Ao fim de 32 anos, os vinis voltaram a ser incluídos no cabaz de bens considerados pelo instituto de estatística britânico para calcular a taxa de inflação (a título de curiosidade: assim como as air fryers e o pão sem glúten). O mesmo não aconteceu em Portugal porque, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a despesa das famílias com vinis ainda não é suficiente.

No Reino Unido, a entidade responsável pelas estatísticas oficiais considera mais de 700 bens e serviços para o cálculo da inflação. O cabaz tem em conta as preferências dos consumidores, mas também o peso que cada produto tem na despesa das famílias e as necessidades de equilíbrio e abrangência do cabaz, pelo que é normal que a lista seja atualizada com regularidade.

Este ano, foram adicionados 16 items — por exemplo, o pão sem glúten; as air fryers (a despesa das famílias no Reino Unido com este eletrodoméstico terá disparado 30% entre 2021 e 2022, segundo o próprio instituto); sementes de girassol e de abóbora; ou os vinis, que regressaram ao cabaz “pela primeira vez em mais de 30 anos, refletindo um ressurgimento da sua popularidade” e porque os “suportes de gravação são uma das áreas mais sub-representadas do cabaz”, justifica o instituto de estatística do Reino Unido.

Por outro lado, foram retirados 15 produtos, como as pen USB (são cada vez menos usadas); o álcool gel para mãos (perdeu fôlego depois da pandemia); o frango assado inteiro (porque alguns supermercados deixaram de o vender ou vendem apenas algumas partes); ou mesmo o sofá-cama (a cama com gavetão tornou-se mais popular).

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Em Portugal, o INE não revela a composição do cabaz considerado, que tem cerca de 1.300 produtos, escudando-se no “segredo estatístico”. Diz apenas que, este ano, saíram 59 produtos e entraram 61 na lista, mas não especifica quais.

Concretamente sobre o vinil, o INE responde ao Observador que não foi incluído no cabaz, uma vez que a despesa das famílias ainda não é suficiente para que possa ser considerado. “A música em formato vinil não faz parte da amostra do IPC [índice de preços no consumidor], pois o seu nível de despesa de consumo final das famílias é inferior ao limiar considerado para inclusão no IPC”, indicou o INE ao Observador.

O Observador pediu dados sobre a despesa em vinis na qual o INE se baseia, mas fonte oficial indicou não ser possível ter uma desagregação tão significativa.

A amostra de bens e serviços considerados pelo instituto é “selecionada e ponderada” com base na despesa monetária de consumo final das famílias, proveniente do Inquérito às Despesas das Famílias, dos Censos e das Contas Nacionais, mas é “complementada com outras fontes de informação de natureza administrativa, bem como outros inquéritos realizados pelo INE”, explica.

Com esta informação, o INE procede à atualização anual do cabaz a considerar e dos respetivos ponderadores (essa estrutura de ponderação é divulgada). No destaque da inflação de janeiro, o INE explica que na sequência do acesso a informação “mais rica e atualizada, nomeadamente obtida a partir de fontes administrativas”, foram feitas alterações na estrutura de ponderação e/ou amostras nas categorias dos cigarros, eletricidade, gás natural, medicamentos e especialidades farmacêuticas, automóveis novos, telecomunicações, jornais e periódicos, jogos e apostas, seguros e serviços financeiros.

Em relação aos ponderadores, a classe dos restaurantes e hotéis passou a pesar mais, assim como o vestuário e calçado, os produtos alimentares e bebidas não alcoólicas ou, em menor grau, a saúde e os transportes. Por outro lado, perderam gás as despesas com habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis, a rubrica dos acessórios para o lar, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação, assim como a classe lazer, recreação e cultura.

Vendas de vinis ainda não contam para a inflação em Portugal, mas receitas têm estado a subir

No Reino Unido, foram vendidas cerca de seis milhões de cópias de vinis no ano passado, o maior valor anual desde 1990, de acordo com dados da associação britânica de editoras discográficas. A imprensa britânica, incluindo o The Guardian, associa o “boom” recente ao fenómeno Taylor Swift, com o álbum “1989”.

Em Portugal, este também foi o álbum que mais vendeu no ano passado, mas no ranking que inclui vinil e CD em conjunto, de acordo com os dados compilados pela Audiogest (Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos), que ainda não desagrega estes dois tipos de suporte. Ao Observador, Miguel Carretas, diretor-geral, diz que a associação passará a fazer essa desagregação não só trimestralmente (a partir de abril, com o primeiro trimestre deste ano), como também anual.

No top 5 de álbuns (na soma vinil e CD) mais vendidos no ano passado, Taylor Swift ocupou o primeiro lugar (“1989”), assim como o terceiro (com “Midnights”) e o quarto (“Speak Now”). Em segundo lugar, ficaram os Pink Floyd (“The Dark Side of the Moon”) e, a fechar o pódio, Ana Moura (“Casa Guilhermina”).

Os dados finais sobre as receitas com vinis de 2023 ainda estão a ser fechados pela Audiogest, mas só na primeira metade do ano já estavam 23 mil euros acima do mesmo período do ano anterior, totalizando os 2,748 milhões de euros. Em todo o ano de 2022 — em que a liderar o top de álbuns (inclui vinil e CD) não esteve Swift mas Harry Styles —, a indústria vendeu em Portugal 5,807 milhões de euros, o que representa uma subida de 44,5% face ao ano anterior. Estes dados, recolhidos junto dos membros e associados da Audiogest, correspondem às vendas da indústria junto dos retalhistas ou diretamente das lojas e não incluem as lojas com vinis em segunda mão, por exemplo, nem os álbuns portugueses vendidos no exterior, pelo que o volume de receitas com vinis pode ser superior.

Hoje, o vinil já traz mais receitas (5,807 milhões de euros, em 2022) do que o CD (2,550 milhões). Aliás, desde 2021 que assim é. Miguel Carretas alerta, no entanto, que isto não quer dizer necessariamente que já sejam vendidas mais cópias de vinil do que de CD, uma vez que os primeiros tendem a ser mais caros do que os segundos e dado que a Audiogest ainda não tem dados sobre as unidades vendidas (embora planeie vir a ter).

Miguel Carretas explica que, do ponto de vista de volume, o streaming ainda continua a ser rei (deu receitas superiores a 20,7 milhões em 2022, em Portugal, mais 14,1% do que no ano anterior). Mas nos últimos anos, o vinil tem ganhado o seu espaço, pese embora custe “várias vezes a assinatura mensal de um serviço de streaming”.

“No vinil, estamos a falar de um culto pelo objeto, é uma escolha mais interessante [do que o CD], muitas vezes compra-se quando se gosta verdadeiramente ou quando se tem uma relação especial com aquele álbum, aquele artista, aquela banda. No streaming podemos ouvir de tudo; o vinil tem servido como este complemento”, considera Miguel Carretas.

Apesar deste revivalismo do vinil em Portugal, Carretas indica que ainda está muito longe do peso que tem a indústria no Reino Unido. “Aí estamos a falar de uma dimensão brutalmente maior. O mercado de música em Inglaterra vale muito mais, proporcionalmente, do que em Portugal”, acrescenta.