O Grupo VITA vai apresentar este mês uma proposta de compensação financeira às vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa, anunciou esta segunda-feira a estrutura criada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Em resposta à revelação da CEP, a Associação Coração Silenciado diz que esse é um “passo tardio, mas positivo”.

“A CEP solicitou também ao Grupo VITA uma proposta concreta sobre como poderão vir a ser definidos e operacionalizados os processos de reparação financeira, que será apresentada durante o presente mês”, adiantou o grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas para o apoio e acompanhamento das vítimas de crimes sexuais em ambiente eclesiástico.

Em comunicado, o Grupo VITA sublinhou também já ter recebido 71 pedidos de ajuda e realizado 45 atendimentos, assumindo a expectativa de atender este mês — em que se assinala um ano da divulgação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica — mais pessoas que terão sofrido abusos sexuais no contexto da Igreja.

“Na sua maioria, as situações reportadas dizem respeito a pessoas adultas vítimas de violência sexual na infância ou adolescência, existindo também situações de adultos especialmente vulneráveis”, lê-se ainda na nota divulgada. O Grupo VITA realçou que existem 13 pessoas sujeitas a acompanhamento psicológico ou psiquiátrico regular e que outras oito pessoas foram direcionadas para este apoio e estão numa fase inicial do processo.

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Sublinhou o “balanço positivo” dos primeiros oito meses de trabalho e o “processo gradual de confiança” entre as vítimas e o Grupo, que tem procurado trabalhar em rede com outras estruturas da Igreja e destacou ainda a formação já realizada junto das comissões diocesanas, bem como o agendamento de outras ações para catequistas, professores de educação moral e religiosa católica, docentes de escolas católicas e de escolas públicas.

Grupo VITA diz que poucas vítimas perderam confiança no trabalho do organismo

“O relatório da Comissão Independente foi um ponto de viragem determinante para a Igreja Católica em Portugal que, desde então, não mais pode alegar o desconhecimento de situações sexualmente abusivas ocorridas no seu seio. As situações de violência sexual existem em todos os quadrantes da sociedade, e a Igreja não é exceção”, lembrou o Grupo VITA, que prevê apresentar o segundo relatório de atividades em Fátima no dia 18 de junho.

O Grupo VITA pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (91 509 0000) ou do formulário para sinalizações, já disponível no site www.grupovita.pt.

Criado em abril de 2023, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.

O Grupo VITA surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.

Associação de vítimas da Igreja saúda “passo tardio, mas positivo”

A associação Coração Silenciado, que representa vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja, saudou o anúncio feito pelo Grupo VITA, considerando-o “um passo tardio, mas felizmente positivo”.

“É uma pequena etapa da qual estávamos à espera há muito tempo. Até agora a Igreja tem falado de reparação às vítimas, mas sem concretizar nada e nós temos insistido na necessidade da indemnização, que é a única forma de compensar as vítimas, cujo trauma não prescreveu. Independentemente de qualquer prescrição, é justa a indemnização às vitimas por danos morais, físicos e psicológicos”, afirmou António Grosso, dirigente da associação.

Em declarações à Lusa, António Grosso lembrou que as vítimas têm frisado a importância da questão das indemnizações independentemente da prescrição dos abusos sexuais e sublinhou que “não é precisa muita criatividade” para definir um esquema de compensação financeira, uma vez que tal já ocorreu em outros países.

“A Igreja tem de chegar-se à frente com algum quantitativo que permita publicamente saber-se que tem X milhares ou milhões de euros para indemnizar as vítimas”, disse, adiantando que “ao Estado também competiria alguma responsabilidade, já que, constitucionalmente, lhe cabe a proteção de crianças e jovens. Vamos ver o que o Estado faz perante as recomendações da própria União Europeia”.

António Grosso salientou a reunião da associação Coração Silenciado com a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) há cerca de um mês e admitiu que possa ter dado um impulso no tema das indemnizações às vítimas, mas apontou também ao argumento das prescrições.

“Há países onde não há prescrição de crimes de natureza sexual sobre menores e Portugal tem de seguir esse exemplo. E se há alguma entidade que tem de dar esse pontapé de saída é, precisamente, a Igreja. Tanto quanto sabemos, a lei de Deus não tem prescrições”, defendeu.

O dirigente da Coração Silenciado invocou as posições já manifestadas pelo Papa Francisco ou pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nos encontros que ambos tiveram com representantes das vítimas de abusos sexuais na Igreja.

“Não faz sentido que venha falar-se em prescrições. D. José Ornelas tem falado várias vezes em prescrições, que é uma questão jurídica e que alguns crimes já prescreveram, etc… Para nós, não pode haver prescrição, independentemente do que esteja na lei. Como diz o Papa Francisco, a dor não prescreve”, concluiu.