como a situação não foi regularizada, a ACT enviou os factos ao MP, juntamente como os elementos de prova recolhidos, para a instauração da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. O MP propôs essa ação de reconhecimento e o Tribunal do Trabalho de Lisboa concordou.
A dúvida era saber se a Uber iria recorrer para o Tribunal da Relação, uma opção que, segundo os especialistas ouvidos pelo Observador, não lhe daria muitas garantias de sucesso uma vez que, como refere a sentença, não contestou a pretensão do MP. Mas a tese da empresa é, agora, que como não foi notificada nem ouvida, a decisão do Tribunal do Trabalho poderá cair por terra.
Uber pode tentar pedir nulidade da sentença
O que pode a Uber fazer agora? Contactado pelo Observador, o advogado especialista em direito laboral da Antas da Cunha Ecija Pedro da Quitéria Faria diz que a empresa pode tentar apresentar um requerimento no prazo de 10 dias “a arguir a nulidade” da sentença.
A sentença é de 1 de fevereiro, pelo que a Uber ainda teria tempo para o fazer. Mas se este prazo tivesse passado, poderia interpor “recurso (ordinário) de apelação” ao Tribunal do Trabalho de Lisboa. Se este prazo também já tivesse decorrido, poderia ainda interpor um “recurso (extraordinário) de revisão”. O Observador questionou a Uber sobre a via que vai seguir, mas ainda não obteve resposta.
Artigo atualizado às 18h30 com declarações do advogado Pedro da Quitéria Faria