O debate entre Luís Montenegro e Paulo Raimundo esteve, durante os 25 minutos que durou, sempre assombrado por outros protagonistas — troika e PS à cabeça. Durante uma troca de acusações viva, foi acontecendo uma espécie de jogo do telefone estragado, em que os líderes do PSD e do PCP acabaram por atirar acusações mútuas — por exemplo, tentando determinar quem é que “deu mais a mão” ao PS nos últimos anos — e, sem surpresas, discordar em tudo.

Paulo Raimundo entrou no debate pronto a atirar uma memória sensível contra Luís Montenegro: a da troika, período em que o atual líder, então líder parlamentar, tem “responsabilidade acrescida”, acusou. Fê-lo logo de início, quando discutiram o tema das pensões, e prosseguiu quando o assunto passou a ter a ver com salários ou leis laborais. Tentando desmontar as promessas do PSD na frente da recuperação de rendimentos e poder de compra — estamos em tempo de “chuva de promessas”, ironizou –, quis, de forma constante, trazer o passado para o debate, colando à Aliança Democrática o rótulo de “recordista de cortes de pensões”. Rematou acusando Montenegro de querer “retomar o projeto de destruição do país” que o PCP se orgulha de ter ajudado a “interromper” em 2015.

Ora Luís Montenegro, que está focado em virar essa página e apagar a imagem do PSD austero desta campanha eleitoral, explicou precisamente isso: agora quer falar de “futuro” e não passar o tempo a discutir o passado da troika. Ainda assim, teve de o fazer: para isso, lembrou que o PS foi o responsável pelas negociações com a troika, frisou que as decisões difíceis da altura fora necessárias para devolver “autonomia” ao país e lamentou que o PCP tivesse ficado fora dessa fotografia.

Ainda assim, Montenegro aproveitou a oportunidade para tentar reposicionar o discurso do PSD: se o PCP quer aumentos de 7,5% nas pensões — um aumento “inexequível de 1600 milhões de euros”, argumentou — o PSD quer que os pensionistas recebam pelo menos 820 euros. E reconheceu que os sociais democratas se querem “reconciliar” com os pensionistas, porque, apesar de defender que as medidas da troika eram necessárias, vive “no mundo real” e sabe que “há muita gente que não entendeu” essa necessidade — um treino útil para um discurso de uma campanha em que tenta descolar desses tempos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ora o líder do PSD tinha algumas farpas guardadas para devolver ao PCP, sobretudo a propósito da sua colaboração com o PS nos anos que se seguiram, no contexto da geringonça. Aproveitou para tentar colar a Raimundo, sempre que pôde, a responsabilidade pelas falhas da governação do PS — era o mesmo Raimundo que logo no arranque do debate tinha assumido que seria “hipócrita” dizer que há hipóteses de ajudar a viabilizar um governo de direita, e que para admitir diálogos com o PS tem de falar concretamente sobre “conteúdos”.

Chegou-se então a um ponto do debate que se transformou numa espécie de concurso para determinar quem foi então mais próximo do PS: se o PCP, no período da geringonça, ou o PSD, nos dois anos de maioria absoluta. Isto porque Raimundo acusou o PSD de se ter juntado ao PS para inviabilizar propostas dos comunistas, dos aumentos das pensões à recuperação do tempo de serviço dos professores, e de mostrar uma “unidade brutal” quando está em cima de mesa a discussão sobre alterações às leis laborais. “O PSD tem dificuldade em fazer oposição ao PS porque o PS voltou às bandeiras fundamentais do PSD, para mal dos nossos pecados”, suspirou.

Já Montenegro sorriu e devolveu a acusação — uma vez que o PCP fez parte dos acordos que permitiram ao PS governar entre 2015 e 2019 (“não lhe admito isso, quem esteve unido ao PS durante seis anos foi o PCP”) e que diz querer fazer exatamente o “contrário”. Acabaram a discordar sobre mais um dos tópicos de fundo em que estão em desacordo, e que tem a ver com o próprio modelo económico: Montenegro a apontar que Portugal tem “uma das taxas de tributação de lucros das empresas mais altas da Europa” e que é preciso aliviar as empresas para incentivar ao investimento e apoiar o crescimento; Raimundo a argumentar que as propostas do PSD sobre redução do IRC só servirão para baixar os impostos “dos mais ricos”, incluindo de áreas como a banca e a energia. Nada feito em termos de pontos comuns.

Ainda antes de o debate propriamente dito começar, Montenegro teve ainda tempo de comentar um dos temas da atualidade — o suspense à volta da solução política nos Açores — e usá-lo para pressionar o Chega: agora que o PS decidiu não viabilizar o governo do PSD, resta fazer o “teste do algodão” ao partido de André Ventura e perceber se impede um governo de direita de governar, sem que possa “sonhar” com qualquer negociação com os sociais democratas. Um cenário que, sugeriu, também se poderá colocar a nível nacional, mostrando-se desde logo disponível para governar — só se vencer as eleições — com maioria relativa, como Cavaco Silva fez entre 1985 e 1987.

O diálogo mais revelador

Luís Montenegro — É evidente que o resultado da governação é completamente antagónico ao que quis transmitir. O que é trágico para Portugal é o resultado destes oito anos. Paulo Raimundo propõe aumento de pensões este ano de 7,5%, diga-me se faz favor quanto é que isso custa.

Paulo Raimundo — Já disse.

Luís Montenegro — Do ponto de vista da sua projeção no tempo. Estamos contra porque essa proposta não tem qualquer tipo de exequibilidade. Eu também queria… 

Paulo Raimundo — A nossa proposta é de 7,5% para todas as reformas, tem um acréscimo de 1600 milhões de euros.

Luís Montenegro — Vezes quatro anos. 6400 milhões, é o que custa em quatro anos.

Paulo Raimundo — Tem um acréscimo no OE em vigor — não queremos fazer em 2028, é agora, que agora é que faz falta…

Luís Montenegro — É que se houver um aumento agora tenho depois uma vigência permanente, senão as contas não estão certas. Tenho de lhe dizer isto.

Paulo Raimundo — É exatamente o mesmo valor que está consagrado no OE para entregar em benfícios fiscais aos grupos económicos que têm 25 milhões de euros de lucro por dia.