O Estranho Caso de Benjamin Button, Frost/Nixon, Milk, O Leitor e o vencedor, Quem Quer Ser Bilionário?. Assim lia a lista de nomeados para o Óscar de Melhor Filme aquando da 81ª cerimónia, em fevereiro de 2009. Cinco filmes, muito discutidos na altura, num ano que veio a marcar um ponto de viragem na história dos prémios. A ironia, essa, está no facto de que o catalisador dessa mudança não foi nenhum dos filmes nomeados – nem sequer o drama rodado na Índia pelo britânico Danny Boyle que venceu a noite (é ainda hoje um dos mais premiados da história dos Óscares) – mas um filme que falou mais alto pela sua ausência: O Cavaleiro das Trevas.

O blockbuster de super-heróis, um filme de Batman que mudou o paradigma daquilo que se pensava possível dentro dos constrangimentos do género e elevou Christopher Nolan ao patamar de realizador-celebridade, foi reconhecido pela Academia com 8 nomeações e 2 prémios (incluindo Melhor Ator Secundário pela transformadora atuação póstuma de Heath Ledger no papel de Joker), mas a sua conspícua exclusão da lista de cinco títulos indicados a Melhor Filme levantou questões e um coro de vozes críticas que questionavam como era possível não ter sido nomeado. A razão, especularam muitos, residia precisamente na sua popularidade e pertença a um género olhado como menor por muitos dos que então votavam.

A exclusão de O Cavaleiro das Trevas e do seu realizador serviu como uma espécie de ponto de inflexão nas discussões em torno do suposto elitismo exibido pela Academia, da sua distância relativamente ao cinema preferido pela generalidade dos espectadores. E provou ser tão polémica que motivou alterações permanentes: no ano seguinte, os Óscares anunciaram a expansão da categoria de Melhor Filme, de cinco (número que se mantinha desde 1945), para dez.

Óscares: a noite esperada de Nolan e “Oppenheimer”

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Ainda que sem mencionar diretamente o filme de super-heróis, a própria Academia reconheceu que na génese da medida esteve uma vontade de “reconhecer e incluir outros filmes incríveis que geralmente aparecem noutras categorias dos Óscares, mas que têm sido barrados da corrida ao principal prémio”. Realizadores como Steven Spielberg reconheceriam anos mais tarde que, se fosse hoje, “[O Cavaleiro das Trevas] de certeza que tinha sido nomeado para Melhor Filme”.

Para o próprio Christopher Nolan, a polémica marcou o início de uma relação tumultuosa com os Óscares. Recentemente descrito como um dos mais importantes nomes da sua geração, as suas ambiciosas e complexas produções têm conquistado repetidamente público e crítica, mas até aqui sem nunca capturar por completo a admiração da Academia – mesmo quando, como já vimos, mudam as próprias regras do jogo. Quinze anos depois dessa mudança, Nolan conquistou finalmente as suas estatuetas douradas e o reconhecimento da mais alta instância de Hollywood. Ainda que tenha sido longo o percurso para lá chegar.

A narrativa de Nolan nos Óscares, de Memento Oppenheimer

A verdade é que o cineasta não era completamente estranho aos Óscares antes de O Cavaleiro das Trevas. Em 2002, tinha recebido uma nomeação para Melhor Argumento Original por Memento, puzzle narrativo contado em ordem cronológica inversa e centrado num homem com amnésia que tenta resolver o mistério da morte da sua mulher. Nos anos seguintes, ainda que filmes como Insónia (2002), O Terceiro Passo (2006) e o primeiro filme da sua trilogia de Batman, Batman — O Início (2005) tenham sido preteridos pela Academia, contribuíram para fomentar a sua reputação como um certo tipo de cineasta, representante de um tipo clássico de cinema-espetáculo de larga escala, na tradição de nomes como Stanley Kubrick ou David Lean.

A promessa era por isso muita, o que só fez aumentar a desilusão quando os Óscares o ignoraram. Mais a mais porque, num meio cada vez mais dominado pelo streaming, a insistência de Nolan pela tradição da experiência cinematográfica em sala (foi aliás o que motivou a sua rutura com a Warner Bros depois de Tenet, em 2020) reforçava a sua importância para o cinema, enquanto entertainer de massas cujos filmes conseguiam, ainda assim, desafiar algumas das fórmulas de Hollywood.

Depois de Batman, e da expansão da categoria de Melhor Filme, veio o primeiro teste a esta nova realidade. A Origem (2010), thriller surreal cuja ação se desdobra numa complexa teia de sonhos-dentro-de-sonhos, foi aclamado como um clássico moderno pela crítica e pelo público, tornando-se no primeiro Nolan a ser nomeado para Melhor Filme. No entanto, o realizador voltou a ter de se “contentar” com uma nomeação para Argumento Original, ficando de fora da lista de cinco indicados a Melhor Realizador (Tom Hooper e o seu O Discurso do Rei sairiam vencedores naquele ano).

Quatro anos depois – e com um terceiro filme de Batman pelo meio – foi a vez do seu épico de ficção científica, Interstellar (2014), cimentar um novo sucesso de bilheteira para o britânico. A tendência, contudo, não se manteve com os críticos, que receberam o filme com alguma frieza, pouco convencidos com a narrativa e com a tentativa de pisar o chão de 2001: Odisseia no Espaço. Ainda que em anos recentes tenha sido alvo de uma reavaliação que o vê figurar frequentemente em listas dos melhores filmes do género, em 2015 ficou-se por indicações num par de categorias técnicas, vencendo em Efeitos Visuais.

Seria apenas em 2017 que Nolan atravessaria o “event horizon” rumo ao reconhecimento da Academia pela primeira vez. Dunkirk, filme de guerra, blockbuster de verão e puzzle temporal em igual medida, fascinou o meio cinematográfico pelo realismo e atenção ao detalhe das suas cenas de guerra e determinação em usar efeitos práticos, minimizando o recurso aos efeitos visuais em computador (faceta que voltaríamos a ver em Tenet e Oppenheimer).

O filme valeu-lhe finalmente a primeira nomeação para Melhor Realizador e, com 8 nomeações (incluindo Melhor Filme), apresentava-se como um potencial favorito. Mas as narrativas pessoais também pesam nos Óscares e, nesse ano, Christopher Nolan concorria contra outra dama-de-honor de longa data: Guillermo del Toro, que uma década depois de O Labirinto do Fauno (2006), seria consagrado pela sua fantasia romântica A Forma da Água, arrecadando os principais prémios da noite. Dunkirk até arrecadou três prémios, mas mais uma vez falhou as principais categorias.

Curiosamente, os sucessivos infortúnios nos Óscares ao longo dos anos pareceram apenas galvanizar a reputação do realizador como um dos mais importantes nomes do cinema contemporâneo. A capacidade de levar sucessivamente às salas milhões de espectadores com filmes originais enquadrava-o como uma espécie de figura central na indústria, ao ponto de em 2020, em plena pandemia, o seu Tenet ter sido posicionado como o filme que iria “salvar” a experiência cinematográfica em sala – com Nolan o homem responsável pelo ato heróico.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, Tenet acabou por ser um relativo sucesso comercial, atendendo às circunstâncias (faturou 365 milhões de dólares), mas foi mais uma vez ignorado pelos Óscares, que não responderam à complexidade (houve quem lhe chamasse confusão) do seu enredo duplo contado em sentido inverso.

O cinema de Nolan continuava por ser reconhecido, apesar dos milhões de fãs e do sucesso comercial e crítico que motivava. Eis que, em 2023, surgiu Oppenheimer, filme biográfico sobre o pai da bomba atómica que, de mão dada com Barbie, exemplificou a capacidade da internet para promover filmes. Com mais de 900 milhões de dólares de bilheteira, tornou-se o maior sucesso original do cineasta (excluindo o franchise Batman) e o maior exemplo da experiência do cinema em sala na carreira do cineasta. Quinze anos depois de O Cavaleiro das Trevas, Nolan finalmente conquistou a sua narrativa. E os seus Óscares.